“A lucidez supõe a resistência às tentações do ódio e ao
culto da fatalidade”.
Essa frase, escrita por
Albert Camus, em Manifesto a abordar “os quatro mandamentos do jornalismo
livre”, quando foi escrita, em 25 de novembro de 1939, não pode ser publicada
no jornal “Le Soir Républicain”. O cutelo da censura oficial silenciou-a.
Contudo, como se vê,
Albert Camus não se desestruturou; não partiu para comportamentos extremados,
não se tornou um vândalo destruidor; não incitou à violência.
Muito pelo contrário.
Ensinou-nos a perseverar no equilíbrio, sem abdicar de nossas convicções e
ações, “resistindo às tentações do ódio”,
que nos afastaria do permanecer no empenho por nossos ideais, por nossa
mística, e, então, ocupados seríamos, exclusivamente, pelo confronto em si: guerrear e destruir.
Ensinou-nos, mais:
Ensinou-nos que a lucidez, em nós, afasta
“o culto da fatalidade”, que gera o imobilismo, a descrença, a passividade
alienada.
A lucidez, então, nos
impele a perseverar porque, perseverando, aprendemos.
Eis porque, linhas
adiante em seu Manifesto, diz:
“Não publica nada que
possa excitar o ódio ou provocar o desespero. Tudo isso está em seu poder. Face à maré alta da animalidade, é necessário opor algumas
recusas... Em consequência, um jornal
independente dá origem de suas informações, ajuda o público a avaliá-las,
repudia o entupimento do crânio, suprime as invectivas, disfarça, por
comentários, a uniformização das informações e, em resumo, serve à verdade na medida humana de suas forças. Essa medida, por
relativa que seja, permite-lhe ao menos recusar o que nenhuma força neste mundo
poderia fazê-lo aceitar: servir à mentira”.
São João Paulo II,
igualmente avaliando o papel da imprensa, adverte-nos sobre o entrave à
verdadeira razão de ser da mulher e do homem, em que esse tipo de comunicação
social converte-se quando apartado de sua nobre missão de informar para formar. Diz São João Paulo II em sua Carta Encíclica
Centesimus Annus:
“O homem que se preocupa só ou prevalentemente do ter e do
prazer, incapaz já de dominar os seus instintos e paixões e de subordiná-los
pela obediência à verdade, não pode ser livre: a obediência à verdade sobre Deus e o homem é a primeira condição
da liberdade, permitindo-lhe ordenar as próprias necessidades, os próprios
desejos e as modalidades de sua satisfação, segundo uma justa hierarquia, de
modo que a posse das coisas seja para ele um meio de crescimento. Um obstáculo a tal crescimento pode vir
da manipulação realizada por alguns meios de comunicação social, que impõem, pela força de uma bem orquestrada insistência, modos e
movimentos de opinião, sem ser possível
submeter a um exame crítico as premissas sobre as quais se fundamentam”. (Carta
Encíclica Centesimus Annus nº 41 – pg. 78).
Também o Papa Francisco,
apropriadamente em Mensagem para o 49º Dia Mundial das Comunicações Sociais,
apresentada aos 17 de maio de 2015, é claro:
“Assim o desafio que hoje se nos apresenta é aprender de novo
a narrar, não nos limitando a produzir e
consumir informação, embora esta seja a direção para a qual nos impelem os
potentes e sofisticados meios de comunicação contemporânea. A informação é importante, mas não é suficiente, porque muitas
vezes simplifica, contrapõe as
diferenças e visões diversas, solicitando a tomar partido por uma ou pela
outra, em vez de fornecer um olhar de conjunto.” (Mensagem
citada – pg. 4).
Eis a expressão chave: “o olhar de conjunto”.
Sim, a concretude da
lucidez pessoal e a sabedoria da democracia, que é o reflexo coletivo da
lucidez, radicam no “olhar de conjunto”
porque “o olhar de conjunto”
abre-nos à escuta, ao diálogo, à unidade
na diversidade para a construção diuturna do bem, que assim é comum, ou
seja, partilhado por cada um, porque antes
partilhado por todos. Jamais porque da sobra
do que é meu os outros receberão, se é que receberão.
Hoje, no Brasil, estamos
em momentos de questionamentos.
Questionamentos são
salutares porque nos propiciam exercitar a lucidez.
Colhamos, pois, esses
momentos para que os façamos frutificar no estabelecimento da convivência, que
zele pela promoção integral da
mulher e do homem, só possível de acontecer no “olhar de conjunto”.