segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Perguntas para final de domingo em final de ano


Acabo de assistir Vinicius de Moraes por suas músicas, tantas e belas, e trechos de entrevistas suas, no tempo, e me pergunto por que a poesia, expressão do encanto e da dor, anda tão distante e, quando chega, assume formas tão secas, quando não insossas?
Acabo de participar de missa, padre Luiz e a comunidade paroquial, reflexão tão apropriada e sábia, que ele enunciou sobre a formação da família; o encontro das gerações que disso resulta; o suportar o outro não como fardo, mas como apoio certo, porque confiável, eis que manifesta, concretamente, “o amor como vínculo da perfeição”; o Estado-Herodes, assassino por ação, ou omissão, dos mais fracos, dos que não contam porque representam estorvo, obstáculo à curtição ensandecida da materialização dos costumes, ou porque significam o inútil, o empecilho à produção e ao ganho, mais ainda, fonte de gastos incessantes no envelhecer, que se arrasta, e me pergunto por que padre Luiz, que nos concita a nos posicionarmos à luz da evangélica opção pela vida em abundância, não ficará mais entre nós, retornando que está a outro local?
Acabo, ao acaso, de ver Dilma Roussef na televisão em mais uma monótona aparição a desfilar a retórica da melhoria econômico-financeira das famílias brasileiras, e me pergunto por que as lideranças políticas são tão limitadas, incapazes de transcender o discurso das realizações-inaugurações e nunca se posicionam honesta, clara e objetivamente sobre o que, na verdade, importa: que valores pautam o nosso ser como pessoa; a nossa convivência em família, na vizinhança, na comunidade em que estamos inseridos, no País que construímos? Como tornar concreta a vivência desses valores, calcados na solidariedade, no respeito à divergência, na honestidade, na promoção da paz e do bem comum?
Acabo de retornar da simples e pequena gruta, construída no jardim daqui de casa, refúgio meu ante S. Francisco, que primo meu, artesão e franciscano de coração, como também eu tento ser, fez-me chegar no dia 3 de outubro – o trânsito de S. Francisco – e invadido por sentimento de paz, traduzo-o não em rancorosas, ou amargas, ou agressivas palavras, que estou a escrever, mas em perguntas como a que estou fazendo, e mais uma vez me pergunto por que as pessoas não tornam vivo, existencial, o testemunho de S. Francisco? Por que gostam de citar passagens de sua vida; aqui e acolá usam objetos de lembrança do poverello de Assis, mas tudo permanece no exterior, até mesmo suas orações, então meramente faladas e repetidas, e as pessoas não praticam o que S. Francisco praticou com a própria vida, cotidianamente?
Está para acabar mais um ano – 2013 – e sobre ele, portanto, perguntas não mais me motivam, mas como novo ano aí está – 2014 -, por um instante deixo de lado as perguntas e termino este texto com o desejo – porque é o desejo que nos move, nos faz viver – o desejo de que as perguntas, que fiz, a mim e a todos vocês tenham respostas que nos façam verdadeiramente felizes.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

15 de novembro

                                             

