segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O papel da Igreja

A grande mídia, tanto escrita quanto televisada, tem-se proposto, e enfatizado, reduzir drasticamente ao espaço particular qualquer manifestação da Igreja, enquanto instituição, desautorizando-a e, portanto, censurando-a a cada vez que, publicamente, posiciona-se sobre assuntos pertinentes à convivência humana em sociedade.
Inexato é esse posicionamento midiático.
O Concílio Vaticano II espelha o avanço da eclesiologia em direção ao perene diálogo da Igreja com o mundo.
Sintomáticas as palavras que concluem o Proêmio da constituição pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), documento elaborado justamente a caracterizar a relação Igreja-Mundo:


"Eis a razão por que o sagrado Concílio, proclamando a sublime vocação do homem, e afirmando que nele está depositado um germe divino, oferece ao gênero humano a singela cooperação da Igreja, a fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação corresponde. Nenhuma ambição terrestre move a Igreja, mas unicamente este objetivo: continuar, sob a direção do Espírito Paráclito, a obra de Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, não para julgar, mas para salvar; não para ser servido, mas para servir. ( Gaudium et Spes nº 3 )."


A esse propósito, o Papa Bento XVI, no discurso de abertura da V Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe - CELAM -, proferido em Aparecida, e recordando o ensinamento do Concílio Vaticano II, foi textual:


"No esforço para conhecer a mensagem de Cristo e fazê-la guia da própria vida, deve-se recordar que a evangelização foi sempre unida à promoção humana e à autêntica liberdade cristã. Amor a Deus e amor ao próximo se fundem entre si: no mais humilde encontramos Jesus e em Jesus encontramos Deus ( Deus caritas est - nº 15 ). Assim, será também necessária uma catequese social e uma adequada formação na doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o Compêndio da Doutrina Social da Igreja. A vida cristã não se expressa somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes sociais e políticas."

Lamento, profundamente, que no próprio âmbito da Igreja, tantas e tantos, leigos, religiosos, sacerdotes, bispos desconheçam os preciosos ensinamentos que o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, forte no Evangelho de Jesus Cristo, - fonte primacial - apresenta, ordenada e coerentemente, a que o testemunho cristão concretamente favoreça "o instaurar a fraternidade universal" ( Gaudium et Spes nº 3 ) no mundo, dele progressivamente eliminando os males do arbítrio, da insensibilidade, do egocentrismo, da corrupção, da visão redutora da própria pessoa humana que, integralmente, é: espírito, razão e corpo.
É, sim, grandemente salutar que a Igreja, lado a lado com outras instituições da sociedade civil, promova programas sociais de inclusão e acolhida social e, aqui, como não deixar de celebrar a Pastoral da Criança e a missionária Zilda Arns; como não deixar de celebrar a irmã religiosa Dorothy Mae Stang e suas demais irmãs da congregação Notre Dame de Namur no agir pelo assentamento e garantia da terra para quem dela, efetivamente, necessita porque nela tem seu único sustento, e com ela, por certo, não especula; como não deixar de celebrar, a partir da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, tantos quantos eficazmente envolveram-se na elaboração e aprovação da Lei da Ficha Limpa, fundamental à correção dos graves desvios da prática político-partidária; como não deixar de celebrar o empenho anônimo e plural de irmãs e irmãos na defesa da vida desde a sua concepção até a morte natural e, assim, envolverem-se na construção diuturna da sociedade fraterna e justa como a nossa própria Constituição Federal nos impele a realizar.
Encerro com palavras plenas de sentido de Mario de França Miranda, lidas e meditadas em seu livro: "Igreja e sociedade":

"Hoje já se reconhece que as religiões têm algo a oferecer à sociedade civil. São elas que denunciam a marginalização a que estão condenados os mais pobres, bem como as injustiças de políticas econômicas. São elas que oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza os mais fracos. São elas que, livres de um dogmatismo doutrinário e impositivo, oferecem motivações e intuições substantivas ( e não apenas funcionais ) para as questões sujeitas ao debate público. São elas que, numa sociedade neoliberal e prisioneira de uma racionalidade funciomal em busca de resultados, desmascaram a frieza burocrática e tecnocrática apontando os efeitos devastadores de certas decisões. São elas que, para além das macrossoluções milagrosas, apontam para a responsabilidde de cada um e para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo, sem as quais a ética na vida pública ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos discursos dos tecnocratas." ( pg. 139-140 ).

