terça-feira, 4 de junho de 2019

PODERIA ESTAR SORRINDO, TAMBÉM


                       

O general chinês Wei Fenghe, ministro da defesa da China, ao tratar do que conhecido ficou como o “Massacre na Praça da Paz Celestial” – quão triste ironia – quando, segundo organizações humanitárias, cerca de 3.000 pessoas, em sua maioria estudantes e trabalhadores foram assassinados no dia 4 de junho de 1989, considerou que:
“Esse incidente foi uma turbulência política e o governo central adotou medidas para deter as turbulências, o que é uma política adequada”. (jornal Correio Braziliense – 3/6/19 – pg. 13).
Outra matéria jornalística, publicada ao lado da que se vem de registrar, tem a foto do Papa Francisco, mães e crianças ciganas à sua frente, seguida de palavras suas endereçadas à comunidade cigana no findar sua visita à Romênia:
“Carrego um fardo: o peso das discriminações, das segregações e dos maus-tratos sofridos por sua comunidade. A história nos diz que até mesmo os cristãos, inclusive os católicos, não são alheios a tanto mal”.
O Papa disse ainda:
“Peço perdão em nome da Igreja ao Senhor e a vocês pelas vezes em que, no curso da história, nós os discriminamos, maltratamos ou olhamos mal”.
É o que se tem hoje.
A autossuficiência dos que não admitem graves erros cometidos no passado; dos que, em deformado espírito de corporação, tentam justificar barbaridades acontecidas, traduzidas em torturas, desaparecimentos, mortes, tudo avalizando em quadro de necessidade da segurança como “política adequada”, para rememorarmos as palavras do general Wei Fenghe.
Essa postura é inaceitável.
A hierarquia e a disciplina jamais podem autorizar a legitimação de toda e qualquer forma de menosprezo pela vida humana.
A vida humana é sagrada porque sopro de Deus que faz o acontecer humano como ápice da criação: “Façamos o ser humano a nossa imagem e segundo nossa semelhança” está no versículo 26, capítulo 1, do Livro do Gênesis.
“Ápice da criação” não para que a mulher e o homem disponham a bel prazer de tudo o mais, criado por Deus, mas “ápice da criação” porque o Deus-Amor, porque não é solidão, necessita comunicar-se; quer amar e ser amado e, assim, oferece à mulher e ao homem esse convite à descoberta e à permanência no amor.
Agora e assim, plenas de sentido as palavras e as atitudes do Papa Francisco.
Pedir perdão.
Pedir perdão é desfazer-se da autossuficiência; abrir o coração e, então, tornar-se humilde.
Humilhar-se é abaixar-se; nivelar-se com a terra (= húmus, que é a raiz da palavra humilde) e não mais exaltar-se; segregar; zombar; violentar; mutilar; eliminar.
Dias recentes marcam, em culminância de estado evidente de desestruturação vivencial, o comportamento de casal homoafetivo feminino a torturar; mutilar, decepando o pênis, e assassinar, esquartejando brutalmente, o menino Rhuan Maycon, filho de uma delas.
Por que tanto desatino?
A ruptura.
A ruptura consigo mesmo que conduz ao desvario, que se expressa em comportamentos pessoais e coletivos de destruição.
Já não sou; já não me possuo; já não me conheço; já não me domino. Entrego-me, com outras e outros, como estou: perdido porque sem raízes.
Lis e Mel, duas gemeazinhas siamesas, unidas pelo crânio, após mais de um mês no Hospital da Criança de Brasília, acabam de ter alta hospitalar e voltam ao seu lar com sua mãe e seu pai.
Disse o Dr. Benício Oton, coordenador de neurologia do Hospital da Criança:
“Conheci a família no ano passado e nós enfrentamos tudo juntos. Na quinta-feira da última semana, quando vimos as crianças sorrindo na enfermaria, nossa equipe também sorriu”. (jornal Correio Braziliense – 4/6/2019 – pg. 22).
Sim, solidarizar-se no “enfrentamos tudo juntos” e olhar as crianças como a fonte dos sorrisos e sorrir, também, torna impossível qualquer ruptura existencial.
Rhuan Maycon, o menino de 9 anos, poderia estar sorrindo, também.  




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