O 15 de novembro, celebrado – será mesmo? – pela proclamação da República, deste ano de 2013 é marcado pela prisão de lideranças políticas e representantes do esquema financeiro-publicitário, esquema costumeiro à eficácia dos detentores do poder, que nele desejam permanecer, indefinidamente – o chamado projeto de poder -, ditado pelos comportamentos personalistas e centralizadores, mascarados pela distribuição de bens materiais à população, disso excluída.
Nada contra, antes pelo contrário, à distribuição de bens materiais de consumo.
Isso, contudo, não pode constituir-se na opção central de política governamental: apresentar-se como mera agência provedora de consumo.
Pelo que se anseia, básica e fundamentalmente, é a centralidade da educação, da saúde e do ambiente ecologicamente limpo, porque se põem a serviço da centralidade da pessoa humana para que se desenvolva integralmente.
É por isso que, espontaneamente, eclodiu o que se resolveu chamar de “clamor das ruas”, acontecimento muito importante, mas que não demorou a ser desvirtuado pela cumplicidade ocasional, mas necessária a ambos, dos detentores do poder político, que se homiziaram no silêncio, quando tudo tinham para propor e lutar pela aprovação de medidas que terminassem com a degenerescência do “presidencialismo de coalizão”, marcada pela barganha inescrupulosa dos cargos públicos e loteamento das instituições públicas – herança maldita de maus políticos brasileiros, não de todos, mas de muitos – e da chamada grande mídia que, e como sempre, encantada pela venda sensacionalista do produto noticiado, priorizou, exclusivamente, o desvario das explosões de agressividade irracional, deixando de, por incompetência ou interesses outros, também priorizar o debate sobre o papel da Sociedade na condução dos assuntos postos a cargo do Estado brasileiro.
Aqui, o ponto.
Somos, brasileiras e brasileiros, povo atrelado passivamente ao Estado na condução de assuntos nossos.
Nosso ato de votar não afirma nossa cidadania. Transferimo-la aos chamados “representantes do povo”, que se colocam acima de nós; se eternizam em infindáveis reeleições; não nos prestam contas do que fazem, se é que fazem algo de concreto: antes eles se tornam “profissionais” gananciosos da política, assim conspurcada em sua relevante razão de ser: o compromisso único com o bem comum.
O formalismo da democracia representativa é a face branda e sedutora das ditaduras civis.
Ou, como diz, magnificamente, Aldous Huxley: “A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravidão onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão”.
O nosso desafio está em participar, ativa e perseverantemente – jamais desistir – na cotidiana construção da sociedade, assim protagonista e construtora de sua própria história: a democracia participativa.
Urge mudar a mentalidade que tecla o voto eletrônico, e vai para a casa com a ridícula sensação do dever cumprido.
Por que deixamos que as ruas fossem palco de desvairados?
Por que não nos mantivemos mobilizados em passeatas, cara à mostra, sem medo de arrostar o sistema, com vozes, e cantos, e faixas a estampar as medidas concretas, que queremos, pela valorização da educação; pela atenção incessante à saúde; pelo cuidado e preservação do meio ambiente, espaço propício do existir e ser; pelo incansável repúdio à corrupção, efetivado na condenação e cumprimento da pena criminal, sem rodeios protelatórios, a que se acrescenta o necessário e imediato ressarcimento pecuniário aos cofres públicos da lesão causada não só por parte de episódicos protagonistas, alcunhados de mensaleiros, mas também por todos quantos se apropriam, denigrem, conspurcam a res publica (= a coisa pública ).
Aí sim, a celebração do 15 de novembro é verdadeira, e dela podemos nos orgulhar.
Caso contrário, tudo fica em mais uma notícia sensacionalista que, logo e logo, vai para a cesta de lixo do esquecimento.
   


   

   

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

                                          PARA A FAMÍLIA FONTELES

Tias e tios, primas e primos:

20 de setembro, lua plena em Brasília, natureza límpida e serena, nasce Artur, filho de Martim e Fernanda, meu sexto neto.
Experimento a paz. São quase 67 anos percorridos, e é tão bom contemplar filhas e filho – Flávia, Fernanda e Gabriel -, traçando e construindo seu próprio caminho; a filha, estrela Maria Clara, anjo tão gentil de Deus, e os filhos, como ela, das filhas, que são Rafael, André, Lucas, Heitor e Artur, e se sentir avô.
Todo esse ciclo incessante, surpreendente, de alegrias e dores, de superações e cansaços, de crescimento e tropeço, só é possível porque há Ângela, amada e companheira, eis porque geramos, e acolhemos, e dialogamos e perseveramos.
Todo esse ciclo incessante, surpreendente, só foi possível porque antes aconteceu Geraldo e Maria, que também me geraram, me acolheram, comigo dialogaram e perseveraram comigo.
Eis porque nos meus momentos de solidão, angústia, medo, na verdade eu nunca estive só, a angústia não me dominou e o medo jamais de mim se apossou.
Isso tudo é família.
Confesso que meu coração se entristece – nuvens carregadamente cinzentas – quando o mundo quer obscurecer esse movimento tão bonito das gerações, acenando – porque, na verdade, a proposta mundana esvai-se num aceno – com opções idolátricas do poder pelo poder, do possuir pelo possuir, do prazer pelo prazer.
Nuvens, por mais carregadamente cinzentas que estejam, são sempre passageiras.
O firmamento, justo porque é firmamento, não passa nunca. Eu também o chamo de céu porque, olhando para ele, saio de minhas prisões materiais e intelectuais e, sem abandoná-las, porque me são necessárias, elevo-as espiritualmente e, assim, sou livre para me doar: a dimensão mais larga de ser família.
Minhas tias e meus tios, presentes de meu pai Geraldo Fonteles; minhas primas e meus primos, tantas e tantos nas gerações dos Fonteles, agora eu lhes faço um único e simples pedido: olhem-se uns aos outros e se abracem porque, assim, e por um instante, eu estou, aqui e agora, com vocês, para estarmos sempre.
                   