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Resgate

  1.           Todos, na perspectiva de cada um, nos comovemos ( = mover-se com ) com o episódio que culminou na salvação da vida, de 33 mineiros chilenos, assim podendo retornar ao convívio de familiares, amigos, e da própria sociedade.
  2.           O envolvimento comunitário expresso em orações dos que partilham diferentes credos religiosos; igualmente expresso na solidariedade real das vozes e escritos de familiares e amigos, que não se calaram; e também no trabalho conjunto de companheiros mineiros e representantes do governo, tudo testemunha o considerar "o outro" não como tu, ou seja, alguém fora de mim, mas como "o outro eu", ou seja, alguém insitamente em mim, e por quem me envolvo.
  3.           Olhando para meu País, o Brasil, e minha gente brasileira, eu constato, para minha alegria, a ascensão econômica de milhões de brasileiros, ascensão essa que os elevou de patamar de consumo: é real que da classe E tantos migraram para a classe D; e da classe D, tantos migraram para a classe C.
  4.           Antes, vale dizer, na compreensão da proposta neoliberal, lugar não há para tão contundente resultado. A preocupação reside na permanência da imobilidade social em diretriz de manutanção do "status quo" a privilegiar os estamentos mais aquinhoados da sociedade, e neles me incluo.
  5.           Fazendo a análise no âmbito educacional, se muito precisa ser feito, mormente a garantir efetivo papel de relevo do professor, a compatibilizá-lo com digna e exclusiva dedicação no seu mister, mas também alegro-me no reconhecer o incremento dado ao ensino público, caracterizadamente o técnico - tantas escolas técnicas foram construídas a subsidiar e então enfrentar a carência em áreas populacionais do interior do Brasil - e o superior, aqui destaco o Prouni, que concretamente ensejou, e enseja, o acesso de tantos jovens, antes condenados à imobilidade e, certamente, ao subemprego ou ao desemprego, ao ensino universitário, propiciando-lhes dignidade pessoal, e familiar. A propósito, recordo-me de palavras de jovem, a dizer: "filha de mãe que não teve acesso à educação e à cultura, sem rendimento certo, e de pai biscateiro; estudando muito, apesar de tudo, hoje faço medicina e a mim e a meus pais darei vida nova."
  6.          Olhando para meu País, em tempo de vital eleição, pois é a que define quem, com sua equipe, o conduzirá, no próximo quadriênio, irresponsabilidade será abster-me de votar; irresponsabilidade será a negação do voto, deixando-o em branco; irresponsabilidade será dele desfazer-me, anulando-o.
  7.           Fundamental - e por isso a Democracia é o melhor dos regimes - que se faça a opção concreta e, no nosso caso, definir-se, no quadro posto pelo 2º turno, ou pelo avanço na trilha da social democracia, ou pelo retorno ao neoliberalismo.
  8.           Avanço na social democracia.
  9.           Voto em Dilma Roussef, ainda porque considero que todo o embate eleitoral, que vivamente protagonizou, a ela e a sua agremiação partidária indicam a necessidade clara de construção da sociedade brasileira não mais prioritariamente calcada em termos gerenciais de ganhos materiais ao povo mas, sem descurar desse aspecto, avançar para a formação da sociedade brasileira alicerçada em valores maiores expressos: no cuidado, dedicação e compromisso com o bem público; contínua promoção do bem comum; e, sobretudo, no empenho para que o desenvolvimento da pessoa humana seja integral e solidário, até porque, e como muito bem diz Emmanuel Mounier, eminente filósofo católico:  "O sentido da liberdade e o sentido da realidade exigem que toda tentativa se liberte de um qualquer a priori doutrinário; esteja positivamente pronta para tudo, até mesmo a mudar de direção para continuar fiel à realedade e ao seu espírito." ( O Personalismo - pg. 120 ).

