sexta-feira, 24 de abril de 2020

Á CONSTITUÇÃO TODOS NÓS NOS SUBMETEMOS


                           

Clara a redação do artigo 23, inciso I, da Lei nº 7170/83, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social:
Artigo 23: Incitar
I – à subversão da ordem política ou social.
Qual é o fato que se apresenta diante de todos nós?
O Presidente da República, com plena ciência de que manifestação de correligionários seus articulada em redes sociais, objetivando o fechamento do Congresso Nacional; o fechamento do Supremo Tribunal Federal; e a reedição do Ato Institucional nº 5/1968, que sacramentou a ditadura militar em nosso País, o Presidente da República, capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro, pública e ostensivamente assume protagonismo na condução dessa manifestação.
Por que assume protagonismo na condução dessa manifestação de modo ostensivo?
Porque, de plano, permite que a mesma aconteça no Quartel General do Exército, em Brasília, assim gravemente comprometendo a missão constitucional do Exército nacional, instituição fundamental, como o são as demais instituições militares, para a preservação da Democracia, jamais a sua supressão, porque destinadas “à garantia dos poderes constitucionais” ( artigo 142, caput, da Constituição Federal ).
Porque, e em dado que não se pode obscurecer, ativamente conduz dita manifestação, eis que nela foi o único a discursar, inclusive enfaticamente, fazendo-o por modo totalmente favorável aos manifestantes, que o aplaudiam.
Ora, diante desse quadro, assim cristalinamente posto – e ninguém pode dizer o contrário dada a sua notoriedade – como não se investigar a conduta do Presidente da República?
Essa omissão não tem qualquer respaldo jurídico!
Nem se diga que, no dia seguinte, o Presidente da República afirmou desejar preservar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Fê-lo, e mais uma vez dentro da tática de dizer e desdizer, para aquilatar até onde repercute o que diz, e fê-lo sem deixar de trair a sua vocação despótica ao dizer: “A Constituição sou eu”.
Não!
Todos nós nos submetemos à Constituição e, como ela mesma explicita no seu artigo 102, caput, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”, jamais e em tempo algum ao Presidente da República.
Que o Procurador-Geral da República, enfaticamente testemunhando a missão constitucional, que lhe é reservada, de agir, sempre, com independência ante os Poderes que constituem o Estado brasileiro, porque ele não é servidor do Estado, mas da Sociedade brasileira, não se acanhe e seja fiel ao mandamento constitucional posto no artigo 127 da Constituição Federal, que expressamente diz ser o Ministério Público:
“...instituição permanente...incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático...”
No que se está a refletir, muito conveniente aqui avivarmos as palavras do Papa Francisco, no discurso feito quando de visita à Organização das Nações Unidas – ONU – em 25 de setembro de 2015:
“Nesse contexto, convém recordar que a limitação do poder é uma ideia implícita ao conceito de direito. Dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica da justiça significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar onipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais. A efetiva distribuição do poder (político, econômico, militar, tecnológico, etc.) entre uma pluralidade de sujeitos e a criação de um sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos interesses realiza a limitação do poder”. ( grifos nossos ).
Outro fato, hoje acontecido.
A renúncia do Ministro da Justiça Sergio Moro.
O Ministro Sergio Moro, com equilíbrio e firmeza, apresenta eventos gravíssimos porque estampam a presença de ilícitos criminais imputados ao Presidente da República.
Detenho-me em um deles.
Declara o Ministro que o ato oficial, assinado e mandado publicar pelo Presidente da República, cujo conteúdo estampa ter acontecido a exoneração do Diretor-Geral da Polícia Federal por atender pedido do Delegado Maurício Valeixo, subscrito, tal ato, também por ele Ministro, tal ato é falso.
Falso porque o Diretor-Geral Maurício Valeixo não formalizou o pedido de exoneração e porque ele, Ministro Sergio Moro, não assinou tal ato.
Tem-se, assim, diante, fato tipificado no Código Penal brasileiro como falsidade ideológica, que se apresenta quando o agente ativo faz inserir em documento público declaração que não corresponde à verdade.
Também o controle e utilização da Polícia Federal para fins políticos, como o Ministro Sergio Moro imputou, com todas as letras, ao Presidente da República, inclusive declarando frase utilizada por este, caracteriza o ilícito de prevaricação que acontece quando o agente público pratica ato contra legem para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Mais uma vez, trago à colação a figura do Procurador-Geral da República porque o único legitimado a abrir investigação contra o Presidente da República em delitos de natureza pública.
Ao tempo em que escrevo este artigo, o mesmo permanece em silêncio.
Ora, e em relação ao delito de falsidade ideológica, o Procurador-Geral da República, de imediato, como o fiz algumas vezes quando exerci esse honroso cargo, dada a sua pouca complexidade, como narrado, de logo poderia convidar o ex- Ministro Sergio Moro e o ex-Diretor-Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, para, diante de si, prestarem esclarecimentos, ouvindo, em seguida, o Presidente da República a que pudesse formar o seu juízo conclusivo sobre o ajuizamento, ou não, da denúncia contra o Presidente da República pelo crime de falsidade ideológica ante o Supremo Tribunal Federal.
Termino com lúcidas palavras de São João Paulo II, ditas na sua Carta Encíclica “Centesimus Annus”:
“A este propósito, é necessário notar que, se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as ideias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto, ou dissimulado, como a história demonstra”. ( Carta Encíclica Centesimus Annus nº 407 em transcrição presente no Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg.230).

