domingo, 7 de abril de 2024

60 ANOS DO GOLPE. GERAÇÕES EM LUTA

 


 

                                                             

 

1964. O fatídico e tenebroso ano do golpe militar que dilacerou gerações.

Nos primeiros três anos dessa década de 1960, continuava-se a viver tempos tão propícios à construção do Brasil desenvolvimentista em todos os setores: na educação, na literatura, na saúde, na música, na agricultura, na indústria e no comércio, no esporte, nas relações internacionais.

Eu, nos meus 18 anos, iniciando o 3º ano do curso Clássico, voltado à área de concentração das ciências humanas, arrebatado, em meio a tantas e tantos amigas e amigos, colegas, propondo-nos contribuir, ativamente, na construção da sociedade brasileira que arrostasse os desequilíbrios sociais, que franqueasse, sem limites, o acesso de todas e de todos, nas peculiaridades de cada qual, ao banquete da vida em plenitude.

Hoje, em 2024, valho-me de texto da advogada Izadora Gama Brito, intitulado “Teto, Pão e Renda”, posto no livro “Realmar a economia – a Economia de Francisco e Clara”, assim escrito:

“É preciso disseminar a informação e travar a batalha de ideias, disputando mentes e corações, resgatando a utopia das cidades como lugar do bem viver, do viver comunitário, solidário, onde as cidades sirvam às pessoas e não a coisas e à especulação imobiliária, grande aliada do capital financeiro.

A cidade pela qual lutamos é aquela em que todas e todos possam ser iguais socialmente, humanamente diferentes e livres de opressões, explorações e discriminações. Esse horizonte de cidades é utópico, mas também realista e necessário; é urgente! Nas palavras do Papa Francisco, nossa luta é por “nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos”. (artigo citado – pg.214).

1965. Ingressando na Universidade de Brasília para cursar a Faculdade de Direito, na esperança juvenil de que se poderia, de algum modo, mantê-la firme nos seus propósitos de pesquisa, docência e aprendizado inseridos em perene diálogo com a Sociedade.

Frustração e tristeza.

O quadro, a tanto causar, bem o traça o Professor Roberto Salmeron no livro que escreveu: “A Universidade interrompida: Brasília 1964-1965”:

“Em outubro de 1965, um ano e meio depois das primeiras expulsões, um outro reitor foi designado pelo presidente da República, também por injunções políticas, os docentes sendo colocados diante de um fato consumado. Recém-chegado, em função que havia cinco semanas apenas e ignorando tudo, realmente tudo sobre a universidade, chamou o Exército e a Polícia Militar para novamente a invadirem. E demitiu, arbitrariamente, mais dezesseis professores, sem acusação e sem possibilidade de defesa, como tinha feito o seu antecessor. O pretexto apresentado a posteriori, foi o de que eram indisciplinados, e indisciplina deveria ser considerada um aspecto da subversão (livro citado – pg. 25/26).

Essa demissão coletiva, caso único na história de universidades no mundo, foi espontânea, não foi programada, nem dirigida do exterior, como alguns ridiculamente pretenderam. Devido à determinação e à união dos docentes houve quem duvidasse da espontaneidade. Por que tal atitude de 223 pessoas? Que fatos levaram tantos, conscientes e responsáveis, a se convencer de que não era mais possível continuar trabalhando nas condições que lhe eram impostas? A situação podia ser resumida numa frase em termos simples: seria possível manter a dignidade de cidadãos e de professores construindo uma universidade cujo corpo docente deveria estar sujeito às arbitrariedades de um reitor e de um ministro da Educação que julgavam normal receber instruções do Serviço Nacional de Informações e de outros serviços policiais? O ministro da Educação dizendo em entrevistas que educação é assunto de segurança nacional? (livro citado – pg. 27/28).

1973 a 2008 atuando no Ministério Público federal e de 1971 até hoje dedicado ao ensino superior, por muitos anos lecionando Direito Processual Penal e, a partir de 2009, Doutrina Social da Igreja.