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Eleições ( II )

  •             Deparo-me com editorial do jornal "O Globo", denominado "fundamentalismo nas eleições", quando saúda o candidato José Serra porque "agiu de maneira correta o ministro da Saúde José Serra quando, em 1998, contra a ação deste mesmo lobby ( grupos religiosos conservadores ) que se movimenta na campanha, emitiu nota técnica ao SUS para regular a curetagem em mulheres vítimas de estupro, como determina a lei." ( trecho do editorial ).
  •             À candidata Dilma Roussef diz que "resvala para o perigoso terreno da hipocrisia e, pior, deixa-se que com um condenável fundamentalismo religioso defina o tom do segundo turno" ( ainda trecho do mesmo editorial ) porque a ela, unicamente, atribui o recomeçar "a campanha com citações do nome de Deus e negação da tese da discriminação do aborto", para concluir: "Curvar-se a este fundamentalismo é trair o princípio da laicidade do Estado, uma conquista do Iluminismo, em um lance de esperteza eleitoreira."
  •             Ponho-me em total divergência.
  •             De plano, e de par com necessários temas pertinentes à educação, saúde, meio-ambiente, habitação, cultura, segurança, transporte e política externa, o tema família, no que se insere a temática do aborto, guarda a mesma dimensão dos outros citados, porque todos dizem respeito à formação e definição da sociedade brasileira, razão de ser do embate político democrático.
  •            A pergunta é: qual sociedade brasileira desejamos construir?
  •            A sociedade funcionalista, do descarte, da pragmática relação custo-benefício, do primado do individualismo exacerbado, do consumo desenfreado, ou a sociedade humanista, da acolhida, da solidariedade, em que a pessoa humana, seja na etapa de vida em que é - embrião, feto, bebê, criança, jovem, adulto, velho - sinta-se amplamente defendida.
  •            Aqui, valho-me de tão correta frase do filósofo Emmanuel Mounier, tão eloquentemente atual:
  •                               "... a grande tentação do século XX será, sem dúvida, a
  •                               ditadura dos tecnocratas, quer da direita, quer da esquer-
  •                               da, que esquecem o homem para só considerar a organi-
  •                               zação" ( O Personalismo - pg. 122 ).
  •            O aborto faz duas grandes vítimas: a mulher-mãe e o nascituro.
  •             "Nenhuma mulher quer abortar" é frase uníssona que ouço em todos os debates de que participei, e participo, seja o posicionamento da mulher, que a diz, contra, ou pró, aborto.
  •             Por quê, então, o Estado brasileiro demite-se e, encorajado e aplaudido pela "mídia iluminista", vai na linha oposta ao desejo da mulher, encorajando-a a abortar?
  •             Por quê cedem tantos, agora sim, às pressões dos poderosos lobbies farmacêuticos, hoje espetacularmente dedicados à manipulação da vida humana?
  •             Opto por viver, e desenvolver a sociedade brasileira, no sentido de que a mulher e a vida em seu ventre, ambas abandonadas, recebam do Estado brasileiro - e este igualmente estimule, incessantemente, o envolvimento de associações e grupos privados - toda a acolhida imprescindível à verdadeira, e não meramente retórica, promoção humana.
  •             Apresento iniciativa concreta, e dela podem servir-se quer quem esteja a postular a Presidência da República, outros cargos executivos, ou qualquer membro do Parlamento: se já temos presente, real e a produzir bons frutos, a lei Maria da Penha, que é protetora da mulher e seus filhos das agressões masculinas de coabitação, o que nos impede de discutir e votar a lei Maria do Abandono, igualmente protetora da mulher e do nascituro, para que a frase dita por todas as mulheres - "nenhuma mulher quer abortar" - nunca mais seja dita e aconteça, então, a vida em plenitude?
  •              É bastante provável que o fundamentalismo de mercado, expressão clara desse iluminismo, assim caolho, só nos faça ver a organização, jamais a pessoa.
  •              Para finalizar: O Estado laico não submete a pessoa à organização, mas, e porque expressão viva da democracia republicana, estimula e garante o livre convívio das pessoas, que o formam, sejam elas de tal, ou qual, confissão religiosa, ou não confessem credo algum.                               

terça-feira, 5 de outubro de 2010

ELEIÇÕES

            Ensina o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no seu nº 168, que:

                 "A responsabilidade de perseguir o bem comum compete
                 não só às pessoas consideradas individualmente, mas
                 também ao Estado, pois que o bem comum é a razão
                 de ser da autoridade política." ( grifei ).

          Eis portanto: "o bem comum é a razão de ser da autoridade política."

          De plano, fique bem esclarecido que autoridade não significa aquele que manda, que impõe, mas aquele que está a serviço: estar, e não ser, político é estar a serviço do público.

          Muito distante estamos, no Brasil, desses ensinamentos.

