sexta-feira, 12 de outubro de 2012

TEMPO DE INICIAR e TEMPO DE FINALIZAR

                   São ganhadores do prêmio Nobel de Medicina, para este ano de 2012, dois cientistas: John Gurden e Shinya Yamanaka.

                E o que fizeram para a humanidade esses pesquisadores?

                Descobriram que células maduras, células que estão por toda a parte do nosso corpo, as chamadas células-tronco adultas, podem ser reprogramadas para regredir ao seu estágio inicial, aptas, assim, a adquirir todas as potencialidades.

                Por isso, a nota da Academia que os laureia diz: “Suas descobertas revolucionaram nosso conhecimento de como as células se organizam e se desenvolvem”.

                Com efeito, insistia-se e ainda se insiste – e os órgãos de informação não cuidam de esclarecer que há dois ( 2 ) tipos de pesquisa: as que usam embriões humanos ( células-tronco embrionárias ), matando a vida já presente no útero, e as que usam as células do próprio corpo, já formado, sem eliminar a vida ( células-tronco adultas ) – na pesquisa com células-tronco do embrião humano, que nunca apresentou resultado, sequer confiável, e, reitero, propicia a criação de abjeto mercado obscuro, descontrolado, de compra e venda de embriões humanos, desnaturando o ser humano, transformado que é em mercadoria de uso, realidade tão típica da sociedade insensível, glacial, que tudo reduz a concepções relativistas e mecanicistas.

                Gurden e Yamanaka sepultam essa linha de pesquisa.

                Com efeito, se do próprio corpo humano, vivo, extraem-se células, que se reprogramam, como disse, ao estágio inicial de amplas potencialidades – e as células são do próprio corpo do paciente o que, por óbvio, diminui, caracterizadamente, o índice de rejeição – por que permanecer na matança de embriões humanos, fazendo perdurar quadro de verdadeiro holocausto?

                A vida humana jamais pode ser manipulada, torturada, trucidada, assassinada!

               Nos dias de hoje, de tanta superficialidade, de tanta massificação, de tanta violência precisamos assumir comportamentos claros e concretos contra esse estado de coisas.

                Precisamos testemunhar, com ações, o empenho na formação de sociedade verdadeiramente humanista, importando então, aqui e agora, reviver palavras tão lúcidas de Emmanuel Mounier:

“A idéia de um gênero humano com uma história e destinos coletivos, donde não pode ser separado nenhum destino individual, é uma idéia básica para os Padres da Igreja. Laicizada, vai animar o cosmopolitismo do século XVIII e mais tarde o marxismo. Opõe-se à idéia de uma descontinuidade absoluta entre as liberdades ( Sartre ) ou entre as civilizações ( Malraux, Frobenius ). Opõe-se a todas as formas de racismos ou castas, à eliminação dos anormais, ao desprezo pelo estrangeiro, à totalitária negação do adversário político, numa palavra e em geral, à constituição de homens à parte: um homem mesmo diferente, mesmo degradado, é sempre um homem, a quem devemos permitir que viva como homem.”
( consulte-se: O Personalismo – pg. 55, grifei ).

                O próprio existencialismo de Jean Paul Sartre não deixa de abordar o componente transcendente no humanismo, encarando-o, todavia, na subjetividade humana. Diz Sartre:

 “Existe, no entanto, outro sentido para o humanismo, que significa, no fundo, o seguinte: o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz o homem existir e, por outro lado, é perseguindo fins transcendentes que ele é capaz de existir; sendo essa superação e apropriando-se dos objetos apenas em relação a essa superação, o homem está no coração, no centro dessa superação. Não há outro universo senão um universo humano, um universo da subjetividade humana. Essa ligação da transcendência, como constitutiva do homem – não no sentido em que Deus é transcendente, mas no sentido da superação – e da subjetividade no sentido em que o homem não se encontra encerrado nele mesmo, mas sempre presente num universo humano, é o que denominamos de humanismo existencialista.”
( consulte-se: O existencialismo é um humanismo – 9g. 43-44, grifei ).

                Todavia, aqui pondero com Mounier:

O ultrapassar da pessoa por si própria não é somente projeto, é elevação ( Jaspers ), passar para além de. O ser pessoal é um ser feito para se ultrapassar. Tal como a bicicleta ou o avião só se equilibram quando se movem para lá de uma dada força, o homem só se mantém de pé com um mínimo de força ascensional. Quando perde altura não se rebaixa ao plano de uma qualquer humanidade moderada, ou, como foi dito, da animalidade, mas muito abaixo do animal: nenhum ser vivo, a não ser o homem, inventou as crueldades e baixezas em que este ainda se compraz.”
( consulte-se: O Personalismo – pg. 87, grifei ).

                Que a leitora e o leitor me perdoem esses devaneios.

                Saúdo, porque em coerência plena com tudo o que até aqui disse, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – que, justamente ao ensejo das discussões travadas sobre a morte de embriões humanos para – já o afirmei e repito – o tratamento fracassado e infrutífero das doenças degenerativas, saúdo a CNBB, enfatizo, porque criou a Semana Nacional em Defesa da Vida, que celebramos de 1º a 7 de outubro, anualmente, e destacou o dia 8 de outubro, como o Dia do Nascituro.