                                              Paz e Bem.
    





terça-feira, 14 de abril de 2020

O coronavírus parou a Igreja?


                                 

Essa pergunta me dirigiu um irmão da fraternidade franciscana, e mais: pediu-me que a respondesse em artigo escrito.
A pergunta, se a considerarmos apressadamente, conduz-nos a uma resposta simplória: sim, porque as igrejas estão fechadas, vazias.
Essa resposta é típica de muitas pessoas que expressam o estado de coisas atual.
Pessoas que se comportam na superficialidade.
Fazem o que sempre fazem numa perspectiva materialista, alimentadas pelo mero consumir, por consumir, porque estão centradas em si mesmas e impelidas a gravitarem em torno do que é provisório, como se definitivo fosse, ou seja: querem o aplauso; serem vencedoras em tudo; saírem-se sempre perfeitas.
Ora, essa pandemia propicia-nos o cair em si pelo silêncio, pela oração, pela reflexão.
Recordemo-nos da parábola do filho pródigo: quando caiu em si, levantou-se e caminhou humilde, mas resolutamente, para seu Pai.
Portanto, mais do que nunca é tempo de transformar, em fundamental aprendizado a que o impostergável isolamento social nos conduz, as nossas casas em igrejas domésticas.
Abramos espaço à oração diuturna com quem está conosco; à presença real nas celebrações eucarísticas, ou de outra índole religiosa, que nos chegam pelos instrumentos de comunicação social; à leitura e reflexão sobre textos tão plenos de sabedoria, constantemente produzidos por pessoas seriamente dedicadas ao compromisso religioso.
Muito a propósito, entrego-lhes dois textos extraídos da pregação do Frei Raniero Cantalamessa, pregador oficial da Casa Pontíficia há exatos 40 anos, pregação acontecida na Sexta-Feira da Paixão do Senhor, na Basílica de São Pedro:
“A pandemia de coronavírus nos despertou bruscamente  do perigo maior que sempre correram os indivíduos e a humanidade, o do delírio da onipotência. Temos ocasião – escreveu um conhecido rabino judeu - de celebrar este ano um especial êxodo pascal, “o do exílio da consciência”. Bastou o menor e mais informe elemento da natureza, um vírus, para nos recordar que somos mortais, que o poderio militar e a tecnologia não bastam para nos salvar. Não dura muito um homem rico e poderoso – diz um salmo da Bíblia – é semelhante ao gado gordo que se abate ( Sl. 49, 21 ). E é verdade”.
Sim, é cristalina verdade.
A pandemia é fruto do total descontrole de uma humanidade perdida pela ausência de valores eternos; perdida pela absoluta ausência do conduzir-se com sabedoria, que pede o acolher, o cuidar, o restaurar vidas em toda a sua plenitude.
Ainda o Frei Raniero Cantalamessa:
“Ele ( Deus ) deu também à natureza uma espécie de liberdade, claro, qualitativamente diversa daquela moral do homem, mas ainda assim, sempre uma forma de liberdade. Liberdade de evoluir-se segundo as leis de desenvolvimento. Não criou o mundo como um relógio pré-programado em cada mínimo movimento. É o que alguns chamam de acaso, e que a Bíblia chama, ao contrário, de sabedoria de Deus.
Portanto, toda pandemia acontece, também quando o mau uso de nossa liberdade massacra os ritmos livres da natureza.
O coronavírus não parou a Igreja.
A Igreja, porque livre nas dimensões em que se apresenta – doméstica; paroquial; diocesana – jamais será detida.
São palavras de Jesus, presentes no Evangelho de São João:
“Eu vos disse estas coisas para que, em mim, tenhais a paz. No mundo tereis aflições. Mas tende coragem. Eu venci o mundo. ( Jo. 16, 33 ).

                                                    Paz e Bem.