                                            Paz e Bem,

                                                        Claudio Fonteles.


sábado, 14 de setembro de 2013

TEMPOS FAVORÁVEIS

                                                           

Em plena adolescência, tempo caracterizado por ser tempo de mudanças, pois a criança, que se é em dependência total dos pais, passa a indicar, e mesmo assumir, gestos, ações e comportamentos próprios, sinais evidentes de salutar independência à formação da mulher e do homem, que se espera, mas ainda tão necessitada de diálogo e de afeto, jamais de “jogos de guerra”. Em tempo assim tão favorável, menino-jovem de 13 anos assassina os pais, avó e tia, e também extingue-se em suicídio.
Em pleno vigor democrático, tantas e tantos de sucessivas gerações vão às ruas e expressam em movimentação espontânea e sincera o inconformismo ante o estado de coisas a caracterizar a república brasileira como dissociada da vontade popular porque corrupta, com os poderes alicerçados na barganha; no perpetuar-se, a qualquer preço, no governar em escancarado jogo de interesses escusos, expulsas que estão do convívio cidadão a ética e a justiça. Em tempo assim tão favorável, o que se tem hoje são pequenos bandos, aqui e acolá, encapuzados e desvairados na correria e rastro alucinados do destruir, por destruir, quem sabe assim a chamar atenção da voz de governo que, quando se fez ouvir, o fez por forma tíbia, genérica e desperdiçou possibilidades significativas no quadro da democracia participativa.
Em pleno debate jurídico, compromisso de quem se fez julgador para com simplicidade, objetividade e concreto serviço ao bem comum, pela definição e afirmação de valores, que diuturna e paulatinamente dão forma e vida à sociedade humanista, que respeita a divergência e com ela habita, pacificamente; que acolhe, e se empenha para que a exclusão social não mais aconteça; que aos olhos da lei e das decisões judiciais todas e todos tenham tratamento igual, sem distinção de classes e opções políticas. Em tempo assim tão favorável, caprichos e vaidades perpetuam-se em decisões longas, fastidiosas e prolixas tão distantes da compreensão do significado do ato de decidir não como ato de egocêntrica imposição, mas de ensinar a conviver.
Tempos, assim, tão favoráveis, por favor, não deixemos que escoem por entre nossos dedos.

Tempos, assim, tão favoráveis, pedem-nos conversão de rumos a partir de mudanças reais em nossas atitudes e em nosso viver, não importando o quanto já tenhamos vivido. Afinal, somos independentes e, por isso, o tempo não nos é dado para nos aprisionar, mas para descobrir, sempre, o que, verdadeiramente, podemos ser.               

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

FRANCISCO



 Passado o impacto dos dias felizes da presença do Papa Francisco entre nós, busco amadurecer sobre o quanto se ouviu, e viu, em palavras e atitudes, desse homem, para que ele e o que realizou não se tornem mera lembrança midiática, fadada ao esquecimento, mas façam sentido concreto em nossas vidas.
O dar sentido concreto às nossas vidas ensinou-me o Papa Francisco numa frase: necessitamos construir a civilização do encontro. O passo vital a tanto, repetiu-o enfaticamente Francisco, está no: “dialogar, dialogar, dialogar”. Ou seja: abrir-se ao outro; ouvi-lo, respeitá-lo, não importando a extensão de nossas diferenças culturais, sociais, religiosas.
O ensinamento de Jesus não segrega, não violenta, não está nas soluções ditatoriais do pensamento único, na jactância do eu pavoneado e absoluto, detentor exclusivo da verdade.
O ensinamento de Jesus, mostra-nos tão sinceramente o Papa Francisco, sem quaisquer concessões a efeitos publicitários, ou a “lobbies” de qualquer espécie, situações essas tão em voga na chamada “teologia da prosperidade” e bem assim em bandeiras ilusórias do politicamente correto – e aqui o Papa concita-nos a não temer posicionarmo-nos contra a corrente -, o evangelho de Jesus abraça o que é marginalizado, a despeito de estar marcado com o estigma de ser “viciado em drogas”; detém-se e concretamente se solidariza com os excluídos materialmente de bens; ensina o valor maior da ação política, calcada na honestidade de propósitos porque unicamente comprometida na incessante promoção do bem comum; beija a vida em gestação, e tão logo que gestada, no gesto tão repetido de Francisco de acolher e sorrir aos bebês e criancinhas, que se lhe alçavam.

