quarta-feira, 23 de março de 2022

COMO É POSSÍVEL BOLSONARO?

 


 

É uma pergunta que me tenho feito não só no curso desses anos, quando ele possui o mandato eletivo, mas que necessariamente me remete à análise do porquê de sua vitória na eleição presidencial e do porquê busca reeleger-se.

Sem dúvida, de plano desponta o sucesso de bem urdida cobertura da grande mídia, patrocinada pelos setores mais conservadores do mundo financeiro-empresarial, cujo eco ressoou no parlamento, caracterizando a administração governamental petista como corrupta.

Como é exitoso nesse tipo de condução midiática, indispensável seja apresentado ao povo um herói com a bandeira de honestidade, de restauração de valores, de ilibada conduta, tudo muito apropriado à figura de um juiz que, na ocasião, não tinha sua conduta funcional tisnada pelo que, depois, se consolidou em manifestos comportamentos de parcialidade no julgar.

Por outra perspectiva, vitimizar-se Jair Bolsonaro no episódio mal esclarecido de uma facada – recorde-se que Adélio Bispo, o agressor, não teve sequer um fio de cabelo tocado logo após a sua ação, quando notório é que os seguidores de Jair Bolsonaro, que cercavam Adélio Bispo, notabilizam-se por adotarem condutas de extrema agressividade em defesa de seu líder – e imputar esse quadro de vitimização aos opositores petistas foi facilmente deglutido por amplos segmentos da população.

Também a manipulação real das redes sociais, alimentada, ininterrupta e freneticamente, por toda a sorte de fake news, é fator vital para a satanização de quem se deseja derrotar em quadro eleitoral.

Estimo, ainda, presente o que subjaz, em nosso ser, de recôndito ou abertamente preconceituoso em relação à pessoa, desconsiderada socialmente por ser de patamar, dito inferior, tal sucedeu, e sucederia, com a ascensão de operário a, de novo, liderar a nação brasileira.

É de se considerar, outrossim, que equívocos aconteceram no pôr em prática o chamado “presidencialismo de coalizão”, erros cometidos que se traduziram na entrega, pura e simplesmente, aos partidos políticos coligados, sem qualquer controle sobre como geriam o recebido, de espaços vários da administração pública em caolha concepção do exercício do poder porque circunscrita à visão do poder político como status e fim em si mesmo, quando o poder só tem razão de ser se vocacionado à realização constante do bem comum.

Muito a propósito, o sábio ensinamento do Compêndio da Doutrina Social da Igreja sobre: “as tarefas da comunidade política”.

168. A responsabilidade de perseguir o bem comum compete não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política. Na verdade, o Estado deve garantir coesão, unidade, e organização à sociedade civil de que é expressão, de modo que o bem comum possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos. O indivíduo humano, a família, os corpos intermédios não são capazes por si próprios de chegar a seu pleno desenvolvimento; daí serem necessárias as instituições políticas, cuja finalidade é tornar acessíveis às pessoas os bens necessários – materiais, culturais, morais, espirituais – para levar uma vida verdadeiramente humana. O fim da vida social é o bem comum historicamente realizável”. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja nº 168 – pg. 103 - grifos do original e meus).

Não é possível que persistamos com um personagem tão alienado porque tão alheio ao que, realmente, importa, que são os valores de convivência respeitosa, ainda que no dissenso; os valores que nada, nem a ninguém, discriminam porque significam a inclusão plena para que todas e todos possam, na dimensão de cada qual, porque assim não há excluídas ou excluídos, usufruir dos bens “materiais, culturais, morais, espirituais” em sua integralidade.

Personagem tão despreparado à liderança porque, perdido em constantes atitudes pessoais grotescas – quem não se lembra da cena de estar a correr atrás de uma ema brandindo o remédio cloroquina – destituídas de qualquer sentido valoroso.

Cabe, porque tão oportunas, rememorarmos, aqui e agora, palavras do Papa Paulo VI escritas na Carta Encíclica Populorum Progressio “sobre o desenvolvimento dos povos”:

“35. Pode mesmo afirmar-se que o crescimento econômico depende, em primeiro lugar, do progresso social. Por isso a educação de base é o primeiro objetivo dum plano de desenvolvimento. A fome de instrução não é menos deprimente que a falta de alimentos: um analfabeto é um espírito subalimentado. Saber ler e escrever, adquirir uma formação profissional, é ganhar confiança em si mesmo e descobrir que pode avançar com os outros. Como dizíamos na nossa mensagem ao Congresso da UNESCO, em Teerã, no ano de 1965, a alfabetização é para o homem fator primordial de integração social e de enriquecimento da pessoa e, para a sociedade, instrumento privilegiado de progresso econômico e desenvolvimento”. (Carta Encíclica Populorum Progressio nº 35 – pg. 30 – grifos do original e meus).

Não há “plano de desenvolvimento” algum.

O projeto é a permanência no poder como usufruto pessoal, familiar e de amigos.

De total pertinência no quadro assim sintetizado, as palavras do Papa Francisco sobre os dois tipos de lideranças populares. Ele ensina:

159. Existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir de um povo, sua dinâmica cultural e as grandes tendências de uma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outro na busca do bem comum. Mas degenera em um populismo insano quando se transforma na habilidade de alguém de atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a  cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, a serviço do seu projeto pessoal e de permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas de alguns setores da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou sutis, o servilismo das instituições e da legalidade”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti nº 159 – pg. 85).

Necessitamos aprender ser imperativo a construção da cidadania ativa porque participativa, expressa em tantos movimentos sociais estimulados e, então, presentes em paróquias, conjuntos residenciais e de bairros, agremiações de serviço, organizações não governamentais, etc.

De novo, o Papa Francisco sobre a nobreza da verdadeira atividade política:

“Por isso, a vida política autêntica, que se funda no direito e em um diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração carregam em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais.

197. Vista dessa maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes formas de disfarce da mídia. Tudo isso semeia apenas divisão, inimizade e um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum. Ao pensar no futuro, alguns dias as perguntas devem ser: Para quê? Para onde estou realmente indo? Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim? As perguntas, talvez dolorosas, serão: “Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças produtivas desencadeei? Quanta paz social semeei? O que produzi no lugar que me foi confiado? Carta Encíclica Fratelli Tutti nº 196/197 – pg. 103/104).

Tudo assim posto, uma certeza: Não é mais possível porque, na verdade, nunca o foi, Bolsonaro.

 

                                                     Paz e Bem.

 

 

Um comentário:

Liliana disse...

Muito bom seu texto.