terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A PAZ


                                                

Vivíamos no Brasil ares primeiros de abertura política. A ditadura militar esvaia-se.
Até por isso, na televisão surgiu programa de debates, sintomaticamente chamado: “Abertura”.
Assistia-o, com frequência.
Certa feita, no programa expunham suas ideias o filósofo Alceu de Amoroso Lima e o antropólogo Darcy Ribeiro. Este, de inopino, como lhe era peculiar, questiona, desafiadoramente, Alceu de Amoroso Lima:
“Alceu, o que é a paz?”
Alceu de Amoroso Lima, sereno, responde-lhe:
“Darcy, a paz é o equilíbrio no movimento”.
Essa definição trago-a sempre porque dela sempre me alimento ante as angústias, as tristezas, as decepções, quando me assaltam.
Em inspirado momento a Igreja Católica celebra no dia 1º de janeiro, a propósito do nascer de um novo ano, o Dia Mundial da Paz.
Detenho-me na Mensagem do Papa Francisco para este ano de 2019.
Vale-se do ensinamento de Jesus, presente no Evangelho de São Lucas, que ao missionário – todas e todos nós, verdadeiramente vivendo, havemos de estar em missão – diz-lhe da frase primeira a ser dita: “A paz esteja nesta casa”. (LC 10, 5-6).
Leiamos, a propósito, o Papa Francisco:
“Oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e mulheres que, no meio dos dramas e violências da história humana, esperam a paz. A casa, de que fala Jesus, é cada família, cada comunidade, cada país, cada continente, na sua singularidade e história; antes de mais nada, é cada pessoa, sem distinção nem discriminação alguma. E é também a nossa casa comum: o planeta onde Deus nos colocou a morar e do qual somos chamados a cuidar com solicitude”. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz/2019 – nº 1).
Sim, a paz é oferta. Expressão de entrega, atenção e respeito para quem é oferecida, não importa quem seja. “A todos os homens e mulheres” a paz é oferecida, “sem distinção, nem discriminação alguma”.
E por quê?
Porque todos habitamos a casa, que nos é comum, prossegue o Papa, porque Deus nos deu a habitação para estarmos e, onde estamos, somos e podemos desenvolver nossos dons e nossas capacidades – outros mimos de Deus para conosco -, daí porque “somos chamados a cuidar com solicitude” de nossa moradia: o planeta Terra.
Ora, a casa comum implica na presença da vida comunitária e, assim, a política – a solicitude para com todos os assuntos pertinentes à cidade (= polis) – apresenta fundamental importância.
Afirma o Papa Francisco:
“Se alguém quiser ser o primeiro – diz Jesus – há de ser o último de todos e o servo de todos (Mc 9, 35). Como assinalava o Papa São Paulo VI tomar a sério a política, nos seus diversos níveis – local, regional, nacional e mundial – é afirmar o dever do homem, de todos os homens, de reconhecerem a realidade concreta e o valor da liberdade de escolha que lhes é proporcionada, para procurarem realizar juntos o bem da cidade, da nação, da humanidade. Com efeito, a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições de um futuro digno e justo. Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade”. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz/2019 – nº 2 – grifos do original).
Sim, a política é serviço eficaz comprometido com a realização do bem comum. E o bem comum jamais prescindirá do “respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas”.
Assim, a política transcende a acanhada e deturpada concepção de instrumento de conquista do poder pelo poder para dotar-se de significado profundo e real de “forma eminente de caridade” (= amor).
Por ser manifestação do amor, “as virtudes humanas que subjazem a uma boa ação política são: a justiça, a equidade, o respeito mútuo, a sinceridade, a honestidade, a fidelidade”, conclui o Papa Francisco. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz/2019 – nº 3).
De outra banda, os vícios da política, que desestabilizam a paz social, elenca-os o Papa Francisco:
“... a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou da instrumentalização das pessoas – a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da razão de Estado, a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio”. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz nº 4, grifos do original).
A superação desses vícios – infelizmente tão disseminados neste contexto histórico que experimentamos – requer decidida postura de acolhimento, abandono de preconceitos, disposição para ouvir e, francamente, expor-se, sem subterfúgios.
Ou, como magnificamente escreve o Papa Francisco:
“Torna-se uma confiança dinâmica, que significa fio-me de ti e creio contigo na possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum. Por isso, a política é a favor da paz, se se expressa no reconhecimento dos carismas e capacidades de cada pessoa. Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo”. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – nº 5 – grifos do original e nossos).
E ainda há quem use de suas mãos, transformando-as em revólveres, para atirar.
Quão em completa separação estão esses, e os que os aplaudem, da mensagem evangélica que nos ofereceu o Cristo Jesus.
Termino com as lúcidas palavras do Papa Francisco ao encerrar a sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz.
“Com efeito, a paz é fruto de um grande projeto político que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
- a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência e – como aconselhava São Francisco de Sales - cultivando um pouco de doçura para consigo mesmo a fim de oferecer um pouco de doçura aos outros;
- a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado..., tendo a ousadia de encontro para ouvir a mensagem que traz consigo;
- a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro”.
                                                Paz e Bem!

2 comentários:

Cesar disse...

A paz é o “xalala lala a ô.... xalala lala a ô” .... muitas saudades das suas aulas professor. Forte abraço.

Jaci Caetano disse...

Vamos pregar isso (PAZ, PAZ, PAZ...) exaustivamente, Cláudio, e tentar contaminar essa atmosfera tão carregada que introduziu o nosso 2019!...