quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A CULTURA É A EXPRESSÃO DO AUTÊNTICO



O inciso IV, do artigo 5º, da Constituição Federal é taxativo:
“É inviolável a liberdade de consciência e de culto, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Cristalino está que razão – consciência – e fé –crença – irmanam-se na integralidade da pessoa e a expressão de atos e condutas a tanto positivar não admite restrição de qualquer ordem, justo porque se constituem, repito, em expressão da própria pessoa.
Consequência natural é a presença, ainda no analisado texto constitucional, da garantia às celebrações do culto em si e nos locais a que se destinam.
Em seção destinada à cultura, o preceito constitucional assim está posto no artigo 215:
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
Nos dois parágrafos, que se seguem, e no artigo 216, fica nítido que “as manifestações culturais” são definidas como tudo o que se insere no amplo âmbito “das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (§ 1º - artigo 215), inclusive no que diz respeito a “datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais” (§ 2º - do artigo 215) porque o patrimônio cultural brasileiro está na “referência à identidade, à ação, à memória de diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (artigo 216).
Fixadas essas linhas mestras de abordagem, até porque se definem em sede constitucional, importa, agora em passo seguinte, que nos detenhamos, topicamente, no caso, posto que há de se examinar fato a fato dada a impossibilidade de se assumir postura de generalidade que, sem dúvida, estamparia viés fundamentalista no que se examina e, então na avaliação de cada caso, ter-se a justa resposta.
O fato é: homem nu, segurando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, encobrindo sua genitália, põe-se a ralar a imagem até que ela se desfigure, por completo.
Óbvio está que não existe qualquer manifestação cultural nesse fato.
Bem pelo contrário, há claro vilipêndio público a objeto de culto religioso, de cunho católico, que se identifica no “ralar” a imagem até que desapareça e completa subversão sobre o significado cultural de Nossa Senhora Aparecida, que radica na defesa e proteção da escravizada comunidade negra e dos pobres pescadores ribeirinhos, na época do Brasil-Colônia, subjugados pelos ricos fazendeiros e a Coroa portuguesa. Detalhe verdadeiramente grotesco: o homem, que segura a imagem, é negro.
Tem-se diante o desrespeito eloquente à proteção das manifestações culturais alusivas à cultura afro-brasileira.
Outro fato de igual reprovação: material, totalmente reconhecido como hóstias, é identificado com órgãos excretores e reprodutores da mulher e do homem em exposição pública patrocinada pelo banco Santander.
Nisso tudo – e sem a necessidade de comentários outros – o que não se tem, indubitavelmente, é “manifestação cultural”.
Tem-se, isso sim, mera prática apelativa, sensacionalista, típica dos aproveitadores mercantis, de ocasião.
A cultura é expressão do autêntico.
Cultura, insisto, não se concilia com manipulações.
  


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

FASCISTAS E DEMOCRATAS USAM A MESMA TOGA”

São palavras do Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e Professor da Universidade Federal no mesmo Estado, magistrado Lédio Rosa de Andrade, pronunciadas em discurso em homenagem a seu amigo-irmão Luis Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que terminara com sua própria vida, no dia 2, próximo passado.
Estamos em tempos obscuros.
Obscuros porque as ditas elites, que tem a responsabilidade maior na condução de todos os assuntos pertinentes ao bem comum, na especificidade de como se apresentam – seja no governar, no legislar e no julgar – divorciaram-se, por completo, de tão valorosa missão.
O que se assiste é a prática reiterada e desavergonhada do corporativismo a engendrar “pactos”, “soluções de ocasião”, “arranjos”, que espelham a covardia no assumir posições concretas, objetivas, comprometidas com a verdadeira adoção de medidas para, paulatinamente, construírem a sociedade fraterna, porque justa.
Não, nada disso se objetiva.
Familiariza-se e eterniza-se a representação popular; o jogo de palavras e gestual estudado formatam o quadro, assim manipulado, para o exercício da administração pública; o desequilíbrio verborrágico incessante atropela, letalmente, a serenidade e a imparcialidade de todos quantos decidem.
Torno ao Professor e Desembargador Lédio Rosa de Andrade a dizer:
“É claro que um Estado Democrático de Direito precisa de imprensa livre. É claro que um Estado Democrático de Direito precisa de independência do Judiciário. Que o Judiciário e os juízes julguem, livremente, sem pressão. Só que, também, é claro que essas instituições absolutamente importantes para a democracia a cada dia, a cada momento, são deturpadas. Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade da empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam”. (Jornal do Brasil: publicação eletrônica do dia 07/10 às 13h.24).
E, com pleno acerto encerrou o Professor e Desembargador Lédio Rosa de Andrade:
“Bertolt Brecht já nos disse. Já estão levando não só os vizinhos, já estão levando nossos amigos próximos e vão nos levar. A vida é isso, companheiros. É luta permanente. E a democracia não permite descanso. Não permite descanso. Eu, hoje, como professor da UFSC sou uma pessoa que tem orgulho e alegria. Como desembargador, tenho vergonha. Porcos e homens se confundem. Fascistas e democratas usam as mesmas togas”. (publicação citada).