A oportunidade desafiadora e valiosa de configurar o Ministério Público federal, a partir da redemocratização, não mais como o advogado do Estado-Administração, mas o defensor da cidadania plena na afirmação dos direitos coletivos e pessoais indisponíveis. Servir à Sociedade brasileira no primado da Democracia, que defende as minorias; o meio-ambiente; a cultura; a saúde; o patrimônio histórico; o patrimônio público, e o agente promotor do zelo à paz pública, fundamentalmente na persecução criminal à macrocriminalidade.

O magistério porque o professor é o artífice da esperança. Promove e estimula a reflexão; o debate respeitoso e fundamentado; vive os valores pelos quais vale a pena viver: a fraternidade – o outro como o “meu outro eu” – e o empenho no compromisso cotidiano à afirmação do bem comum.

Retrocessos e avanços.

Retrocessos no ambiente político. A política afunda-se no jogo do compadrio; do “toma lá, dá cá”; do poder pelo poder, travestido em jogadas de “marketing”, alimentadas, inescrupulosamente, pelo uso das “fake news”.

Quão distantes estamos dessas palavras, tão exatas do Papa Francisco, sobre o real significado do ser político:

“Por isso, “a vida política autêntica, que se funda no direito e em um diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração carregam em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais”.

197. Vista dessa maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o “marketing”, as diferentes formas de disfarce da mídia. Tudo isso semeia apenas divisão, inimizade e um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum. Ao pensar no futuro, alguns dias as perguntas devem ser: “Para quê? Para onde estou realmente indo? ”. Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: “Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim? ”. As perguntas, talvez dolorosas, serão: “Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o meu povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Que paz social semeei? O que produzi no lugar que me foi confiado? (Carta Encíclica Fratelli Tutti nº 196/197 – pg. 103/104 – edições CNBB).

A propósito, fechando meu livro de poemas – “Percurso” -, escrevi esse poemeto:

                                        Brevíssimas

                                                  I

                                        Ser presidente,

                                        qualquer presidente,

                                        é ser refém das circunstâncias.

                                                   II

                                        O parlamento é o palco do faz-de-conta,

                                        salvo,

                                        salve a militância.

                                                   III

                                        A justiça é a arte de tornar crível

                                        o incrível,

                                         no vai-e-vem das instâncias.

Por favor, não me tomem como anarquista. Simplesmente, observador crítico do aparato estatal, confiando que mudança possa haver nesse cenário.

Então, é propício apresentar os avanços.

Tenho-os nos movimentos sociais.

Movimentos sociais que, congregando os esquecidos, os marginalizados, os invisíveis no tecido social estabelecido e discriminatório, promovem a cidadania ativa, o protagonismo reivindicatório, a afirmação de espaço próprio, não excludente do “stablishment”, mas incorporando-o, abrindo-o, de sorte que a sociedade não se componha de camadas verticalizadas de pessoas, mas signifique e expresse a colegialidade e a circularidade de todas as suas atrizes, de todos os seus atores, mulheres e homens construindo, diuturnamente, a unidade na diversidade.

Mais uma vez, o Papa Francisco:

“Em determinadas visões econômicas fechadas e monocromáticas, parece que não tem lugar, por exemplo, os Movimentos Populares que reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos. Na realidade, criam variadas formas de economia popular e de produção comunitária. É necessário pensar a participação social, política e econômica segundo modalidades tais “que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governos locais, nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum” e, por sua vez, incentivar para que “estes movimentos, estas experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta, confluam, sejam mais coordenados, se encontrem”. Mas fazê-lo sem trair o seu estilo característico, porque são “semeadores da mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como em uma poesia”. Nesse sentido são poetas sociais que, à sua maneira, trabalham, propõem, promovem e libertam. Com eles, será possível um desenvolvimento humano integral, que implica superar “a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida em um projeto que reúna os povos”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 169 – pg. 90/91 – edições CNBB – grifos do original).

Sejamos poetas sociais!

 

                                                     Paz e Bem!

2 comentários:

Anônimo disse...

Triste realidade essa que observamos.
Alguns cidadãos, cansados da iniquidade, se sentem tão impotentes, que chegam a desejar um novo golpe.
Os que tem fé confiam no Senhor da História.
Marcia Bergo

Anônimo disse...

Artigo forte e realista. Apesar do contexto avassalador criado em 64, Cláudio deixa para os leitores um fio de esperança que não se pode perder!