Que cada um de nós saiamos de nós mesmos. Abramos as janelas de nossa existência e, no espaço do protesto, firme, mas ordeiro; perseverante e atentos às respostas vindas, e como vindas, não desanimemos, como o Papa Francisco conclamou a juventude a não desanimar, porque ser missionário é sonhar o real; dissipar o confuso, “esperar contra toda esperança”; peregrinar, e peregrinar, e peregrinar...       

domingo, 9 de junho de 2013

Estatuto do Nascituro

                             
Correto que o legislador brasileiro empenhe-se, em linha de coerência, por dedicar ao ser humano, nas diversas etapas de sua cronologia, que são marcadas por clara necessidade de proteção, estatutos próprios a cumprir com esse fundamental objetivo: o cuidado e a preservação da vida.
Digna de elogios, portanto, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Idoso.
A completar esse quadro normativo, a imperiosa exigência de se ter o Estatuto do Nascituro.
Com efeito, o nascituro não é “amontoado desconexo de células”.
O avanço da ciência médica, que até consolida novo ramo da medicina, dedicado exclusivamente à saúde do feto, do nascituro portanto, que no exato momento da fecundação – a união dos gametas masculino e feminino – tem definido, para sempre, o seu código genético e, por si só, inicia, dentro do ventre materno, mas não pelo ventre materno condicionado, processo de formação autônomo de seus sistemas vitais, o avanço da ciência médica confere ao nascituro, em eloquente demonstração tecnológica advinda da ultrassonografia, sua natureza humana.
Repito: o acompanhamento mensal, feito por qualquer obstetra, no desenvolvimento do nascituro, à luz dos procedimentos tecnológicos hoje tão em voga, constatando a paulatina formação de todos os seus sistemas vitais e expressões corpóreas, por óbvio impossibilita a afirmação, que assim atinge as raias do ridículo, de que se tem: “amontoado desconexo de células”.
Portanto, em perfeita sintonia científica, o artigo 3º, do Estatuto do Nascituro, juridicamente bem preceitua que:
“Art. 3º: O nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal.”
Isso estabelecido, sem sobressaltos ou incoerências, alinha-se perfeitamente o que prescreve o artigo 13 ao texto principiológico, que venho de contemplar no retro transcrito artigo 3º.
Está no artigo 13:
“Art. 13: O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes:
I – direito prioritário à assistência pré-natal com acompanhamento psicológico da gestante;
II – direito à pensão alimentícia equivalente a 1 ( um ) salário mínimo, até que complete dezoito anos;
III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.
Parágrafo único: Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo.
Tratar o artigo 13 como “bolsa estupro” é descarregar, absurdamente, todo o preconceito contra a mulher violentada e o nascituro em demonstração claríssima de sociedade machista agressiva, virulenta e desumana, por corifeus, travestidos ou às claras, desse tipo segregador de sociedade.
O artigo 13, no mesmo patamar, dedica à gestante e a seu filho total acolhida e proteção na prioridade conferida à assistência pré-natal e ao acompanhamento psicológico. Assegura-lhes apoio financeiro. À mulher, deixa-a livre para exercer, se o desejar, a maternidade, nessa situação, mas preserva a vida do nascituro, encaminhando-o à adoção.
Por fim, o estuprador, sem que isso signifique, obviamente, levá-lo ao convívio com a mulher, que vitimou, e seu filho, e também não lhe conferindo qualquer direito, a propósito, impõe-se-lhe a obrigação pecuniária, de par com outras, ainda de natureza civil, e a responsabilização criminal.
É cabalmente insano falar-se de “bolsa estupro”, como insano é o viés, reitero, de odioso machismo a inspirar, nesse passo, os detratores do Estatuto do Nascituro.
Importa que construamos e estabeleçamos a sociedade humanista.
Importa que fixemos e vivamos palavras plenas de sabedoria do filósofo humanista Emmanuel Mounier:
“Pela experiência interior a pessoa surge-nos como uma presença voltada para o mundo e para as outras pessoas, sem limites, misturadas com elas numa perspectiva de universalidade. As outras pessoas não a limitam, fazem-na ser e crescer. Não existe senão para os outros, não se conhece senão pelos outros, não se encontra senão nos outros. A experiência primitiva da pessoa é a experiência da segunda pessoa. O “tu” e, adentro dele, o “nós”, precede o “eu”, ou pelo menos acompanha-o.”
( leia-se: O Personalismo – pg. 45-46 )
E, definitivo, arremata o filósofo:
“Quando a comunicação se enfraquece ou se corrompe perco-me profundamente eu próprio: todas as loucuras são uma falha nas relações com os outros – o alter torna-se alienus, torno-me também estranho a mim mesmo, alienado. Quase se poderia dizer que só existo na medida em que existo para os outros, ou numa frase-limite: ser é amar.