                Que o Parlamento brasileiro não se acovarde diante da tremenda manipulação com que esse tema é tratado e, expressando firme compromisso com a sociedade humanista, aprove, enviando à sanção presidencial, o Estatuto do Nascituro, a que componha, com o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, o quadro normativo capaz de garantir a vida humana nos seus momentos mais frágeis: o tempo de iniciar e o tempo de finalizar.


               

domingo, 23 de setembro de 2012

PRIMAVERA

                                                


                 21 de setembro e, com ele, os pingos, que são gotas, que se fazem sucessivas, a chuva, então, anunciada pelos solenes, e ritmados, trovões e os relâmpagos, que clareiam o céu de Brasília.
                 O telefone toca e André, meu neto de 5 anos, do outro lado da linha: “Vovô, viva a chuva! Ela chegou!”.
                 Sim, ela chegou, e o chegar, para mim, ganha sentido tão mais proveitoso quando não significa acabar, mas sim surgir.
                 Nós não nos vocacionamos como seres acabados, seja porque terminados, ou porque liquidados.
                 Ainda que a aridez queira ressecar nossos dias, mesmo que a secura nos entorpeça e nos faça vacilar, a respiração ofegante, o ar que não está límpido, há sempre, em nós, a voz infantil, que não se sujeita a critérios de conveniência protocolar; que não abafa a espontaneidade, como expressão honesta do que se sente; que celebra o novo tempo, porque viver é realizar, de novo, o novo.
                 A história não se repete, simplistas e superficiais são os corifeus dessa visão, porque não há o fim da história.
                 Quem chega, quem surge, mesmo que o faça em tempo previsível, jamais chega como antes chegara.
                 A possibilidade deixa sempre em aberto a permanente construção da existência e impede o ponto final.
                 Na verdade, a possibilidade é a certeza da infinitude, a garantia de se estar além dos limites, e transcender.
                 Tantas e tantos que se arvoram nas ramificações do desvairado egocentrismo e da uniformizada truculência na ilusão de se constituírem nos supremos árbitros dos demais, mergulhados estão no círculo hermético em que se encerram, e então terminam.
                 Primavera: surgem flores, pela vez primeira; ressurgem flores, de tantas vezes e modos. A natureza surge e ressurge na profusão de cores, alegria da heterogeneidade, encanto do que se faz diverso, profusão de vida nascente.
                 “Vovô, viva a chuva! Ela chegou!”


                                                                        Paz e Bem! 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

MENSALÃO

                                                    


         Fez-se a tentativa de espetáculo midiático.

         Tentativa em vão.

         Os jogos olímpicos sobrepujaram, em muito, na audiência televisiva o chamado “julgamento do século”. Precipitação óbvia para evento em século que mal se inicia.

         As cadeiras, no plenário da Corte suprema, estão vazias, vazio está o enorme espaço defronte ao prédio, inutilmente cercado, onde se notam presenças esparsas de seguranças ociosos.

         O poder judiciário ressente-se – isso é manifesto – de conhecimento público, mormente nos estamentos superiores de sua estruturação.

         O linguajar hermético; os pronunciamentos longos, volteados de erudição, afastam os jurisdicionados.

         O ato de julgar, para mim, é antes de tudo ato de ensinar. Não pode ser visto como ato excelso de impor o que decidido foi. E, para ensinar, devemos nos colocar na mesma perspectiva de quem busca o  ensinamento,  para que o aprendizado aconteça.

         E já que apresento a palavra aprendizado, outro aprendizado extraio da cobertura jornalística desse evento.

         Considero superficial o tratamento da matéria, tomado o fato em si, por suas circunstâncias acessórias, vale dizer, por idiossincrasias de seus personagens julgadores, ora a motivar desencontros entre os mesmos, ora a atrair especulações sobre o se e o como decidirão a causa.

         O chamado “mensalão”, por seu debate, deve conduzir-nos a reflexão mais profunda, para muito mais além do restrito exame de se saber se os réus serão condenados, ou absolvidos e se, uma vez condenados, vão para a cadeia, ou não vão.

         Certo é que condutas de grave reprovação, dentre as quais se insere a utilização de verbas públicas para atividades de corrupção, objetivando a permanência no poder, pelo poder, assumidas sistematicamente – em quadrilha, pois – acaso judicialmente provadas, proporcionalmente devem conduzir à restrição à liberdade de locomoção, ao cárcere, e ao ressarcimento dos cofres públicos, ou então o sentimento de injustiça, expresso na impunidade, nos perpassará a todos.

         Contudo, a reflexão mais profunda reside sobre a imperativa necessidade de mudar o sistema político-eleitoral, que tudo isso facilita, e enseja.

         Para isso, mecanismos hão de ser fixados. Não pretendo esgotá-los, aqui. Aliás, buscar esgotar o tema afigura-se-me comportamento presunçoso.

         Eis porque, apresento dois ( 2 ) pontos, a meu juízo fundamentais.

         O primeiro: a atividade política não deve ser identificada como atividade profissional. Não se pode permitir a realidade na qual assim se caracterize a definição profissional de alguém: “político”.

         Como impedi-lo?

