sábado, 3 de novembro de 2018

"ESSA É UMA FORMA SUTIL DE VIOLÊNCIA"


                 

Leio que o juiz Sergio Moro sentiu-se honrado com o convite que o futuro presidente Jair Bolsonaro fez-lhe para comandar superdimensionado Ministério da Justiça.
Analiso a conduta de Sergio Moro.
A análise, porque serena, objetiva e fundamentada, deve lastrear-se em fatos certos.
Assim conduzo-me e apresento o primeiro fato.
Trata-se de decisão do juiz Sergio Moro autorizando a publicidade de conversa telefônica, então travada entre a Presidente Dilma Roussef e o cidadão Luiz Ignácio Lula da Silva, nomeando-o chefe da Casa Civil de seu governo.
Essa autorização deu-se quando o juiz Sergio Moro não mais detinha competência jurisdicional à prolação do ato, como decidiu o Ministro Teori Zavatski, à época, retirando-lhe validade jurídica.
No entanto, essa decisão foi encaminhada à mídia, que lhe conferiu enorme estardalhaço, todo centrado na construção de que o ato da Presidente significaria conceder impunidade total a Luiz Ignácio Lula da Silva, o que gerou forte repulsa popular.
Contudo, a produção noticiosa é totalmente equivocada. E assim o é porque o que aconteceria no conceder-se status de ministro de Estado a Luiz Ignácio simplesmente era submetê-lo à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, que o processaria e julgaria, e não mais a instância de 1º grau.
Como, então, dizer-se de impunidade?
Quem o dissesse colocaria, irresponsável e infundadamente, em cheque a imparcialidade de nossa Suprema Corte.
Relembro que quando exerci o cargo de procurador-geral da República, o então presidente Luiz Ignácio Lula da Silva concedeu status de ministro de Estado ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, na ocasião, que era investigado criminalmente. Um dos principais partidos de oposição – o PFL (Partido da Frente Liberal) – corretamente questionou tal ato, por dizê-lo incabível em sua edição por meio de decreto-lei, eis que não se enquadrava nas hipóteses constitucionais de utilização desse caminho normativo, tese a que aderi.
Na ocasião, ninguém manejou o absolutamente incabível argumento de que isso significaria impunidade porque, efetivamente, tal argumento faz-se em completo despautério. E assim o é, mesmo, porque no regime presidencialista o presidente da República goza de plena autonomia à formação de sua equipe de trabalho, arcando, isso sim, com o ônus de escolhas inadequadas.
O segundo fato é bem mais recente e diz com o acontecer das eleições, recém- findas.
Noticiou-se, amplamente, que o candidato Jair Bolsonaro caira 2 pontos percentuais, e o candidato Fernando Haddad subira 2 pontos percentuais, aproximando-os.
Tem-se, então, que o juiz Sergio Moro, contemporaneamente a essa situação, decide, de inopino e por si próprio, sem provocação do Ministério Público, titular da ação penal pública, e sem ouvir a defesa, quebrar o sigilo da delação premiada de Antonio Palocci, sigilo esse presente desde abril do ano em curso, portanto fazendo-o seis ( 6 ) meses já transcorridos,  decisão essa despida de qualquer fundamentação.
Seguiu-se o costumeiro estrépito jornalístico a propósito da corrupção do Partido dos Trabalhadores e sua maior liderança – Luiz Ignácio Lula da Silva – desfazendo-se o quadro de ascensão de Fernando Haddad.
Sacramentada a vitória do candidato Jair Bolsonaro e eis que, em menos de uma semana, o juiz Sergio Moro é convidado e honrosamente aceita comandar a pasta da justiça.
Ora, a prudência é a virtude maior sempre que se tenha que decidir em toda e qualquer situação do nosso viver cotidiano, que dirá para quem decide, profissionalmente.
Ainda hoje, reproduzida está pelo jornal Folha de São Paulo entrevista de Sergio Moro, datada do ano de 2016, concedida ao jornal Estado de São Paulo, quando peremptoriamente respondeu com enfática e repetida negativa ao ser indagado sobre se se candidataria a cargo eletivo ou entraria para a política.
Disse Moro: “Não, jamais. Não. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem de política”.
A prudência manifesta o zelo com a coerência.
O estrelato e o encantamento são as vias sedutoras do egocentrismo.
Encerro este artigo.
Faço-o avivando palavras tão pertinentes do Papa Francisco para a presente reflexão.
“Não nos faz bem olhar com altivez, assumir o papel de juízes sem piedade, considerar os outros como indignos e pretender continuamente dar lições. Essa é uma forma sutil de violência”. (leia-se a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate – nº 117 – pg. 57, grifos meus).
                                                      Paz e Bem.