(leia-se: O Personalismo: pg. 46).

domingo, 5 de maio de 2013

Mais cuidar e menos gerir


             O noticiário vira e mexe, e a cada fato que ele trata de espetacularizar, instiga o nosso componente emocional a ponto de nos deixarmos conduzir exclusivamente por ele – seja pelo noticiário, seja pelo emocional, dá no mesmo – arrastando-nos a soluções simplistas, superficiais, que menosprezam a dignidade da pessoa.
Refiro-me a duas situações, assim tratadas: a menoridade penal e a internação compulsória de dependentes da bebida ou da droga.
Políticos sagazes, e na proximidade do calendário eleitoral, bradam, ora pela redução da maioridade, ora pelo aumento das sanções aos menores infratores.
Soluções de consumo fácil, funcionalistas, mas que estão a esconder a inoperância da gestão centrada em si mesma – a gestão pela gestão -, que abdica de por em prática os valores humanistas da acolhida, do envolver-se com tantas e tantos que estão à margem do usufruir os bens mais elementares do correto viver.
Com efeito, reduzir a idade para que adolescentes sejam criminalizados, ou que padeçam mais tempo nos depósitos em que são enjaulados, é demagogia barata, para encobrir, repito, “a inoperância da gestão centrada em si mesma”.
Por que os governos, sejam eles municipais, estaduais e federal, não priorizam a educação?
Por que os governos, sejam eles municipais, estaduais e federal, não priorizam a formação da família estável?
Priorizar a educação, dentre possíveis perspectivas, é, concretamente:
- garantir que o professor, em regime de oito ( 8 ) horas diárias, dedique-se, totalmente, a uma e única escola, porque, assim, continuadamente, aperfeiçoa-se e, assim, continuadamente, não é mero e burocrático repassador de surrados esquemas – gestor -, mas formador de cidadania ativa para os seus alunos, pelo conhecimento e dedicação empenhada com alegria e satisfação. É ser pastor: o que cuida, o que está atento, o que promove o desenvolvimento integral das aptidões válidas e úteis à formação pessoal e comunitária das crianças, jovens e adultos que lhe são confiados.
Priorizar a família estável, dentre possíveis perspectivas, é:
- garantir o mesmíssimo reconhecimento tanto à mulher, quanto ao homem, em qualquer plano em que se situem – conjugal, educacional, laboral, econômico, social, esportivo – de modo a que se constitua, solidamente, relacionamento de inestimável companheirismo, embasado na entrega, sem subterfúgios ou máscaras, de um para com o outro – não há um, sem o outro – do que naturalmente decorre a filiação, natural ou adotiva, compondo-se vínculo íntimo e profundo de amor – a conjugalidade, a maternidade, a paternidade e a filiação – vínculo esse que, por certo, dissipa a criminalidade juvenil, e mesmo a adulta.
Vivenciadas essas realidades – prioridade à educação e prioridade à família estável – por certo as medidas, ditas salvadoras, perdem todo o sentido.
Quanto à internação compulsória dos dependentes da bebida, ou da droga, tem-se, mais uma vez, o rosto insensível do gestor.
Que sejam todos recolhidos, pela polícia, em camburões; que sejam todos submetidos a tratamento de exclusiva desintoxicação, é o que se ouve, e vê.
Tal metodologia, por óbvio, trata as pessoas, em tais situações, como marginais; massa sem forma, nem figura, mera massa manobrada na perspectiva de resultado estatístico, quem sabe para escusos propósitos de obtenção de verbas conveniadas e, de novo, fins eleitoreiros.
Todas e todos estejam no grau em que se encontrem da capacidade de autodeterminarem-se, hão de ser conduzidos para que se sintam diante de opção de mudança de vida, que lhes é oferecida; hão de ser acolhidos, fraternalmente; tratados na sua dimensão integral, pessoal e própria, o que não se concilia com métodos de eliminação da vontade individual, o que não se concilia com a adoção de tratamento exclusivamente médico, mas abra-se espaço para a descoberta, ou a redescoberta, do componente espiritual em seu ser, sem qualquer proselitismo religioso.
O mal de nossos dias está, ironicamente, na solidão coletiva do que gere.
O bem possível está, certamente, na doação comunitária do que cuida.  