         Muito simples: estabelecer-se mandato único para todos os cargos eletivos em cinco ( 5 ) anos, vedada a reeleição para o mesmo, ou para qualquer outro cargo eletivo, por quem acaba de cumprir mandato para o qual foi eleito, passando, a partir de então, a se submeter a período de dez ( 10 ) anos de “quarentena”, assim só se legitimando a disputar eleições, de novo, uma vez transcorridos os dez ( 10 ) anos.

       Durante o decênio, a pessoa retoma suas atividades profissionais, das quais se afastara por cinco ( 5 ) anos, quando do desempenho do mandato e, se o desejar, concomitantemente desenvolve tarefas dentro da agremiação partidária a que se filiou. Com isso, inclusive, o partido ganha mais relevo do que o membro do partido, e o debate político insere-se no plano do ideário pertinente à formação da sociedade e de toda a gama de propostas à consecução dos objetivos verdadeiramente comunitários, ao invés de centralizar-se na pessoa, ou no “cacique”, do partido político.

         O segundo ponto conduz-me à adoção do financiamento público das campanhas eleitorais, afastada, portanto, qualquer intervenção de pessoas físicas e jurídicas que, depois e por óbvio, irão “cobrar a conta” do eleito, para ressarcimento dos gastos feitos com, e em nome do candidato.

         Agora, para que a adoção do financiamento exclusivamente público das campanhas cumpra com o seu objetivo, importa estabelecer efetivo controle dos gastos de campanha pelo Ministério Público eleitoral, pela Justiça eleitoral, contando com o concurso de equipes técnicas dos Tribunais de Contas a que se preserve a total igualdade de condições dos candidatos na veiculação de suas propostas e se reprima, eficazmente, o abuso do poder econômico, que remanesça.

         Encerro com preciosa contribuição do ensinamento social da Igreja, como está posta no Compêndio da Doutrina Social da Igreja a propósito das tarefas da comunidade política:

168 A responsabilidade de perseguir o bem comum compete não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política. Na verdade, o Estado deve garantir coesão, unidade e organização à sociedade civil de que é expressão, de modo que o bem comum possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos. O indivíduo humano, a família, os corpos intermédios não são capazes por si próprios de chegar a seu pleno desenvolvimento, daí serem necessárias as instituições políticas, cuja finalidade é tornar acessíveis às pessoas os bens necessários – materiais, culturais, morais e espirituais – para levar uma vida verdadeiramente humana. O fim da vida social é o bem comum historicamente realizável.”
( leia-se: Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg. 103, grifei ).




    
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sexta-feira, 6 de julho de 2012

"Estão mortos, estão sossegados"






              Essa foi a frase que ouvi, de homem jovem, funcionário público grevista do Arquivo Nacional, no piquete montado à entrada da sede, que nos impediu a mim, e a alguns membros, de equipe da Comissão Nacional da Verdade, de realizarmos trabalho nas dependências desse serviço público.

              Essa frase perturbou-me, perturba-me.

              Ela vem como resposta, em momento de diálogo que com o grupo desenvolvia, a ponderação minha sobre o trabalho da Comissão da Verdade como missão perene de resgate de tantas, e tantos, que ofertaram a própria vida, paulatinamente torturada, em defesa das liberdades democráticas, dentre elas o próprio direito de greve ante o Estado ditatorial.

              Essa frase indica a incapacidade de transcender-se para valores maiores na formação de sociedade humanista, tais: o compromisso com os marginalizados, os excluídos de todos os setores, pelo sistema economicista, que reduz a pessoa a mero dado numérico na relação custo-benefício; o empenho na educação, na cultura e na saúde, aqui contemplada a saúde alimentar, como prioritárias na formação do corpo social; o respeito à divergência, conduzindo à solução pacífica dos conflitos. Essa frase, portanto, manifesta o apego ao pragmatismo, o circunscrever-se a existência humana ao plano estritamente material.

              Essa frase é matriz de esquecimento. Retrata o círculo fechado do egocentrismo. Sepulta o ideal de tantas, e tantos, quebrando o elo que possibilita o presente como aprendizado do passado a movimentar o futuro. Essa frase exalta o instante como a própria história, assim sem sentido, assim sem rumo, entregue ao primeiro aventureiro despótico, que dela queira lançar mão. Mas a história é justamente o incessante encontro do passado, no presente, animando o futuro, em função daqueles valores maiores na formação da sociedade humanista. Por tal fundante razão, a memória é o respeito à história dos que assim se comportaram em vida, entregando a própria vida.

              Essa frase é desrespeitosa para com avós, avôs; mães, pais; filhas, filhos; netas, netos; familiares e amigos dos que estão mortos, mas são, sempre, para elas e para eles, vivos.

              Memória não é lembrança, memória é passado vivo, que vale a pena viver.

              Memória é, assim, verdade porque a verdade é o fio condutor na união do passado, presente e futuro.

              Encerro este artigo fazendo memória de Albert Camus, reiterando aqui frase sua, tão sábia, com a qual iniciei o artigo que escrevi mês passado.

A lucidez supõe a resistência às tentações ao ódio e ao culto da fatalidade.”

                                              

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Livres e verdadeiros

                 Deparo-me, nesses dias em que meu ser viu-se envolto em turbilhão de emoções porque me revolvem o passado, comprometem-me com o presente e miram a esperança no futuro, deparo-me com texto jornalístico de Albert Camus, que deveria ter sido publicado em 25 de novembro de 1939, no jornal “Le Soir Republicain”, mas proibido foi.