  


terça-feira, 23 de outubro de 2018

"Sê íntegro"


                                               

O Papa Francisco, na sua recente Exortação Apostólica “Gaudete et Exsultate” – “Alegrai-vos e Exultai”-, rememora expressão de que Jesus Cristo se vale ao abrir o Sermão da Montanha, para indicar aos seus discípulos e a todos nós ensinar, que a simplicidade – “os pobres no espírito...”-; que o sofrimento – “os que choram...”-; que a mansidão – “os mansos...”-; que a justiça –“os justos”-; que a misericórdia – “os misericordiosos”-; que a autenticidade - “os puros de coração”- e a paz – “os que promovem a paz”- (leia-se: Mt 5, 3-9) são valores fundamentais para o testemunho real do verdadeiro encontro da mulher e do homem, consigo mesma, consigo mesmo e de ambos com Deus.
Mas o que nos propõe, hoje, o mundo e, em nosso País, o momento político, que atravessamos?
O ódio.
O ódio que, no pano internacional, dilacera multidões de emigrantes e refugiados, enxotados porque ameaçam o status econômico de países que atingiram dito status econômico na razão direta de praticarem, e continuarem a praticar, a exploração, real ou dissimuladamente, exatamente desses mais fracos: suprema desfaçatez.
O ódio que, no plano nacional, acometeu todas e todos quantos, num primeiro momento, foram tomados de profunda decepção ao ruir do projeto político que chegou a acalentar medidas reais de distribuição de riqueza, de acesso dos mais desafortunados a patamar acima na escala social, mas que se deixou seduzir e sucumbiu ao jogo do poder pelo poder; da ambição pela ambição.
O ódio que, ainda no pano nacional, expressou, pondo às claras, preconceitos e ressentimentos abafados porque o diferente de mim eis que mais pobre do que eu; eis que homossexual, e não hétero, como eu, passaram a conviver no meu espaço.
Ora, a democracia é, justamente, o melhor de todos os regimes políticos porque não promove espaços privatistas, de usufruto condominial segregador, mas impulsiona a convivência dos múltiplos espaços, estimula o respeito a todos os espaços nas diferenças peculiares de cada qual. Se se enfatizou, desmesuradamente, o grito dos discriminados, o caminho não está em deslegitimá-los, mas mostrar-lhes que o grito desmesurado é, também, preconceito embutido a incidir em igual viés de ódio discriminatório.
O ódio é o alimento dos medíocres e dos superficiais.
Porque medíocres e superficiais são levados – caniços ao vento – para aqui, para lá, para acolá, na dança das fake news (= notícias falsas).
Medíocres e superficiais não têm raízes porque não intuem; não consideram; não contemplam; não se põem a agir, ou seja, não intuem porque não se abrem ao que surge; abrindo-se, necessariamente analisam e, então, consideram; considerando, contemplam porque se sintonizam com o que surge e sintonizados, então assim conscientes, agem responsavelmente.
Recordo, aqui, expressiva passagem do Gênesis:
“Abrão tinha noventa e nove anos, quando o Senhor lhe apareceu e lhe disse: Anda na minha presença e sê íntegro”. (Gn 17, 1)
Aí está: que sejamos íntegros.
Ser íntegro é não dividir-se; não se deixar levar pelo detalhe, pelo superficial, pelo secundário.
Ser íntegro é conhecer-se, sabendo que esse conhecimento só se alcança na relação com todas e com todos os demais, sem distinção, e com Deus.
O nosso tempo é de desintegração.
Quem quer que queira isso incentivar, como mote para vitória política, ou qualquer outro mote, está fadado à desintegração.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

