Cenas desumanas. A explosão da
violência. Cenas que se repetem, há anos.
Esta última frase – “cenas que se
repetem há anos” – é elucidativa no demonstrar o descaso dos governos – federal
e estaduais – no tratar, séria, lúcida e objetivamente a questão penitenciária.
Aliás, a resposta imediata do governo
Temer bate na velha tecla: “vamos construir mais presídios”.
Equívoco manifesto.
Essa “solução” bem dá a medida de
como é considerado, ou melhor, como não é considerado, quem delinquiu.
Se é bandido, delinquente, marginal,
fica mesmo colocado à margem, depositado num presídio, esquecido, até mesmo
porque não vota, não é cidadão. Daí o jargão policial: “é elemento”. Não é
pessoa.
Certo, a mulher e o homem que
cometeram crimes graves e gravíssimos devem:
- ter sua liberdade perdida,
temporariamente; e
- indenizar o dano causado.
A partir dessas duas premissas
podemos estabelecer que a gravidade do crime é o fator de reclusão temporária e
a reclusão é incompatível com o ócio.
Sim, porque ser a reclusão
temporária, e não perpétua, está na razão direta de se coadunar com a possibilidade real de que quem consumou um delito venha
a mudar de vida, reintegrando-se ao corpo social. Se não, se nisso não se
apresenta o princípio norteador para a questão, então que se introduza a pena
de morte.
A pena de morte é, para mim, a vitória do ódio.
Acabo de assistir documentário sobre
a vida de Madre Teresa de Calcutá. “Luz da minha vida” é como se chama.
A luz existe para que,
necessariamente, nos vejamos. Sem que nos vejamos é impossível que nos
conheçamos. Sem que nos conheçamos é impossível que nos amemos. Sem que nos amemos é impossível fazermos do
próximo, não mais o próximo, mas o nosso outro eu.
Trabalhei, por cerca de 8 anos no
presídio de Brasília, chamado C.I.R., ou seja, Centro de Internação e
Recuperação.
Antes, sentava-me atrás de uma mesa,
como membro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal e, burocrático e
preconceituosamente, opinava sobre os pedidos dos presos por livramento
condicional, indulto, etc. Rejeitava, em larga maioria, todos esses pedidos,
pronunciando-me por seu indeferimento.
Estava eu a poucos quilômetros da
unidade prisional; longe de mim olhar “os elementos” que pediam algo com
previsão legal; e, continuava eu, placidamente, aos domingos indo à missa.
Alguns meses passados e, em conflito
interior, a Deus pedi força, para enfrentar o problema; coragem para afastar o
medo; e discernimento para não me desnortear. Fui ver “os elementos”.
Tantas e tantas vicissitudes, enorme
aprendizado.
Após quase 8 anos, assumindo outra
dimensão funcional, despedi-me de meus irmãos encarcerados – não mais “elementos”, mas irmãos – e
deixei escrito uma frase, até hoje, e sempre, que palpita em meu coração:
“Nunca se perde a esperança, quando há a boa palavra, no bom
momento”.
Megapresídios, como
tolamente se apresentam como solução, são depósitos
de homens, ali jogados no abandono e no ócio.
Servidores públicos do
sistema prisional inserem-se em equivocada compreensão de segurança pública, que superdimensiona o aparato da violência
e do medo e não valoriza o corajoso compromisso funcional de ver e conhecer.
Obscuros personagens de
um mundo, assim obscuro, jamais compreenderão, até mesmo menoscabarão e
repelirão: “que a luz existe para que,
necessariamente, nos vejamos”.
“... na prisão, e fostes
visitar-me” é o ensinamento de Jesus, escrito por Mateus, no capítulo 25,
versículo 36, de seu Evangelho.
Ora, o estar preso não é
estar à margem; não é ser condenado ao ostracismo, não é receber o rótulo de
“elemento”.
O preso não perde a
dignidade de ser pessoa por pior que tenha sido o seu crime, ou crimes
praticados.
Visitar é ver e fazer-se visto para que o itinerário do encontro
seja iniciado.
A obra de Madre Teresa
de Calcutá motiva-se na expressão: “tenho
sede”.
Deus tem sede de nós. E
a sua sede é saciada quando responde à indagação, presente na continuação do
texto, retro citado de Mateus:
“Quando foi que te vimos doente, ou preso, e fomos te visitar? Então o Rei lhes responderá: Em
verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequeninos,
que são meus irmãos, foi a mim que o
fizeste”. (Mt 25, 39-40).
Ou adotamos, e vivenciamos, por esse modo, o sistema
prisional, ou a farsa continua.
Um comentário:
Professor, sua defesa à vida é nossa também. Como educadores, precisamos crer na mudança de consciência e de postura. Gostaria de saber que em cada presídio reside uma proposta pedagógica interventiva e inclusiva.
Só assim, poderemos contar com processos de reeducação.
Para o senhor ter uma ideia, tenho cerca de 300 livros para doar aos presidiários no DF e não encontro um contato que viabilize isso, embora tenhamos legislação que ampare.
Um forte abraço da Sonia Véras.
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