sábado, 15 de fevereiro de 2020

Para a Luz brilhar nas trevas


     No recente quinto domingo do Tempo Comum, a primeira leitura posta sobre a Mesa da Palavra, extraída dos ditos do profeta Isaías, aguçou-me.
           Disse Isaías:

     “Se, pois, tirares do teu meio toda espécie de opressão, o dedo que acusa e a conversa maligna; se entregares ao faminto o que mais gostarias de comer, matando a fome de um humilhado, então a luz brilhará nas trevas; o teu escuro será igual ao meio-dia” (Is. 58, 9b-10 -Bíblia Sagrada – tradução da CNBB – 2001 – pg. 1020).

            Estamos em tempos de muita escuridão.

     Escuridão porque nos conformamos, e assim nos confortamos, no imediatismo do que se diz, acelerada e superficialmente, como o absoluto verdadeiro.
          Tão útil é saber ouvir, que pede o silenciar, dispor-se, portanto, ao meditar, que tudo pondera para então expressar posicionamento fundamentado
 porque fruto, também, do desejo de conhecer profundamente e não se deixar ludibriai por gestos e palavras de mero efeito porque ausentes de conteúdo.
     Escuridão porque o que se diz, acelerada e impositivamente, assim é dito na expressão do ser autoritário, mascarado na linguagem ardilosa e em chavões destituídos de seriedade.
     Tão útil é dispor-se a apresentar-se como se é, fazendo face, sem truques ou rodeios. Apresentar-se ao diálogo aberto, franco e respeitoso, abdicando de assumir posturas preconceituosas, deseducadas e truculentas.
     Escuridão porque tudo se faz relativo, transitório, manifestação clara do sabor hedonista, fruto do comportar-se egocêntrico e desestruturado, traduzido no: faço o que eu quero; com quem eu quero; quando eu quero; como eu quero. Total ausência de fraternidade: o outro, próximo ou distante, uso-o e o descarto.
     Tão útil fazer do cotidiano o contínuo aprendizado de aproximação das verdades absolutas. Por princípios a nos  guiar na senda de valores compatíveis com a sociedade humanista, cujo primado está na defesa da vida, que não deve ser privada do existir em abundância; que não deve ser impedida de se desenvolver cultural, social e politicamente; que não deve ser censurada por interagir com a natureza numa relação de cuidado e encanto.
     Vida, presente inestimável do Deus-Amor a todas e a todos nós, suas criaturas.
     Sim, criaturas alçadas à dignidade de ser porque dotadas da liberdade no decidir como a vida há de ser vivida.  Porque o Deus-Amor, justo porque é o Amor, nada nos impõe, mas sempre nos propõe.
     Encerro com as palavras do Professor Juan Biosca González:
     “Leonardo Polo explicou com clareza didática que no ser humano termina a evolução das espécies e começa o desenvolvimento cultural. A hominização mostra a evolução do corpo que levou à aparição do homo sapiens sapiens. A humanização vai mostrando que, cada vez mais que o ser humano se serve de melhores instrumentos, as mudanças mais significativas não são tanto morfológicas mais culturais.
Mas revela também um dado inquietante: os hominídeos anteriores desapareceram por falta de destreza técnica. Mas o sapiens sapiens pode desaparecer por excesso ou descontrole da mesma. Se o trabalho perde o seu sentido humano porque se desconecta do sentido transcendente da natureza e o ser humano se sente seu dono e não apenas o seu administrador; se a procriação humana não leva ao crescimento no respeito mútuo entre o homem e a mulher na sua missão de fazer crescer, nutrir e educar os filhos, nada garante que se desenvolva um trabalho leal à natureza, isto é, que a posição superior do ser humano diante a criação não derive em abuso da mesma, pervertendo, assim, o mandato bíblico de crescer, multiplicar-se e dominar a terra por consumir, empobrecer-se e destruir a terra.
O que está em jogo em todas as mudanças sociais é o conceito de pessoa. Para o atual sistema econômico, o ser humano é reduzido a capital humano. Nesse sentido, está subordinado ao cálculo de utilidade. O ser humano tem valor enquanto for produtivo. Quando deixa de sê-lo é um obstáculo, já não interessa mais. Por isso, hoje se fala de população sobrante. As leis do mercado determinam quem são os sobrantes ou descartados: os desempregados, os excluídos, as crianças submetidas à exploração laboral, os imigrantes, o terceiro mundo, os países empobrecidos.
Por tudo isso, mesmo com as limitações que possuímos, é preciso mais do que nunca revalorizar o patrimônio humanizador da Doutrina Social da Igreja. Na sua origem está uma antropologia que salva a nossa humanidade do ecocídio ao qual estamos condenados pelo sistema hegemônico do mercado global”. (leia-se: González, Juan no artigo: A violação dos direitos humanos no trabalho – livro Doutrina Social da Igreja e o cuidado com os mais fracos – Ronaldo Zacharias e Rosana Manzini, organizadores – pg. 95 – Edições Paulinas).