ELEIÇÕES


Algumas pessoas pedem-me expresse meu posicionamento sobre o tema: eleições.
De plano, é fundamental que eleições aconteçam. Elas propiciam o necessário conhecimento sobre a personalidade, o compromisso, enfim o modo de ser, pessoal e comunitário, de quem se candidata, apesar das imperfeições do processo eleitoral, traduzidas, dentre outras, no excessivo número de partidos – bastar-nos-iam 3 ( três ) agremiações partidárias: uma à esquerda; outra à direita e outra ao centro – excessivo número que impede a distribuição equitativa do tempo destinado à propaganda eleitoral e ao recebimento de valores monetários destinados ao fundo partidário. Urge a adoção de cláusula de barreira, portanto.
Eleições ensejam o debate.
É certo que o debate muitas das vezes apequena-se, faz-se medíocre e superficial, até cômico, mas que as pessoas sempre possam se expressar, e jamais sejam caladas. Que aqueles que defendem soluções autoritárias, ditatoriais, do pensamento uniforme, venham a público e insiram-se no respeito à divergência. Aprendam que é no incessante dialogar que os gestos tresloucados da violência vão, paulatinamente, definhando até que se minimizem.
O Brasil, hoje e sempre, quer valores humanistas. Valores humanistas assentam-se na dignidade da pessoa. A dignidade da pessoa põe-se no abolir qualquer discriminação. Que não se discrimine o feto, o recém- nascido, a criança, o jovem, o adulto e o idoso. Que a mulher esteja, plenamente, lado a lado com o homem. Desapareça qualquer laivo de inferioridade na relação mulher e homem no plano pessoal, no plano familiar e no plano social. Que ninguém, ninguém mesmo, seja motivo de escárnio, ódio e perseguição, por sua escolha no modo de ser e viver.
Que o acesso aos bens materiais, intelectuais e culturais a todas e a todos se possibilite e, assim, cada uma e cada um tenha, porque aptas e aptos foi-lhes franqueada, a oportunidade do integral crescimento nas dimensões acima colocadas. Eis o sentido perfeito do que seja educação. Educar é fazer extrair, ou seja, o educando não é marionete. É educado justamente para que construa sua história, pessoal e coletivamente, assumindo decisões conscientes, livres e fundamentais porque calcadas nos valores maiores de competência, honestidade e seriedade voltados ao bem comum.
O povo, circunscrito ao vício da mera e rápida informação, não é povo; é bando amorfo, objeto de contínua manipulação.
Os valores humanistas, de que estou a tratar, repudiam o corrupto e a corrupção.
O Papa Francisco, acertada e precisamente, diz:
“É justamente esse triunfalismo, nascido de sentir-se medida de todo juízo, que lhe dá a vaidade para rebaixar os outros à sua medida triunfal. Explico: em um ambiente de corrupção, uma pessoa corrupta não deixa crescer em liberdade. O corrupto não conhece a fraternidade ou a amizade, só a cumplicidade. Para ele, não vale nem o amor aos inimigos nem a distinção que está na base da antiga lei: ou amigo ou inimigo. Move-se nos parâmetros de cúmplice ou inimigo. Por exemplo, quando um corrupto está no exercício do poder, implica sempre os outros em sua própria corrupção, rebaixa-os à sua medida e os faz cúmplices de sua opção de estilo. E isso em um ambiente que se impõe por si mesmo em seu estilo de vitória, ambiente triunfalista, de pão e circo, com aparência de senso comum no juízo das coisas e de sentido de viabilidade nas opções variadas. Porque a corrupção implica esse ser medida, por isso toda corrupção é proselitista”. ( leia-se: Corrupção e pecado: algumas reflexões a respeito da corrupção – pg. 32/33, grifos do original).
E, definitivo, acentua:
A corrupção não é um ato, e sim um estado, estado pessoal e social, no qual a pessoa se acostuma a viver. Os valores ( ou desvalores ) da corrupção são integrados a uma verdadeira cultura, com capacidade doutrinal, linguagem própria, modo de proceder peculiar. É uma cultura de pigmeização, que insiste em convocar adeptos para rebaixá-los ao mesmo nível da cumplicidade admitida e corrupta. Essa cultura tem um dinamismo duplo: de aparência e de realidade, de imanência e de transcendência. A aparência não é o surgir da realidade por veracidade, e sim a elaboração dessa realidade, para que vá se impondo em uma aceitação social o mais geral possível. É uma cultura do diminuir: diminui-se realidade em prol da aparência. A transcendência vai ficando cada vez mais aquém, é quase imanência, ou no máximo uma transcendência de botequim. O ser já não é custodiado, e sim maltratado por uma espécie de desfaçatez pudica. Na cultura da corrupção, há muito de desfaçatez, embora aparentemente o admitido no ambiente corrupto esteja fixado em normas severas de cunho vitoriano. Como disse, é o culto aos bons modos que encobrem os maus costumes. E essa cultura se impõe no laissez-faire do triunfalismo cotidiano”. ( livro citado – pg. 39/40, grifos do original e meus).
As eleições, que chegam, bem podem servir para que, concretamente, iniciemos processo de renovação política em nosso Brasil.
É, portanto, indispensável que priorizemos novas pessoas.
Que não queiram profissionalizar-se como políticos; que não queiram transformar a política em espaço ocupado por familiares; e que repudiem a adoção das nefastas práticas do compadrio e do nepotismo.
Novas pessoas que, com propostas objetivas e claras, afastem-se das promessas mirabolantes e vazias, meros artifícios sedutores na captação de votos.
Antes de votar, que conheçamos a história de vida da candidata e do candidato.
É o que me ponho a fazer, presentemente.
E para não ficar restrito aos parâmetros, que neste artigo apresento, como disse escrito por sugestão advinda de leitoras e leitores, mas posicionando-me, desde já, por pessoa que considero preenche os requisitos que expus, submeto à consideração e à análise de todas e de todos, o nome do Professor Marcelo Neves, candidato à vaga de Senador pelo Distrito Federal.