Trago, aqui e agora, porque tão oportunas e sábias, as palavras do Papa Francisco, na mensagem quaresmal para o corrente ano, motivadas pela cena evangélica do pobre Lázaro e o homem rico:
“O apóstolo Paulo diz que a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro (1 Tm 6, 10). Esta é o motivo principal da corrupção e uma fonte de invejas, contendas e suspeitas. O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico (cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 55). Em vez de instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço ao amor e dificulta a paz. Depois a parábola mostra-nos que a ganância do rico fá-lo vaidoso. A sua personalidade vive de aparências, fazendo ver aos outros aquilo que se pode permitir. Mas a aparência serve de máscara para o seu vazio interior. A sua vida está prisioneira da exterioridade, da dimensão mais superficial e efêmera da existência (cf. ibid., 62).
O degrau mais baixo desta deterioração moral é a soberba. O homem veste-se como se fosse um rei, simula a posição dum deus, esquecendo-se que é um simples mortal. Para o homem corrompido pelo amor das riquezas, nada mais existe além do próprio eu e, por isso, as pessoas que o rodeiam não caem sob a alçada do seu olhar. Assim o fruto do apego ao dinheiro é uma espécie de cegueira: o rico não vê o pobre esfomeado, chagado e prostrado na sua humilhação”. (mensagem quaresmal do Papa Francisco para o ano de 2017).
Comecei este escrito, dizendo: “Estamos em tempos obscuros”.
Sim, estamos.
Aos 16 anos de idade, e esta semana chego aos 71, sonhando e me empenhando com tantas e tantos mais por nosso Brasil, brasileiro; por nosso Brasil honesto, justo, fraterno e vi-me, então aos 18 anos de idade, derrotado, destroçado, sofrido, mas permaneci fiel ao sonho, que sonhei. Não o abandonei, e o dia amanheceu porque nuvens obscuras nunca impedirão que o sol sempre nasça, e ilumine.
Com muita alegria, venho de ler palavras do Papa Francisco, ditas há pouco, na Audiência Geral da quarta-feira, dia 20 de setembro, que me fazem tão bem, porque me entusiasmam a não desistir. Diz Francisco:
“Cultiva ideais. Vive algo que supera o homem. E mesmo se um dia estes ideais apresentarem uma conta alta a pagar nunca deixe de os conservar no coração. A fé obtém tudo. Se erras, levanta-te: nada é mais humano do que cometer erros. E aqueles mesmos erros não se devem tornar para ti uma prisão. Não fiques preso nos teus erros. O Filho de Deus veio não para os sadios, mas para os doentes: portanto, veio também para ti. E se errares ainda no futuro, não temas, levanta-te! Sabes porquê? Porque Deus é teu amigo. Se a amargura te atinge, crê firmemente em todas as pessoas que ainda trabalham pelo bem: na sua humildade está a semente de um mundo novo. Frequenta pessoas que conservam o coração como o de uma criança. Aprende da maravilha, cultiva a admiração. Vive, ama, sonha, crê. E, com a graça de Deus, nunca te desesperes”. (mensagem quaresmal mencionada).

                                          Paz e Bem.