              Destaco frase tão lúcida, justamente sobre a lucidez:

“A lucidez supõe a resistência às tentações do ódio e ao culto da fatalidade.”

              Assim o é, efetivamente.

              A mulher e o homem, bloqueados em si mesmos, cultivam, cotidianamente, a certeza da infalibilidade pessoal no que pensam, e fazem, por isso que não toleram a divergência, e a suprimem. Expressam, ancorados naquela certeza da infalibilidade pessoal, o “culto da fatalidade”, ou seja, o que pensam, e fazem, é inapelavelmente certo, portanto acima de contestações, inútil o diálogo.

              A quem assim é, e como tal age, Albert Camus propõe a lucidez: “resistir às tentações do ódio e ao culto da fatalidade”.

O vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai.”

              Eis-me outro ensinamento tão valioso.

              Tão valioso porque me mostra que não somos, porque pessoa o somos, seres manipuladores, ou manipulados; seres aferidos exclusivamente por critérios economicistas, ou tecnológicos.

              Somos, isso sim, pessoas livres e verdadeiras porque a traçar a própria identidade, na própria história, não só pessoal, mas comunitária, porque tanto o eu como o nós não subsistem isolados em si mesmos, mas vida há quando o eu no nós existe e o nós no eu habita.

              Por que tanto resistir à proposta do encontro pessoal e comunitário?

              Adverte Albert Camus:

“Mas a verdade e a liberdade são senhoras exigentes, pois elas têm poucos amantes.”
( grifei ).

              Todavia, aponta o caminho:

“É preciso, pois, tentar um método ainda completamente novo, que seria a justiça e a generosidade. Mas estas só se manifestam em corações já livres e em espíritos já clarividentes.”
( grifei ).

              A propósito, vento, na transcrição que antes fiz, significa espírito, e a transcrição, que é do evangelista João, assim se completa como, digo eu, completa-se toda a mulher e todo o homem, livre e verdadeira/o, que se supera a si mesma/o:

“O vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é também todo aquele que nasceu do Espírito.”
( Jo. 3,8 ).





 

             

             

              

 

                    

sábado, 5 de maio de 2012

Estado laico

                                             
            Não é de hoje, e com persistência, as grandes empresas jornalísticas de nosso País, sempre que atingem amplo espaço público questões pertinentes à defesa da vida, ou à reflexão sobre a família, vociferam, dogmáticas, em defesa do que chamam: o Estado laico

            Querem estabelecer que a República laica não tolera o tratamento de assuntos religiosos, confinados, então, à consciência individual de cada uma das pessoas, e inaceitáveis à difusão pública.

            Isso nada tem a ver com República laica. Conduz-nos a gritante erro essa imposição do pensar, “politicamente correto”, a que nos submete o stablishment midiático.

            O consagrado Professor de Direito Constitucional José Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional – 4ª edição – a partir do estudo dos parâmetros republicanos da Constituição portuguesa de 1911, que encerrou o sistema monárquico, é correto no ensinar que:


2. República laica
Se no tocante à estrutura organizatória da República a Constituição de 1911 não fez senão recolher as idéias do liberalismo radical (e nem todas), quanto a outros domínios tentou plasmar positivamente, em alguns artigos, o seu programa político. Um dos pontos desse programa era a defesa de república laica e democrática. O laicismo, produto ainda de uma visão individualista e racionalista, desdobrava-se em vários postulados republicanos: separação do Estado e da Igreja, igualdade de cultos, liberdade de culto, laicização do ensino, manutenção da legislação referente à extinção das ordens religiosas (cfr. art. 3º, nºs 4 a 12). O programa republicano era um programa racional e progressista: no fundo, tratava-se de consagrar constitucionalmente uma espécie de “pluralismo denominacional”, ou seja, a presença na comunidade, com iguais direitos formais de um número indefinido de colectividades religiosas, não estando nenhuma delas tituladas para desfrutar de um apoio estadual  positivo.”  (obra citada – pg. 247/8, grifei)


            Portanto, Estado laico não é Estado ateu. Não é Estado que proíba sejam abordados temas religiosos no cotidiano das pessoas que nele vivem.

            O Estado laico, justo porque democrático e plural, é o que garante a convivência pacífica e respeitosa dos que professam os mais variados credos, inclusive os que credo não tem.

            O Estado laico, insisto, respeita as convicções religiosas e sua livre expressão.