                                        Paz e Bem.




domingo, 29 de julho de 2018

CENÁRIOS


                                                         
Muito bom de se ver a solidariedade internacional para resgatar professor e seus alunos, impossibilitados de sair de caverna, na Tailândia.
Melhor, ainda, o passo seguinte dado pela quase totalidade deles: recolherem-se para meditar, para interiorizar, para que aflore a espiritualidade em cada qual.
Melhor, ainda, esse comportamento porque significa saber que a obra da salvação do grupo não se circunscreveu, unicamente, ao engenho humano, por sua técnica, mas isso transcendeu e o que se conseguiu, conseguiu-se com fé.
E a fé, essa palavra tão pequenina que se perfaz em duas simples letras, é a certeza de que nós, mulheres e homens, não nos bastamos a nós mesmos.
A fé é a resposta concreta posta no sair de si, no reconhecimento de nossa minoridade, a resposta a nos entregarmos, como o recém-nascido se entrega no regaço materno, ao Deus-Amor.
Em sua recente Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo atual, o Papa Francisco, com muita precisão, coloca:
“Ainda há cristãos que insistem em seguir outro caminho: o da justificação pelas próprias forças, o da adoração da vontade humana e da própria capacidade, que se traduz em uma autocomplacência egocêntrica e elitista, desprovida do verdadeiro amor. Manifesta-se em muitas atitudes aparentemente diferentes entre si: a obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e realização autorreferencial. É nisto que alguns cristãos gastam as suas energias e o seu tempo, em vez de se deixarem guiar pelo Espírito no caminho do amor, apaixonarem-se por comunicar a beleza e a alegria do Evangelho e procurarem os afastados nessas imensas multidões sedentas de Cristo”. (Gaudete et Exsultate nº 57 – pg.33).
A vontade humana passa a ser a senhora de tudo que diga respeito à mulher e ao homem.
Descortina-se, agora, cenário outro.
Na absolutização do eu e na vulgaridade sedutora da expressão do belo, limitada à superabundância carnal, repetem-se notícias a envolver procedimentos cirúrgicos, que redundam em morte de pacientes. Profissional da medicina há, que não se opõe, antes aprecia, porque não repudia o tratamento midiático, que lhe é dado, ser chamado de: “Dr. Bum-Bum.
Nessa espiral da coisificação da mulher e do homem, a autorreferência conduz-nos à acédia, à rotina, à violência contra si mesmo e contra os outros. A insensibilidade reina.
Torno ao Papa Francisco:
“Por outras palavras, no meio da densa selva de preceitos e prescrições, Jesus abre uma brecha que permite vislumbrar dois rostos: o do Pai e o do irmão. Não nos dá mais duas fórmulas ou dois preceitos; entrega-nos dois rostos, ou melhor, um só: o de Deus, que se reflete em muitos, porque em cada irmão, especialmente no mais pequeno, frágil, inerme e necessitado, está presente a própria imagem de Deus. De fato, será com os descartados desta humanidade vulnerável que, no fim dos tempos, o Senhor plasmará a sua última obra de arte”. (Gaudete et Exsultate nº 61 – pg. 34/35).
Nesse julho, que se finda, findou a Copa do Mundo de futebol.
Esqueçamos a estrutura corrupta da “cartolagem”, ou seja, dos impávidos administradores do futebol nacional e mundial, e o terceiro cenário mostra-nos a “seleção” brasileira de futebol.
Tudo converge para um homem de 26 anos, tratado como criança por sua família, seu “staff”, e por grande parte da mídia esportiva, supervalorizando-o.
Temos um boneco que é fonte de vultosas rendas para todo o esquema, que o manipula. Então, o boneco atirou-se ao chão, tantas e tantas vezes, rodopiou, simulou.
Sem quem o orientasse, sequer “à beira do campo”, sucumbiu e a dita “seleção” sucumbiu junto.
Torno, e conclusivamente, ao Papa Francisco:
“Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião. (Gaudete et Exsultate nº 167 – pg. 79).