          Todavia, isso não é razão para esmorecermos, cansarmos, desistirmos.

          Importa, sim, decidido agir diferente, fora dos padrões clássicos.

          Exponho algumas condutas e situações, presentes nessa primeira etapa eleitoral, que devem ser mudadas.

          Na fila para a votação, ouvi: "hoje cumpri com meu dever de cidadã/ão".

          Errado, erradíssimo!

          Cidadania, e seu exercício, não é dever, ou direito. É muito mais do que isso. Cidadania é expressão mesma do bem existir, como amar; constituir família; viver ideais de solidariedade; de paz; legar, às gerações seguintes a harmonia com a natureza e, portanto, ser cidadã/ão, é constantemente envolver-se, também, com assuntos e comportamentos pertinentes ao viver em sociedade.

          Como alerta, muito bem, a publicação "Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática", nº 91, dos Documentos da CNBB:

                                "Assim sendo, se fizermos da Democracia Representativa a única
                                forma de o povo exercer sua soberania, então ela é redutora do
                                seu ser político. Elege e vai para casa, já desnudado do seu 
                                ser político que foi outorgado a outrem." ( pg. 22, grifei ).

          Urge, sem dúvida, que se passe da democracia representativa, para a democracia participativa, a cidadania ativa, não mais passiva, guiada por compromisso ético que enseja o ultrapassar visão de exacerbado individualismo para a experiência da alteridade, na solidariedade.

           Por isso, censuras e óbices - e aqui já analiso outro fato presente nessas eleições - não podem ser lançados à chamada "Lei da Ficha Limpa".

           Advinda da constitucional iniciativa popular ( artigo 14, inciso III, da Constituição Federal ),que a diz, expressamente, instrumento da soberania popular, razão de ser da democracia, e calcada em relevante princípio constitucional, que rege a condução da administração pública verdadeiramente democrática - o princípio da moralidade administrativa ( artigo 37, caput ) - óbvio que não pode ser obstada em sua imediata aplicação, para o pleito eleitoral em curso, ao abrigo de leitura de outro texto constitucional, presente no artigo 16, mas que se constitui em norma de cunho meramente procedimental - estabelece prazo - sobre o processo eleitoral, situação que, por manifesto, não pode sobrepujar aqueloutras, substanciais, e não meramente procedimentais, repito, por dizerem com a essência mesma da democracia: a participação popular e o respeito ao princípio da moralidade administrativa.

          Passo a outra realidade: o poder da mídia. Aqui, tenho por sábio esse outro texto do Documento nº 91 da CNBB, já aqui citado:

               "Com o balizamento ético na comunicação, a mídia deve estar a serviço
                da verdade e do bem,usando a força do seu poder para fazer avançar o debate 
                indispensável e a consciência cidadã para a construção do espaço democrático
                que ajudará na superação da crise da civilização contemporânea ( pg. 49 )."

          Ora, a chamada grande mídia - e não se necessita de grande esforço comprobatório ao que digo - adotou parcialíssima cobertura, em eventos tópicos, a deles extrair consequências sistêmicas. Refiro-me às coberturas jornalísticas sobre a quebra de sigilo de dados fiscais no âmbito de unidades da receita federal, e negócios a envolver filho da Sra. Erenice Guerra, então chefe da Casa Civil da Presidência da República.

          Situação noticiada pela revista Carta Capital, a envolver a filha do candidato José Serra, no mesmo âmbito da defesa do sigilo das pessoas, não repercutiu na grande mídia.

          Cito essa situações - e deixo por bem claro que qualquer órgão de imprensa, por seu editorial, tem todo o direito de posicionar-se, por tal ou qual modo, clara, objetiva e expressamente, a marcar sua definição política - para assentar que o estar a serviço da verdade e do bem, certamente, requer conduta jornalística incessante no acompanhar, assiduamente, os fatos estampados, e não, como é corriqueiro no que se chama o manchetismo pelo manchetismo, torná-los de efêmera ocasião ao sabor do puro sensacionalismo.

          Imprensa verdadeiramente livre não pode prescindir do balizamento ético na informação, para que assim alcance o patamat condizente com a razão de ser da comunicação, que não está na informação pela informação, que pode resvalar para a deformação, mas na informação comprometida com a formação de valores inerentes à dignidade da pessoa humana e ao sadio convívio democrático.


                                                                                   Paz e Bem!