“A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a
descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos
programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades... Com a
tempestade, caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso eu
sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais,
aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença
como irmãos”.
Eis as palavras do Papa
Francisco, ditas no “Momento Extraordinário de Oração em Tempo de Epidemia”, no
adro da Basílica de São Pedro, na sexta-feira, dia 27 de março.
Sim, o estupendo
desenvolvimento da ciência e da técnica lançou-nos, a todas e a todos, à
frenética corrida para a exaltação do próprio ego.
Inebriados e inebriadas
estamos, a todo tempo, a medir forças.
Vencer, não importa o
como, e custe o que custar.
Satisfazer-se sempre nos
prazeres materiais, sem limites, do poder, do possuir e do prazer.
“Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas
e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os Teus apelos, não
despertamos face as guerras e injustiças planetárias, não ouvimos os gritos dos
pobres e do nosso planeta, gravemente enfermo. Avançamos destemidos, pensando
que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”.
São afirmações do Papa
Francisco.
Com efeito, a competição
desenfreada marca o tempo presente.
Estamos cegos,
envolvidas e envolvidos por manipulações que desservem, porque descaracterizam,
a boa utilidade das chamadas redes sociais que, de redes como espaço de
convivência salutar, descambam para as formas mais abjetas de exposição da
insanidade pessoal e coletiva.
No que está a acontecer
– a pandemia -, que nos força ao recolhimento, a despeito de mentes toscas e
abstrusas pregarem o contrário, tal acontece, justamente, para que surjam
tempos favoráveis para séria revisão de vida.
“Chama-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo
de decisão...É tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos
outros...É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as
nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente
esquecidas), que não aparecerem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas
grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos de nossa
história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal
da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários,
sacerdotes, religiosas e muitos- mas muitos – outros que compreenderam que
ninguém se salva sozinho”.
Assim, orienta-nos o
Papa Francisco.
Sim, não há salvadores
da pátria ou do mundo.
A casa é comum e, se
fronteiras geográficas existem, existem com o intuito de favorecer o encontro,
que a enriquecedora variedade cultural propicia, jamais para justificar a
insana atitude continuadamente belingerante de divisão.
Não há lugar para
arrivistas inconsequentes.
“Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem
esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade”.
Enfatiza o Papa
Francisco.
Aqui a luz no fim do
túnel.
É fundamental traçarmos
e assumirmos novos rumos.
Novos rumos
necessariamente passam por realizarmos, concretamente, incentivarmos,
claramente, ações pessoais e comunitárias, na expressão eloquente da
cidadania ativa, jamais à espera ou a reboque das ações governamentais que,
antes, devem propiciar e tornarem-se parceiras, a tanto.
Novos rumos
conduzem-nos, a todas e a todos nós, à abertura ao transcendente, seja por qual
caminho for – cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, espíritas, hinduístas, e
tantas outras vias – porque isso:
“Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos
posam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de
fraternidade e de solidariedade”.
Assim, minha irmã e meu
irmão, já dentro dessa tempestade, e muito mais livremente quando ela passar,
estendamos nossas mãos e, desse modo, todo o nosso ser, agora para quem está
confinado conosco, amanhã para quem está à espera de nós.