         

quarta-feira, 3 de abril de 2013

FRANCISO


       Eu, como tantas e tantos, mulheres e homens das mais variadas gerações, experimentamos alegria, entusiasmo, sentimentos necessários a quem permanece no caminho, pela eleição do papa Francisco.
Certo é que a mídia, nacional e internacional, privilegiando o visual, compraz-se em fotografar e filmar atitudes, sem dúvida válidas, do Papa Francisco, pondo em relevo sua simpatia e simplicidade.
Considero, contudo, que é nosso dever conhecermos mais adequada, e profundamente, o Papa Francisco.
Importa, para isso, que leiamos e meditemos sobre suas alocuções.
Detenho-me, então, no que nosso Papa disse em sua primeira Audiência Geral, na Praça de São Pedro, na véspera das celebrações dos dias santos, na quarta-feira passada, dia 27.
“Viver a Semana Santa seguindo Jesus, quer dizer aprender a sair de nós mesmos para ir ao encontro dos outros, para ir para as periferias da existência, movermo-nos para os nossos irmãos e as nossas irmãs, sobretudo aqueles mais distantes, aqueles que são esquecidos, aqueles que têm mais necessidade de compreensão, de consolação, de ajuda. Há tanta necessidade de levar a presença viva de Jesus misericordioso e rico de amor”
Sim, necessitamos nos mover e abraçar os que estão “nas periferias da existência”.
Os que ali estão – nas periferias da existência – porque, marcados por dores profundas, refugiam-se no ceticismo ou no cinismo; na dilaceração da própria identidade, conduzindo-se, sob os mais variados matizes, produzidos ao sabor das conveniências do momento, à ilusão de travestir o efêmero em definitivo.
“Compreensão, consolação, ajuda” indica-nos o Papa Francisco.
Compreender para que não nos afastemos dessas irmãs e desses irmãos; consolar para que delas e deles sejamos os próximos; ajudar para que com elas e com eles partilhemos nossas vidas. Eis, para mim, a comunhão fraterna.
A comunhão eucarística se expressa na comunhão fraterna.
Viver a Semana Santa é entrar sempre mais  na lógica de  Deus, na lógica da Cruz, que não é, antes de tudo, aquela da dor e da morte, mas aquela da doação de si, que traz a vida. É entrar na lógica do Evangelho. Seguir, acompanhar  Cristo, permanecer com Ele exige um “sair”. Sair de si mesmo, de um modo cansado e rotineiro de viver a fé, da tentação de fechar-se nos próprios padrões, que terminam por fechar o horizonte da ação criativa de Deus.”
Tem plena razão o Papa Francisco no que acaba de nos dizer.
O êxodo, que não é fuga, mas encontro, porque saio de mim para o meu “outro eu”, que é o meu próximo ou, a melhor dizer, de quem eu me aproximei, de quem eu me tornei irmão, porque não está mais fora de mim, longe de mim, mas é, verdadeiramente, meu “outro eu”.
Jesus, olhando as multidões, não as manipulava com teatralidades, cenas de efeito ou arroubos demagógicos.
Costumeiramente, sentava-se – o que quer dizer: parava para, centrado nas pessoas, considerando-as em primazia, ensinava-as -; costumeiramente, caminhava – o que quer dizer: punha-se em missão, evitando a repetição insossa das fórmulas, das regras e dos ritos -.
Sentar e caminhar. Acolher e continuar.
Continue Papa Francisco, continuemos todos.

                                                     Paz e Bem.



