terça-feira, 31 de março de 2020

PANDEMIA


                                                              

“A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades... Com a tempestade, caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso eu sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos”.
Eis as palavras do Papa Francisco, ditas no “Momento Extraordinário de Oração em Tempo de Epidemia”, no adro da Basílica de São Pedro, na sexta-feira, dia 27 de março.
Sim, o estupendo desenvolvimento da ciência e da técnica lançou-nos, a todas e a todos, à frenética corrida para a exaltação do próprio ego.
Inebriados e inebriadas estamos, a todo tempo, a medir forças.
Vencer, não importa o como, e custe o que custar.
Satisfazer-se sempre nos prazeres materiais, sem limites, do poder, do possuir e do prazer.
“Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os Teus apelos, não despertamos face as guerras e injustiças planetárias, não ouvimos os gritos dos pobres e do nosso planeta, gravemente enfermo. Avançamos destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”.
São afirmações do Papa Francisco.
Com efeito, a competição desenfreada marca o tempo presente.
Estamos cegos, envolvidas e envolvidos por manipulações que desservem, porque descaracterizam, a boa utilidade das chamadas redes sociais que, de redes como espaço de convivência salutar, descambam para as formas mais abjetas de exposição da insanidade pessoal e coletiva.
No que está a acontecer – a pandemia -, que nos força ao recolhimento, a despeito de mentes toscas e abstrusas pregarem o contrário, tal acontece, justamente, para que surjam tempos favoráveis para séria revisão de vida.
“Chama-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão...É tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros...É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecerem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a  escrever os acontecimentos decisivos de nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos- mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho”.
Assim, orienta-nos o Papa Francisco.

Sim, não há salvadores da pátria ou do mundo.
A casa é comum e, se fronteiras geográficas existem, existem com o intuito de favorecer o encontro, que a enriquecedora variedade cultural propicia, jamais para justificar a insana atitude continuadamente belingerante de divisão.
Não há lugar para arrivistas inconsequentes.
“Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade”.
Enfatiza o Papa Francisco.
Aqui a luz no fim do túnel.
É fundamental traçarmos e assumirmos novos rumos.
Novos rumos necessariamente passam por realizarmos, concretamente, incentivarmos, claramente, ações pessoais e comunitárias, na expressão eloquente da cidadania ativa, jamais à espera ou a reboque das ações governamentais que, antes, devem propiciar e tornarem-se parceiras, a tanto.
Novos rumos conduzem-nos, a todas e a todos nós, à abertura ao transcendente, seja por qual caminho for – cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, espíritas, hinduístas, e tantas outras vias – porque isso:
“Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos posam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”.
Assim, minha irmã e meu irmão, já dentro dessa tempestade, e muito mais livremente quando ela passar, estendamos nossas mãos e, desse modo, todo o nosso ser, agora para quem está confinado conosco, amanhã para quem está à espera de nós.