sexta-feira, 6 de julho de 2012

"Estão mortos, estão sossegados"






              Essa foi a frase que ouvi, de homem jovem, funcionário público grevista do Arquivo Nacional, no piquete montado à entrada da sede, que nos impediu a mim, e a alguns membros, de equipe da Comissão Nacional da Verdade, de realizarmos trabalho nas dependências desse serviço público.

              Essa frase perturbou-me, perturba-me.

              Ela vem como resposta, em momento de diálogo que com o grupo desenvolvia, a ponderação minha sobre o trabalho da Comissão da Verdade como missão perene de resgate de tantas, e tantos, que ofertaram a própria vida, paulatinamente torturada, em defesa das liberdades democráticas, dentre elas o próprio direito de greve ante o Estado ditatorial.

              Essa frase indica a incapacidade de transcender-se para valores maiores na formação de sociedade humanista, tais: o compromisso com os marginalizados, os excluídos de todos os setores, pelo sistema economicista, que reduz a pessoa a mero dado numérico na relação custo-benefício; o empenho na educação, na cultura e na saúde, aqui contemplada a saúde alimentar, como prioritárias na formação do corpo social; o respeito à divergência, conduzindo à solução pacífica dos conflitos. Essa frase, portanto, manifesta o apego ao pragmatismo, o circunscrever-se a existência humana ao plano estritamente material.

              Essa frase é matriz de esquecimento. Retrata o círculo fechado do egocentrismo. Sepulta o ideal de tantas, e tantos, quebrando o elo que possibilita o presente como aprendizado do passado a movimentar o futuro. Essa frase exalta o instante como a própria história, assim sem sentido, assim sem rumo, entregue ao primeiro aventureiro despótico, que dela queira lançar mão. Mas a história é justamente o incessante encontro do passado, no presente, animando o futuro, em função daqueles valores maiores na formação da sociedade humanista. Por tal fundante razão, a memória é o respeito à história dos que assim se comportaram em vida, entregando a própria vida.

              Essa frase é desrespeitosa para com avós, avôs; mães, pais; filhas, filhos; netas, netos; familiares e amigos dos que estão mortos, mas são, sempre, para elas e para eles, vivos.

              Memória não é lembrança, memória é passado vivo, que vale a pena viver.

              Memória é, assim, verdade porque a verdade é o fio condutor na união do passado, presente e futuro.

              Encerro este artigo fazendo memória de Albert Camus, reiterando aqui frase sua, tão sábia, com a qual iniciei o artigo que escrevi mês passado.

A lucidez supõe a resistência às tentações ao ódio e ao culto da fatalidade.”