    
        

domingo, 17 de fevereiro de 2013

PAPA BENTO XVI


          O noticiário, em enxurrada, sobre a positiva e determinada atitude do Papa Bento XVI, como tudo que se faz, em enxurrada, impossibilita a serena avaliação sobre seu comportamento.
          Velhos, e mal abordados, temas são avivados; midiáticas vozes são chamadas a, em uníssono, repetirem a desgastada tecla: líder conservador, retrógrado, fechado em esquema pensamental ultrapassado e, assim, arrastando a Igreja católica a descompasso em relação ao mundo.
          Repito: a enxurrada leva tudo, de roldão; compraz-se no incapacitar a análise racional e, portanto, fundamentada.
          O Papa Bento XVI não é nada disso com que o carimbou o esquema midiático.
          Eu me permito, aqui, sugerir aos que têm diante dos olhos o que escrevo, a leitura de “Luz do Mundo – o Papa, a Igreja e os sinais do tempo”, proveitosíssimo diálogo do Papa Bento XVI, porque o revela tal qual é, com o arguto jornalista Peter Seewald.
          Destaco, de todo modo, alguns trechos a embasar meu posicionamento.
          O Papa Bento XVI bem apresenta o significado do ser cristão, ao dizer:
“Toda a minha vida sempre foi atravessada por um fio condutor, este: o cristianismo confere alegria, alarga os horizontes. Definitivamente, uma experiência vivida sempre e somente contra seria insuportável”. ( livro citado – pg. 27 ).
Por isso, e com coerência, linhas adiante disse na entrevista:
“Hoje, sobretudo, o Papa tem o dever de lutar em toda parte pelo respeito aos direitos humanos, como íntima conseqüência da fé no fato de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e que tem uma vocação divina. O Papa tem o dever de empenhar-se pela liberdade, contra a violência e contra as ameaças de guerra. Do profundo de seu coração, está obrigado a lutar pela conservação do criado, a opor-se a sua destruição.” ( livro citado – pg. 37 ).
         O alegrar-se só é possível, realmente, quando abrimos horizontes em nossa existência, porque a tristeza advém do fechamento, da obliteração, da desunião. A liberdade abre-nos os horizontes e nos impulsiona ao outro – alteridade -, vocacionados todos à comunhão, porque o ato de amar sempre é proposta à integração, jamais imposição cuja conseqüência fatal é a desintegração, realidade vivida por tantas mulheres e tantos homens de nosso tempo.
        Tornando ao Papa Bento XVI, quando questionado por Seewald a respeito do tema da pedofilia, deixou por bem claro que:
“O senhor tem razão é um pecado muito grave se alguém que, na realidade, deveria ajudar as pessoas a encontrar o caminho para Deus, alguém a quem se confia uma criança, um adolescente, a fim de encontrar o Senhor, ao contrário, abusa deles e os distancia do Senhor. Dessa forma, a fé, como tal, fica desacreditada, a Igreja já não pode colocar-se de maneira convincente como anunciadora do Senhor. Tudo isso nos perturbou, ainda hoje me convulsiona interiormente.” ( livro citado – pg. 43 ).
Para concluir:
“Ademais, faz parte também da verdade o fato de que devo punir quem pecou contra o verdadeiro amor.”  (livro citado – pg. 44).
Como falar-se de atitudes de acobertamento do Papa Bento XVI?
Exposto em raciocínio límpido e seguro, o Papa Bento XVI trata dos chamados temas atuais com primorosa argumentação. Disse:
“Quando, por exemplo, em nome da não discriminação quer-se constranger a Igreja Católica a mudar a própria posição no que tange à homossexualidade ou à ordenação sacerdotal das mulheres, isto significa que já não lhe é permitido viver a própria identidade, erigindo, ao contrário, uma abstrata religião negativa como critério tirânico último, ao qual todos devem dobrar-se. E essa seria a liberdade, pelo simples fato de que nos livraria de tudo o que veio antes.” ( livro citado – pg. 73/74 ).
E definitivo:
“Há o perigo de que a razão, a chamada razão ocidental, afirme ter finalmente descoberto o que é justo e apresente uma pretensão de totalidade que é inimiga da liberdade. Creio ser necessário denunciar com força esta ameaça. Ninguém é obrigado a ser cristão. Contudo, ninguém deve ser constrangido a viver segundo a nova religião como se fosse a única e verdadeira, vinculante para toda a humanidade.” ( livro citado – pg. 74 ).
Realmente, o confinar-se o componente espiritual da pessoa à ínfima órbita da intimidade secreta, agigantando-se o espaço racional-material do stablishment, centrado no relativismo egocêntrico, é a sentença totalitária do politicamente correto.
O texto já se faz longo.
Melhor, e para que não incidamos, também, na atitude de enxurrada a tudo tragar que, em momento próximo, permaneçamos desenvolvendo o conhecimento da pessoa do Papa Bento XVI por essa insuspeita literatura: “Luz do Mundo – o Papa, a Igreja e os sinais do tempo.”        