            O mesmo emérito Professor José Gomes Canotilho, já agora analisando  o tema à luz dos preceitos da Constituição portuguesa de 1976, demonstra como o texto moderno enfatiza a ampla liberdade de manifestação religiosa. De se ler:


2.2. A deslocação constitucional da “República laica

1.      A “laicidade da República”, a “República laica”, é também uma das noções ligadas à tradição republicana. Para além dos “momentos emocionais” que o laicismo republicano transporta, pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios: secularização do poder político, neutralidade do Estado perante as Igrejas, liberdade de consciência, religião e culto. Todavia, a Constituição de 1976, embora herdando alguns dos princípios republicanos de 1910 (cfr. supra, Parte II, Cap. 3, E, I), não adjectivou a República Portuguesa como “República laica” e deslocou os problemas fundamentais do “laicismo” para o âmbito dos direitos fundamentais. Para além de evitar a reposição da “questão do clericalismo”, a Constituição considerou que, verdadeiramente, o que estava em causa eram problemas relativos a direitos, liberdades e garantias: liberdade de consciência, de religião e de culto, proibição de discriminação por motivos de convicções ou práticas religiosas, liberdade de organização e existência das igrejas e comunidades religiosas, liberdade de ensino da religião e o princípio da igualdade perante o Estado de todas as religiões (cfr. art. 41º).” (obra citada – pg. 410/411, grifei)
            Nossa Constituição partilha dessa mesma diretriz, visto que, expressamente, no inciso VI, do artigo 5º, afirma que
      
      “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias

            O inciso VII também assegura “a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”, e o inciso VIII não permite, seja privada, qualquer pessoa, de direitos “por motivo de crença religiosa”.

            Todo esse quadro normativo – é óbvio – não enclausura religiosos, e não religiosos, no espaço único de sua privacidade.

            Religiosos, e não religiosos, com as respectivas crenças, ou sem qualquer crença, têm o amplo direito de expor essas suas variadas concepções de viver na cotidiana formação da democrática sociedade. Democrática porque acolhe, incentiva e resguarda a pluralidade dos posicionamentos, e democrática, também, porque compreende ser infindável a interação humana, enquanto vida houver.

           Eis preciosos ensinamentos do padre Mario de França Miranda, como expostos no seu livro: “Igreja e Sociedade”:
“Hoje já se reconhece que as religiões têm algo a oferecer à sociedade civil. São elas que denunciam a marginalização a que são condenados os mais pobres, bem como as injustiças de políticas econômicas. São elas que oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza os mais fracos. São elas que, livres de um dogmatismo doutrinário e impositivo, oferecem motivações e intuições substantivas ( e não apenas funcionais ) para as questões sujeitas ao debate público. São elas que, numa sociedade neoliberal e prisioneira de um racionalidade funcional em busca de resultados. Desmascaram a frieza burocrática e tecnocrática apontando os efeitos devastadores de certas decisões. São elas que, para além das macrossoluções milagrosas, apontam para a responsabilidade de cada um e para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo,sem as quais a ética na vida pública ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos discursos dos tecnocratas.
( pg. 139-40, grifos do autor e meu ).

          E, em síntese, correta, prossegue Mario de França Miranda:
“Porque a sociedade civil pode se tornar presa de ideologias totalitárias, prisioneira da lógica de resultados, ou do sistema econômico dominante, ela necessita de uma instância que a transcenda e a questione, que a desestabilize beneficamente e que a faça progredir.”
( pg. 141, grifos do autor e meu ).

          Assuntos de tamanha relevância pedem tratamento cuidadoso e responsável, pena comprometer-se a importante missão não só de informar, mas de formar a opinião pública.  

  



sexta-feira, 6 de abril de 2012

A propósito da Anencefalia

                                    



                                                                               



    Motiva-me ao presente escrito, o parecer da Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira sobre o tema encaminhado ao Supremo Tribunal Federal.

     A idéia central está em que: “A maior parte dos fetos anencéfalos morre durante a gestação. Aqueles que não falecem durante a gravidez têm curtíssima sobrevida, de natureza meramente vegetativa, em geral de poucos minutos, ou horas.” ( parecer: item 22 ).

    Eis raciocínio totalmente inconciliável com o princípio constitucional da inviolabilidade da vida humana ( art. 5º, caput ).

    Com efeito, ser a vida humana inviolável, direito pessoal individualmente garantido, conduz-nos à necessária conclusão de que o tempo de duração da vida humana – se 3 segundos, 3 minutos, 3 horas, 3 dias, 3 semanas, 3 meses, 3 anos... – não é fator decisivo para a sua eliminação consentida.

    À vida humana, gestada ou nascida, garante-se sua inviolabilidade, impedindo-se sua morte, insisto, por simples projeção do decurso temporal.

    O juízo, sempre temerário, sobre o tempo de duração da vida humana não chancela seja liquidada. Assim viola-se, arbitrariamente, o que a Constituição federal quer inviolável.

    Diz, passo adiante, a Dra. Deborah: “34. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana pressupõe que se respeite a esfera de autodeterminação de cada mulher ou homem, que tem o poder de tomar decisões fundamentais sobre suas próprias vidas e de se comportarem de acordo com elas, sem interferências do Estado ou de terceiros.”

     Est modus in rebus.

     O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana não é o apanágio do individualismo, do egocentrismo, da absoluta supremacia do eu, como o texto reproduzido indica.

    O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana se resguarda a autodeterminação de cada mulher e de cada homem, até porque nós todos, mulheres e homens, desde a concepção somos em contínuo e incessante auto-movimento nos ciclos que compõem a nossa vida, necessariamente embrionário, a que se inicie, e depois fetal, recém-nascido, criança, jovem, adulto e velho, se nos é dado viver todos os ciclos, tanto resguarda não para que nos enclausuremos, repito, na solidão egocêntrica, eis que somos seres vocacionados, porque também ínsita em nossa dimensão, a sociabilidade, portanto o princípio da dignidade da pessoa humana promove-a como ser social, e disso é expressão eloqüente o artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal a preceituar que: Art. 3º - “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade justa, livre e solidária”.