                   

quinta-feira, 14 de junho de 2018

"AO ENTARDECER DESTA VIDA, EXAMINAR-NOS-ÃO NO AMOR"


        

“Nisso, um dos que estavam com Jesus estendeu a mão, puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha. Jesus, porém, lhe disse: Guarda a espada na bainha! Pois todos os que usam a espada, pela espada morrerão”. (Mt 26, 51-52).
Assim o evangelista Mateus narra episódio acontecido quando da prisão de Jesus no Monte das Oliveiras.
Violência não conduz a nada de positivo. Antes, degrada-nos, aviltando nossa condição humana.
“Pois todos os que usam a espada, pela espada morrerão”, ou seja, as pretensas soluções, calcadas na violência, têm por fim a própria morte.
Compreende-se bem, por esse evangélico ensinamento, porque as intervenções ditatoriais estão condenadas ao fracasso; ao fim inexorável, ainda que perpassem décadas no poder, décadas de enorme retrocesso porque todas as intervenções ditatoriais aniquilam qualquer possibilidade humanista de promoção integral da mulher e do homem, coisificados em objetos de tortura e morte, vez que tudo está centralizado no paroxismo da segurança do Estado.
Com efeito, o obscurantismo, o medo, o corruptível submeter-se ao autocrático comando impregnam, declarada ou subrepticiamente, a convivência diária.
Não há mais valores absolutos. Tudo se volatiliza. Ideais são desfeitos. A mística, o buscar ultrapassar-se para o bem comum desaparece. Em seu lugar, herdeiros do arbítrio são os manipuladores, os dançarinos gestuais de poses estudadas, que se afinam com os arrogantes da excelência, e pronto: eis o cenário da perplexidade; da desesperança; eis o terreno fértil para que surjam os pseudo salvadores da pátria, da lei e da ordem, agora dotados de discursos, mas de discursos carregados de preconceitos machistas e raciais.
Dissemina-se, também, a idolatria do personagem único em polo oposto.
Atitude, por igual, deletéria.
O verdadeiro líder não é aquele que se faz em perene verdade pessoal.
Muito pelo contrário, o verdadeiro líder não é o comandante inquestionável, mas o mensageiro que, justamente, por apresentar uma mensagem de que é porta voz porque soube ouvir a tantas e a tantos, e não ditar uma ordem, propicia aos destinatários que também se sintam encorajados, porque habilitados, a serem mensageiros, que lhe sucedam.
Iniciei esta reflexão com palavras do evangelista Mateus.
Vou encerrar a reflexão com palavras do Papa Francisco, sobre outro trecho do Evangelho de Mateus, mas com plena pertinência ao aqui tratado, até porque se fazem, tais palavras, em passos seguros e concretos que podemos, e devemos, dar para que não nos domine inaceitável omissão.
“Não podemos escapar às palavras do Senhor, com base nas quais seremos julgados: se demos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; se acolhemos o estrangeiro e vestimos quem está nu; se reservamos tempo para visitar quem está doente e preso (cf. Mt 25, 31-45). De igual modo ser-nos-á perguntado se ajudamos a tirar a dúvida, que faz cair no medo e muitas vezes é fonte de solidão; se fomos capazes de vencer a ignorância em que vivem milhões de pessoas, sobretudo as crianças desprovidas da ajuda necessária para se resgatarem da pobreza; se nos detivermos junto de quem está sozinho e aflito; se perdoarmos a quem nos ofende e rejeitamos todas as formas de ressentimento e ódio que levam à violência; se tivermos paciência a exemplo de Deus que é tão paciente conosco; enfim se, na oração, confiamos ao Senhor nossos irmãos e nossas irmãs. Em cada um destes mais pequeninos está presente o próprio Cristo. A sua carne torna-se de modo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... a fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós. Não esqueçamos as palavras de São João da Cruz: Ao entardecer desta vida, examinar-nos-ão no amor”. (leia-se a Bula Misericordiae Vultus – pg. 11).

