quarta-feira, 19 de outubro de 2022

"ESCUTAR E RESPEITAR"

 

                                

 

Os autocratas de todos os matizes, centrados no egocentrismo doentio, fingem escutar, quer só escutando os que lhe são subservientes, quer não escutando os que se lhes apresentam para o diálogo seguro e construtivo.

Não respeitam, menosprezam. Atacam e satanizam, fazendo do opositor não o adversário a ser ouvido, mas o inimigo a ser destruído.

Apontando, objetivamente, caminhos, disse o Papa Francisco:

“Sublinhei a vocação do Cazaquistão a ser País do encontro: com efeito, nele convivem cerca de cento e cinquenta grupos étnicos e falam-se mais de oitenta línguas. Esta vocação, que se deve às suas características geográficas e à sua história – esta vocação de ser país de encontro, de cultura, de línguas – foi acolhida e abraçada como um caminho, que merece ser encorajado e apoiado. Também formulei votos para que ela possa prosseguir a construção de uma democracia cada vez mais madura, capaz de responder eficazmente às necessidades da sociedade como um todo. É uma tarefa árdua, que leva tempo, mas já se deve reconhecer que o Cazaquistão fez escolhas muito positivas como a dizer não às armas nucleares e a de boas políticas energéticas e ambientais. Isto foi corajoso. Num momento desta trágica guerra onde alguns pensam em armas nucleares – uma loucura – este país já desde o início disse não às armas nucleares”. (Palavras do Papa Francisco na Audiência Geral do dia 21 de setembro passado, na Praça de São Pedro, grifos do original).

“Fazer escolhas muito positivas, como dizer não às armas nucleares e a de boas práticas energéticas e ambientais”.

Sim, o encontro propicia o abandono das táticas de supremacia belingerante e a inserção no convívio enriquecedor da alteridade. O encontro também nos ensina que habitamos a casa comum, presente do Deus-Amor, presente que se descobre no perene cuidado para com os cenários vivos da natureza, que nos acolhe, abriga e alimenta.

 

Recordo-me, aqui, das estrofes iniciais da canção “Irmão Sol, Irmã Lua”, ode à pessoa maravilhosa que foi, é e sempre será em nossos corações, Francisco de Assis, estrofes assim apresentadas:

“Doce é sentir

em meu coração

humildemente

vai nascendo o amor

Doce é saber

não estou sozinho

sou uma parte

 de uma imensa vida

que generosa

reluz em torno a mim”.

No entanto, estamos a presenciar a estupidez da guerra Rússia-Ucrânia.

O mais grave: passado o momento da comoção coletiva, dita guerra cristalizou-se no nosso cotidiano e famílias continuamente despedaçadas, vidas seguidamente desfeitas, êxodo permanentemente dilacerante não nos incomodam porque não mais motivam o noticiário e, descuidados com o que acontece, simplesmente deletamos o que não nos atinge.

Como dizer que a guerra, ou conflitos aos pedaços, não nos atinge porque, geograficamente, longe de nós, ou mesmo restrita a espaço delimitado?

Eis a mais nítida constatação da insensibilidade, expressa no fechamento xenófobo, que dissemina o preconceito, o ódio, a violência a caracterizar comportamentos pessoais e coletivos.

Mais uma vez as palavras do Papa Francisco, na Audiência já aqui mencionada, como que partilhando a experiência que viveu por ocasião do 7º Congresso de Líderes das religiões mundiais e tradicionais, acontecido no Cazaquistão:

Disse o Papa:

“Esta iniciativa realiza-se há vinte anos pelas Autoridades do país, que se apresenta ao mundo como lugar de encontro e de diálogo, neste caso a nível religioso e, portanto, como protagonista na promoção da paz e da fraternidade humana. Foi a sétima edição deste congresso: um país que tem 30 anos de independência, realizou já 7 edições destes congressos, um a cada três anos. Isto significa colocar as religiões no centro do compromisso para a construção de um mundo onde nos escutamos e respeitamos na diversidade. E isto não é relativismo, não: é escutar e respeitar (trecho lido na Audiência Geral de 21 de setembro – grifos meus).

É fundamental que mulheres e homens de boa vontade, congregados, ou não, em religiões, mas todas e todos congregados, vocalizem e atuem em congressos, declarações, passeatas celebrativas, exercitando e assumindo, portanto e concretamente, comportamentos e atitudes que resgatem, realçando e comprometendo-se, também em protagonismo, com o destino da humanidade, que não pode ser monopolizado pelo poder econômico-tecnocrático, que instrumentaliza, sobrepondo-se e servindo-se, a atividade política, assim amesquinhada.

Encerro, transcrevendo, muito a propósito, a conclusão da Declaração firmada pelo Papa Francisco e por Ahmed Al-Tayyeb, Grão Iman de Al-Azhar, em Abu Dabhi, no dia 4 de fevereiro de 2019:

“Ao concluir, almejamos que esta Declaração:

Seja um convite à reconciliação e à fraternidade entre todos os crentes, mas ainda entre os crentes e os não-crentes, e entre todas as pessoas de boa vontade;

Seja um apelo a toda consciência viva que repudia a violência aberrante e o extremismo cego; um apelo a quem ama os valores da tolerância e da fraternidade, promovidos e encorajados pelas religiões;

Seja um testemunho da grandeza da fé em Deus, que une os corações e eleva a alma humana;

Seja um símbolo do abraço entre o Oriente e o Ocidente, entre o Norte e o Sul e entre todos aqueles que acreditam que Deus nos criou para nos conhecermos, cooperarmos entre nós e vivermos como irmãos que se amam.

Isto é o que esperamos e tentaremos realizar a fim de alcançar uma paz universal de que gozem todos os homens nesta vida. (grifos do original).

 

                                                        Paz e Bem.