    Portanto, se vida há que se auto-movimenta no corpo materno, com ou sem deformações, mas se auto-movimenta, e vive, então como matá-la, por perspectiva meramente cronológica de sua existência?

    Tal morte conduz-nos ao primado do egocentrismo, entortando a compreensão jurídica do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que não se compraz com a absolutização do arbítrio.

    Diz, ainda, a Dra. Deborah: “É dentro do corpo das mulheres que os fetos são gestados, e, mesmo com todas as mudanças que o mundo contemporâneo tem vivenciado, é ainda sobre as mães que recai o maior peso na criação dos filhos,” ( item 36 do parecer ).

    O argumento não deixa de estampar discriminação.

    O homem, o pai, não mencionado, não conta.

    Decisão sobre a manutenção da gestação não envolve, tout court, a idéia de autonomia reprodutiva só pertinente à mulher-mãe, como expressão, no dizer da Dra. Deborah, dos “direitos fundamentais à liberdade e à privacidade”.

    Pelo fato, óbvio, dos fetos serem gestados “dentro do corpo da mulher” não se pode absolutizar, na mulher, o juízo, único e exclusivo, sobre a permanência da gestação, descartada a manifestação de vontade do homem-pai.

    Tal ilação é tão absurda quanto o é a idéia de Ronald Dworkin, que a Dra. Deborah reproduz nesses termos: “... uma mulher que seja forçada pela sua comunidade a carregar um feto que ela não deseja não tem mais o controle sobre seu próprio corpo. Ele lhe foi retirado para objetivos que ela não compartilha. Isto é uma escravidão parcial, uma privação de liberdade.” ( transcrição no parecer, no item 38 ).

    “Escravidão parcial” é tão inapropriada, porque ou se é escravo, ou se é livre, não existe o meio-escravo, quanto inapropriado é matar a vida que se auto-movimenta e se auto-desenvolve no ventre materno, que a acolhe, pela liberdade pontual e arbitrária da mulher-mãe em desacolhê-la.

    Afirma a Dra. Deborah: “Entendo que a ordem constitucional também proporciona proteção à vida potencial do feto – embora não tão intensa quanto a tutela da vida após o nascimento – que deve ser ponderada com os direitos humanos das gestantes para o correto equacionamento das questões complexas que envolvem o aborto.” ( item 41 do parecer ).

    Com todo o respeito, o princípio da dignidade da pessoa humana, assim como o da inviolabilidade da vida humana, ambos contemplam a vida e a pessoa humanas em todos os seus ciclos, desde o momento-embrião até o momento-ancião, se os ciclos cumprem-se normalmente, como já o disse antes, não fazendo o menor sentido atribuir-se  a tal, ou qual, ciclo maior, ou menor, proteção constitucional.

    Não existe meia-vida como não existe meia-gravidez...

    Portanto, falar-se em “tutela progressiva” da vida humana é percorrer argumentação cabalmente despropositada.

    A Dra. Deborah conforta-se, nessa linha de argumentação, a dizer que: “Contudo, quando não há qualquer possibilidade de vida extra-uterina, como ocorre na anencefalia, nada justifica do ponto de vista dos interesses constitucionais envolvidos, uma restrição tão intensa ao direito à liberdade e à autonomia reprodutiva da mulher.” ( item 42 do parecer ).

    Aqui, tem-se diante petição de princípio, inadequada ao debate jurídico, que pede a exposição concatenada de concretos fundamentos ao amplo exame da controvérsia, do mesmo modo que em nova petição de princípio a Dra. Deborah sentencia que: “Nas audiências públicas realizadas nesta ação foi devidamente esclarecido o fato de que a menina Marcela de Jesus, que teria supostamente sobrevivido por um ano e oito meses com anencefalia não tinha na verdade esta patologia, ao contrário do que afirmaram os opositores da interrupção voluntária da gravidez, mas outra má-formação cerebral menos severa, ainda que também de caráter fatal” ( item 23 do parecer ).

    Ora, e com todo o respeito à Dra. Deborah, Marcela de Jesus, é fato certo, inequívoco, e não “supostamente”. Viveu mesmo 1 ano e 8 meses, e sua morte não decorreu da anencefalia. Quais as razões apresentadas na audiência pública a dizer que o quadro de Marcela não era de anencefalia? O parecer da Dra. Deborah é omisso, e nada demonstra, como deveria, no tópico. E, como mesmo diz a Dra. Deborah, se essa “má-formação cerebral menos severa, ainda que também de caráter fatal” acontece, então havemos de concluir que o aborto, ou a antecipação terapêutica do parto, como se queira eufemisticamente chamar, também, assim, é chancelado em homenagem à dignidade da pessoa da mulher-mãe...

    Por derradeiro, a Dra. Deborah afirma que: “Por outro lado, também ficou patenteado nos autos que inexiste possibilidade real de transplante dos órgãos dos fetos anencéfalos para terceiros, uma vez que há, com grande freqüência, outras malformações associadas à anencefalia” ( item 24 do parecer ).