             

domingo, 20 de janeiro de 2013


                                COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE



          Passados oito meses da definição de seus membros e efetiva instalação, o tempo faz-se propício para que possa partilhar com todos minha vivência nessa missão, ainda que inconclusa, ainda que a retratar experiências não encerradas.
          De plano, que se assente, com total certeza, a imprestabilidade da argumentação a bradar o caráter revanchista da Comissão Nacional da Verdade porque dois lados existem e, então, como não se investigar, também a conduta dos que, politicamente, se opuseram ao Estado ditatorial militar?
          Não há dois lados, na verdade não há lado algum, mas uma única realidade, normativamente caracterizada.
          Com efeito, como está mesmo na Exposição de Motivos que fundamentou a Lei nº 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, com a Lei nº 9.140/1995, ficou assentado que o Estado brasileiro, por seus agentes públicos, cometeu graves violações em detrimento da pessoa.
          Ora, por tal razão, que é cristalina, a Comissão Nacional da Verdade deve cuidar exclusivamente de averiguar os fatos consumados por agentes públicos, dado que com a edição da Lei nº 9140/1995, cujo ciclo normativo a Lei nº 12.528/2011 encerra, reiterando o que acima disse, o Estado brasileiro reconheceu como mortos, por seus agentes públicos, “pessoas que tenham participado ou tenham sido acusadas de participação em atividades políticas” ( artigo 1º da Lei nº 9140/1995)
          Assim, a muitos dos opositores do Estado ditatorial militar em momento algum garantiu-se-lhes regular processo. Foram arbitrariamente seqüestrados, presos, torturados, mortos e desaparecidos pelos agentes públicos da repressão oficializada.
          É fora de dúvida que esses agentes públicos, não importa a posição em que tenham figurado, conspurcaram o bom nome das instituições a que serviam, que com eles não devem ser confundidas.
          Não tem cabimento algum dizer-se, nesse passo, que “cumpriam ordens superiores”.
          Ora, é da tradição do direito universal que só se escusa a alegação de pautar-se no cumprimento de ordem de superior hierárquico, quando essa ordem não seja manifestamente ilegal.
          Por-se a torturar; dispor-se a matar, inclusive fazendo desaparecer, quem já se encontrava totalmente subjugado, obviamente não escusa ninguém, justo por assim se caracterizarem gravíssimas violações aos direitos humanos.
          A Comissão Nacional da Verdade tem o dever legal, portanto, de buscar esclarecer essas situações.
          Essa missão é sua, mas necessita empreendê-la com todos.
          Por si, e em si mesma, a Comissão Nacional da Verdade não chega a lugar algum.
          Eis porque todos nós, membros da Comissão Nacional da Verdade, concretamente já percorremos vários Estados-membros da Federação brasileira, e continuaremos a percorrer os demais, incentivando e dialogando para que Comissões, sejam elas oficiais, sejam elas da sociedade civil, surjam para contínuo trabalho conjugado, e sigam adiante, mesmo após o fim de nosso mandato.
          Além de esclarecer – já o disse antes – os mais vários episódios, que marcaram o período do Estado ditatorial militar, é missão de todos nós, claro propulsionada pela Comissão Nacional da Verdade, estabelecer permanente rede protetiva da Democracia, para que jamais, em solo brasileiro, as gerações presentes e as gerações futuras sejam arrastadas e padeçam dos desmandos brutais e incontrolados do Estado ditatorial militar. Creio, firmemente, ser esse o escopo maior devido por todos nós aos que quedaram vitimados pela truculência descomedida do Estado ditatorial militar.
          O resgate da memória é a garantia do presente livre: unidade na diversidade. O resgate da verdade é a certeza do presente no futuro: novidade na continuidade.
          “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.

                                                    Paz e Bem.