sábado, 31 de março de 2012

A CRISE NO PODER JUDICIÁRIO

                                          


         Antes de tudo, importa esclarecer que crise não deve ser entendida, como comumente a imprensa propaga, sem deixar de trair o seu viés sensacionalista, no sentido de quadro de periclitante desestabilização a provocar sentimento de insegurança e despertar vocações autoritárias como solução eficaz a por cobro a tal inquietude.

         Verdadeiramente, não é assim.

         Crise reflete a imperiosa necessidade de por no centro da reflexão determinada realidade para que seja avaliada criteriosamente a fim de que responda ao que dela se espera, no tempo em que se vive.

         No dinamismo da vida, a crise não assusta, não amedronta, antes é imprescindível ao aperfeiçoamento das instituições postas a serviço da mulher e do homem e, se se trata de crise pessoal, ao aperfeiçoamento do próprio ser humano.

         A crise é momento de purificação, no sentido de encontrar-se com a própria verdade, afastadas as manipulações de todas as colorações.

         Isso estabelecido, nos dias de hoje digo que há crise no Poder Judiciário.

         Nesse tópico, e de plano, o sentimento partilhado por tantas e tantos, brasileiras e brasileiros, é de que o Poder Judiciário, mormente nas suas instâncias colegiadas superiores – os Tribunais – distancia-se, excelsamente, da população a que deve servir.

         O tratamento de excelência, conferido a todos os que desempenham cargos públicos de maior responsabilidade, não significa isolá-los em pedestal inatingível de contemplação, mas destacá-los porque neles reconhecidas atitudes, condutas concretas, de serviço idôneo e competente ao bem comum.

         Digo sempre que o ato de julgar, decidindo conflitos inerentes à condição humana, é bem menos ato de impor, e muito mais ato de ensinar. Se, portanto, magistradas e magistrados vivessem o magistério em seu desempenho diuturno, por certo o envolvimento comunitário de todos seria a nota marcante de sua digna profissão.

         Vocacionados, pois, ao ensinamento do bem viver, conseqüência natural do envolvimento comunitário, pelas decisões que proferem, disso decorre necessariamente o dispor-se ao exame de seu desempenho funcional por colegiado de âmbito nacional, de composição não corporativa que contemple, portanto, e como membros, também representantes de outros segmentos da sociedade.

         O Conselho Nacional de Justiça – CNJ – tem essa exata dimensão constitucional.

         Comprometidos com o ensinamento do bem viver, reitero, conseqüência natural do envolvimento comunitário, as decisões que prolatam hão de expressar a sensibilidade
capaz de perceber e responder às controvérsias do tempo histórico vivido. Isso nada tem a ver com o sentir-se refém do sensacionalismo midiático a estabelecer o padrão de conduta do politicamente correto. Tem tudo a ver, sim, com a formação de sociedade humanista calcada no respeito à vida em todas as suas dimensões; na solidariedade permanente para com os mais fracos, desamparados e marginalizados – e, aqui, como compreender decisão colegiada que inocenta corruptores de meninas-crianças de 12 anos de idade, sob o fundamento de que já estão prostituidas? -;  na punição efetiva dos governantes, legisladores, magistrados e todos os demais servidores públicos que assumem comportamentos da improbidade administrativa e ilícitos criminais.

         Assim, jungidos a relevante serviço comunitário, a magnitude da missão de julgar não se compraz com o retardamento na prestação jurisdicional.

         A sociedade brasileira não pode experimentar os sentimentos de impunidade e de morosidade causados pela demora na solução dos litígios judiciais.

         Se o aparato normativo propicia manobras de retardamento de que se valem as partes em contenda judicial, todavia posicionamento prático, sem deixar de ser fundamentado; célere, sem deixar de ser lacunoso; objetivo, sem deixar de ser preciso, mas evitando-se longas teorizações, digressões e abstrações em muito contribui para que se supere a procrastinação.

         Afinal, o empenho para com a Justiça supera e ultrapassa o cotidiano da mentalidade burocrática e das práticas ritualísticas.

         A propósito, bem observa o Compêndio da Doutrina Social da Igreja:

202. A justiça mostra-se particularmente importante no contexto atual, em que o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, a despeito das proclamações de intentos, é seriamente ameaçado pela generalizada tendência a recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade e do ter. Também a justiça, com base nestes critérios, é considerada de modo redutivo, ao passo que adquire um significado mais pleno e autêntico na antropologia cristã. A justiça, com efeito, não é uma simples convenção humana, porque o que é justo não é originalmente determinado pela lei, mas pela identidade profunda do ser humano.
203. A plena verdade sobre o homem permite superar a visão contratualista da justiça, que é visão limitada, e abrir para a justiça o horizonte da solidariedade e do amor. A justiça sozinha não basta, e pode mesmo chegar a negar-se a si própria, se não se abrir àquela força mais profunda que é o amor. Ao valor da justiça, a doutrina social da Igreja aproxima o da solidariedade, enquanto via privilegiada da paz.”
( CDSI – pgs. 122-3 ).

         Bem cabem, e para encerrar, essas palavras, igualmente partilhadas por Aristóteles e Tomás de Aquino, avivadas pelo filósofo Olinto Pegoraro, no seu livro “Ética é Justiça:

“A justiça é a virtude perfeita que nos relaciona com os semelhantes. Por isso, muitas vezes se diz, que a justiça é virtude preclaríssima; nem Vésper, lindíssimo astro vespertino, e nem Lúcifer, luminosíssima estrela matutina, brilham como a justiça”.
( obra citada – pág. 10 ).