    Todavia, a Portaria nº 487, de 2 de março de 2007, do Ministério da Saúde, dispõe exclusivamente “sobre a remoção de órgãos e/ou tecidos do neonato anencéfalo para fins de transplante ou tratamento” e, em seu artigo 1º é textual no assentar que: “A retirada de órgãos e/ou tecidos de neonato anencéfalo para fins de transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de parada cardíaca.”

    Como manter-se a afirmação da Dra. Deborah de que “inexiste possibilidade real de transplante de órgãos dos fetos anencéfalos”?

    Na verdade, e sempre com o respeito merecido, a argumentação da Dra. Deborah, e de todos os que querem legalizar a morte do feto, ou do bebê, anencéfalo não tem base jurídica.
   A Constituição brasileira de 1988, significando a resposta democrática ao sombrio período do arbítrio e do menosprezo à vida humana, foi enfática e textual – e assim aqui torno a mencionar o artigo 1º, inciso III – no marcar para todas e todos, brasileiras e brasileiros, estrangeiras e estrangeiros, que aqui vivam, como objetivo fundamental da República federativa, a diuturna construção de sociedade justa, livre e solidária.

   Aqui, tenho por caracterizado o que o professor associado de instituições de direito público da Universidade de Milão-Biccoca, Filippo Pizzolato, denomina de personalismo constitucional, que nada tem a ver com o protagonismo do ser individual. Conheçamos o que diz o professor Pizzolato:

“Do modelo individualista, que nossos constituintes refutam numa versão ideal-típica, parece se contestar a própria matriz, cuja origem pode facilmente ser encontrada no direito natural iluminista e no contratualismo liberal a ele correlacionado ( de Hobbes, Locke, Rousseau, entre outros). O pressuposto cultural e antropológico dessa tradição iluminista pode remontar, porém, ao cogito cartesiano, quer dizer, à idéia de autopercepção do sujeito como indivíduo, alguém que constrói para si uma identidade prescindindo dos outros e de um tecido de relações. Por trás de tudo isso, portanto, está a idéia de indivíduo, anteriormente desconhecida, como entidade originária, enquanto tal titular de um feixe de direitos naturais cuja consistência precede a própria idéia de sociedade. Nessa perspectiva, a sociedade é apenas o fruto posterior e eventual de um livre ato de vontade ( um contrato ) estipulado entre indivíduos, todos livres, independentes e iguais. Os direitos naturais gozam, assim, de uma fundamentação autônoma, completamente racionalista e abstrata e, enquanto tal, logicamente anterior ao próprio fenômeno jurídico, que, por sua vez, é propriamente social e, por conseguinte, voluntarista. Por mais paradoxal que possa parecer, na teoria do direito natural individualista, os direitos ( naturais ) vêm antes da sociedade e, assim, assumem uma vocação absolutista, com pequena tolerância para as necessárias limitações ou mediações que as relações sociais tornam inevitáveis.”
( in – O Princípio Esquecido – coletânea de artigos organizada por  Antônio Maria Baggio – editora Cidade Nova – pg. 116-17- no artigo: A fraternidade no ordenamento jurídico italiano de autoria do citado Prof. Filippo Pizzolato).

   O personalismo constitucional, por sua vez, sustenta que: “  Pertencer a uma comunidade é constitutivo e estrutural da identidade humana, não um dado acessório ou opção eventual voluntarista” ( artigo citado – pg. 118 ) porque “ ... antes do indivíduo existe necessariamente uma comunidade, entendida como rede de relacionamentos, tecido de relações, quadro de solidariedade que sustenta o próprio indivíduo e permite o seu desenvolvimento,” ( ainda: pg. 118 ).

   E arremata o prof. Pizzolato:
“Essa dimensão horizontal da solidariedade, já reconhecida, em que a fraternidade encontra um espaço destacado, não pode ser reduzida ao cânon, tipicamente liberal, do não prejudicar aos outros, mas encaminha e orienta o próprio exercício da liberdade, seguindo o mandato bem mais vinculativo do faça o bem ao outro ( ... porque é também o seu).”
( pg. 120 ).

   Nessas colocações, reconhecido fica o pensamento do filósofo Emmanuel Mounier, assim tão eloqüente:

 “Trato o outro como um objeto quando o trato como ausente, como um repertório de informações, que me podem ser úteis  (G. Marcel ) ou como instrumento à minha disposição; quando o classifico definitivamente, isto é, para empregarmos exata expressão, quando desespero dele. Tratá-lo como sujeito, como ser presente, é reconhecer que não o posso definir, nem classificar, que ele é inesgotável, pleno de esperanças, esperanças de que só ele dispõe; é acreditar. Desesperar de alguém é desesperá-lo... O ato de amor é a mais forte certeza do homem, o cogito existencial irrefutável: amo, logo o ser é, e a vida vale ( a pena ser vivida).
( in- O Personalismo, pg. 48-9 , Centauro editora.).

O bebê anencéfalo ser é.
     

     

sábado, 31 de março de 2012

A CRISE NO PODER JUDICIÁRIO

                                          


         Antes de tudo, importa esclarecer que crise não deve ser entendida, como comumente a imprensa propaga, sem deixar de trair o seu viés sensacionalista, no sentido de quadro de periclitante desestabilização a provocar sentimento de insegurança e despertar vocações autoritárias como solução eficaz a por cobro a tal inquietude.