                                                   Paz e Bem.


                                                  

terça-feira, 1 de maio de 2018


                                             EMANUEL

Há vídeo recente, mostrando o Papa Francisco em encontro com crianças em uma paróquia de Roma. Uma das crianças, chorando, não consegue apresentar sua pergunta.
Que faz o Papa Francisco?
Chama-a, delicada e seguidamente, dizendo: “Emanuel venha para mim”.
Não se desinteressa pelo menino; não o exclui. Chama-o para si, acolhendo-o, e o abraça, ambos conversando ao pé do ouvido.
E que faz, depois, Francisco, quando a criança retorna a seu lugar?
Para o público diz que pediu permissão a Emanuel para a todos dizer da pergunta, que as lágrimas de Emanuel represavam.
O Papa pede permissão a uma criança para veicular o que seu coração juvenil embargava. Que atitude tão concreta de respeito, que gesto tão real e significativo de compromisso com a dignidade da vida humana, não importa se ainda tão juvenil.
Permissão dada, eis a pergunta de Emanuel: queria saber se seu papai, que falecera recentemente, estava no céu porque era ateu.
Francisco expõe: sim, o papai era ateu, mas, e a despeito de sua opção, batizara seus quatro ( 4 ) filhos. Prosseguiu dizendo que para o fiel católico fácil é batizar seus filhos, mas não para aquele que não crê. E, dirigindo-se ao público presente, indagou: Deus seria capaz de manter longe de Si, um papai assim?
Em uníssono o público diz: não.
Francisco, dirigindo-se a Emanuel, disse: “eis a resposta”, porque Deus também é Papai; tem o coração de Papai e, por isso, está orgulhoso de seu papai: um homem bom.
Concluiu Francisco: “fala com teu papai; reza por teu papai”.
Quanta simplicidade e, portanto, quanta sabedoria nesse homem, o Papa Francisco, para nós, mulheres e homens, crentes e não crentes, nessa época de mudanças que, por tal razão, nos torna inseguros por decepção, por revolta, por tristeza.
O caminho, nos aponta Francisco, é nos desfazermos dos preconceitos de todos os matizes, para acolher quem está fragilizado. Conviver nas diferenças, chamando com delicadeza, pondo-se à escuta, posicionando-se, concreta e objetivamente, sem proselitismos, sem parti-pris: simplesmente, revelando-se como se é: seres vocacionados ao amor.
Outro traço tão expressivo nesse episódio. O Papa Francisco não faz de si o único a decidir; não se apresenta como a voz solitária e infalível a determinar a resposta a ser dada.
Não!
O Papa Francisco convida a assembléia de fiéis para assumir a resposta e, resposta dada, a ela adere.
Assim é o verdadeiro pastor, o verdadeiro líder. Apresenta o quadro como traçado por quem busca o caminho; apresenta-o à comunidade, questionando-a; e acompanha a resposta dada. É, portanto, fiel na narrativa; questiona, apropriadamente, o que deve ser questionado; e faz-se seguidor da resposta comunitária.
Episódio verdadeiramente marcante para meu viver porque há de ser meu guia pelas tantas estradas da vida, que percorro.
A propósito: Emanuel, o nome do menino, significa: “Deus conosco”.

                                            Paz e Bem.
   
  

segunda-feira, 5 de março de 2018

A MÚSICA



Acabo de ouvir, não de meramente escutar, que é tão superficial, acabo de ouvir Lucio Dalla, cantando Caruso.
É entardecer de domingo e, em torno e por sobre mim, pássaros também estão cantando.
A música, quando bela e plena de significado, une as criaturas entre si, e com o Criador.
Além de unir, a música, encantando-nos, docemente conduz-nos ao infinito porque enquanto a ouvimos, o sentimento que nos envolve é de que ultrapassamos os limites do tempo e do espaço.
O mundo, hoje, está doente.
Doente porque enclausurado em poder mais, possuir mais, prazer mais.
Essa voracidade quantificadora estreita-nos.
Mulheres e homens medíocres, em todos os quadrantes, porque a mediocridade é a expressão do superficial e do efêmero.
Agora, Ellis Regina e Tom Jobim, tão a propósito, em “Águas de Março” e a narrativa do cotidiano humano com tudo aquilo que o cerca.
Se é certo que as “Águas de Março fecham o verão”, todavia nada se fecha para sempre porque há sempre “promessa de vida no teu coração”.
É por aí: nós todos, mulheres e homens, somos “promessa de vida” e, por isso, existimos.
Não existimos para nos dissolvermos, nos consumirmos, nos metamorfosearmos.
Não existimos para sermos reduzidos a objetos de manipulação posta em esquemas montados, tão pouco para nos travestirmos em cenários coisificados a provocar estardalhaços, nem para nos reduzirmos a caricaturas inexpressivas da produção midiática.
Existimos, por isso que somos, para que o amanhã já se perceba, hoje. Portanto, para que o futuro não se faça longínquo, mas germine no presente, e construamos nossa história, incessantemente.
Não há o fim da história enquanto vida houver.
É o que se chama: esperança.
Esperança não é, passivamente, aguardar. Também não é, passivamente, desejar.
Esperança, porque é “promessa de vida no teu coração” é compromisso real, concreto, verdadeiro que nos dá sentido e, nos dando sentido, nos faz viver. Viver, portanto, é fazer sentido.
Faço sentido, então, mantendo-me íntegro no que sou e no que faço e, na integridade do que sou e do que faço, lugar não há para concessões utilitaristas, nem de fuga.
Anoitece. O sol se põe e acontece o silêncio onde estou, mas a harmonia da música, essa, permanece.






sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A DIMENSÃO DO SER

                                   

Lê-se no mais antigo escrito do Novo Testamento, que é a Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses, em exortação final para aquela comunidade:
... examinai tudo e guardai o que é bom”.  (1Ts 5, 21).
É do que, na verdade, necessitamos, principalmente diante da voracidade tecnológica, que tudo reduz ao acelerado imediatismo. Incessantemente conectados, envolvidos no turbilhão dos acontecimentos, anestesiados na superficialidade do que é noticiosamente produzido, perdemos a dimensão do ser.
Perdida a dimensão do ser, a política, que é a expressão da afirmação do bem comum, descamba para o jogo do poder pelo poder, disseminando as mais variadas formas de corrupção.
Sobressai a manipulação. Políticos, consorciados com grandes redes de comunicação social, conspurcam a representação popular. Satisfazem-se todos na farsa da democracia formal porque inexiste qualquer compromisso comunitário e não acontecem atitudes reais e concretas de promoção dos mais necessitados em quadro de acesso amplo à educação e à saúde: permanecem esses, os mais necessitados, na condição de dependentes das benesses oficiais.
Perdida a dimensão do ser, a mulher e o homem degradam-se.
Se eu não tenho o meu ser, como oferecê-lo? Como ser proposta de vida para quem amo? Como amar?
No meu vazio existencial, engano-me buscando preenchê-lo comigo mesmo.
Assim, tantos os desencontros, tantos os abandonos, tanta a violência, tanta a morte, e tudo isso, no vazio do noticiário, meramente sensacionalista, acaba, após espasmos de nossa emotiva postura, a letargiar-nos num simples dizer: “vida que segue”.
Sim, a vida há de seguir, mas jamais como demonstração de conformismo, que é o alimento do inevitável.
A vida há de seguir como o desafio que nos desperta, que nos provoca, que nos move.
Ser livre é desafiar-se, constantemente, para assumir condutas na dimensão do espaço em que vivemos, não importa se amplo ou reduzido esse espaço, mas assumir condutas que nos revelem no que somos, e como somos, e assim rompendo a estagnação da mesmice castradora, pormo-nos em missão para o encontro, que dissipa o que nos distancia; para a construção do que vale ser construído: a dignidade da mulher e do homem em todas as etapas de sua vida.
Retorno a Paulo. À comunidade dos Gálatas, ele disse:
“É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão”. (Gl. 5, 1).
Sim, e com todo o respeito às minha irmãs e aos meus irmãos ateus e agnósticos, a palavra espírito significa: sopro. “Deus é espírito” afirma o evangelista João, no Capítulo 4, versículo 24, desse seu escrito.
O sopro gera o movimento. O movimento rompe a inércia. Rompida a inércia desabrocha a vida. A vida faz nascer a liberdade. E a liberdade é o caminho do ser para que se possa sempre ser.