         Verdadeiramente, não é assim.

         Crise reflete a imperiosa necessidade de por no centro da reflexão determinada realidade para que seja avaliada criteriosamente a fim de que responda ao que dela se espera, no tempo em que se vive.

         No dinamismo da vida, a crise não assusta, não amedronta, antes é imprescindível ao aperfeiçoamento das instituições postas a serviço da mulher e do homem e, se se trata de crise pessoal, ao aperfeiçoamento do próprio ser humano.

         A crise é momento de purificação, no sentido de encontrar-se com a própria verdade, afastadas as manipulações de todas as colorações.

         Isso estabelecido, nos dias de hoje digo que há crise no Poder Judiciário.

         Nesse tópico, e de plano, o sentimento partilhado por tantas e tantos, brasileiras e brasileiros, é de que o Poder Judiciário, mormente nas suas instâncias colegiadas superiores – os Tribunais – distancia-se, excelsamente, da população a que deve servir.

         O tratamento de excelência, conferido a todos os que desempenham cargos públicos de maior responsabilidade, não significa isolá-los em pedestal inatingível de contemplação, mas destacá-los porque neles reconhecidas atitudes, condutas concretas, de serviço idôneo e competente ao bem comum.

         Digo sempre que o ato de julgar, decidindo conflitos inerentes à condição humana, é bem menos ato de impor, e muito mais ato de ensinar. Se, portanto, magistradas e magistrados vivessem o magistério em seu desempenho diuturno, por certo o envolvimento comunitário de todos seria a nota marcante de sua digna profissão.

         Vocacionados, pois, ao ensinamento do bem viver, conseqüência natural do envolvimento comunitário, pelas decisões que proferem, disso decorre necessariamente o dispor-se ao exame de seu desempenho funcional por colegiado de âmbito nacional, de composição não corporativa que contemple, portanto, e como membros, também representantes de outros segmentos da sociedade.

         O Conselho Nacional de Justiça – CNJ – tem essa exata dimensão constitucional.

         Comprometidos com o ensinamento do bem viver, reitero, conseqüência natural do envolvimento comunitário, as decisões que prolatam hão de expressar a sensibilidade
capaz de perceber e responder às controvérsias do tempo histórico vivido. Isso nada tem a ver com o sentir-se refém do sensacionalismo midiático a estabelecer o padrão de conduta do politicamente correto. Tem tudo a ver, sim, com a formação de sociedade humanista calcada no respeito à vida em todas as suas dimensões; na solidariedade permanente para com os mais fracos, desamparados e marginalizados – e, aqui, como compreender decisão colegiada que inocenta corruptores de meninas-crianças de 12 anos de idade, sob o fundamento de que já estão prostituidas? -;  na punição efetiva dos governantes, legisladores, magistrados e todos os demais servidores públicos que assumem comportamentos da improbidade administrativa e ilícitos criminais.

         Assim, jungidos a relevante serviço comunitário, a magnitude da missão de julgar não se compraz com o retardamento na prestação jurisdicional.

         A sociedade brasileira não pode experimentar os sentimentos de impunidade e de morosidade causados pela demora na solução dos litígios judiciais.

         Se o aparato normativo propicia manobras de retardamento de que se valem as partes em contenda judicial, todavia posicionamento prático, sem deixar de ser fundamentado; célere, sem deixar de ser lacunoso; objetivo, sem deixar de ser preciso, mas evitando-se longas teorizações, digressões e abstrações em muito contribui para que se supere a procrastinação.

         Afinal, o empenho para com a Justiça supera e ultrapassa o cotidiano da mentalidade burocrática e das práticas ritualísticas.

         A propósito, bem observa o Compêndio da Doutrina Social da Igreja:

202. A justiça mostra-se particularmente importante no contexto atual, em que o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, a despeito das proclamações de intentos, é seriamente ameaçado pela generalizada tendência a recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade e do ter. Também a justiça, com base nestes critérios, é considerada de modo redutivo, ao passo que adquire um significado mais pleno e autêntico na antropologia cristã. A justiça, com efeito, não é uma simples convenção humana, porque o que é justo não é originalmente determinado pela lei, mas pela identidade profunda do ser humano.
203. A plena verdade sobre o homem permite superar a visão contratualista da justiça, que é visão limitada, e abrir para a justiça o horizonte da solidariedade e do amor. A justiça sozinha não basta, e pode mesmo chegar a negar-se a si própria, se não se abrir àquela força mais profunda que é o amor. Ao valor da justiça, a doutrina social da Igreja aproxima o da solidariedade, enquanto via privilegiada da paz.”
( CDSI – pgs. 122-3 ).

         Bem cabem, e para encerrar, essas palavras, igualmente partilhadas por Aristóteles e Tomás de Aquino, avivadas pelo filósofo Olinto Pegoraro, no seu livro “Ética é Justiça:

“A justiça é a virtude perfeita que nos relaciona com os semelhantes. Por isso, muitas vezes se diz, que a justiça é virtude preclaríssima; nem Vésper, lindíssimo astro vespertino, e nem Lúcifer, luminosíssima estrela matutina, brilham como a justiça”.
( obra citada – pág. 10 ).