sábado, 4 de dezembro de 2021

PORQUE É NATAL

 

Encontrar-se com Jesus

no simples bom-dia oferecido

no canto de muitos cantos da passarada em revoada

nas lágrimas de tantas e tantos vitimados todas e todos pela insanidade das guerras

no silêncio dos esquecidos, dos invisíveis aos olhos desatentos, seduzidos, corrompidos no frenesi do poder, do prazer, do possuir

E dizer-lhe

vem Senhor

porque todo o dia é dia de fazer-se bom se, mãos estendidas, acolhemos

vem Senhor

porque o canto há de sempre ser cantado quando em sorriso se faz e carinho nos traz

vem Senhor

não nos deixe desanimar, as trevas clareie, nossos corações incendeie e nos impulsione o movimento da paz

vem Senhor

para que nossas vozes não cessem jamais, realizem o contínuo dar-se aos demais, conheçamos, então, o Teu sempre acontecer, o Teu sempre nascer e nos deixemos por Ti envolver, e viver.

 

                                                                Paz e Bem

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

SOMOS "FRATELLI TUTTI"

 

                                           

 

Olho para o Brasil. Meu olhar traz-me sentimento de desaprovação no que suas elites de governo, de legislar e de julgar nos proporcionam.

De governo porque o despreparo para o exercício de tão relevante missão é notório.

Estamos a ouvir linguajar grotesco, chulo mesmo, a revelar a completa carência no estimular e promover, concretamente, o exercício da cidadania participativa, inspirada no realizar incansavelmente o bem comum; no motivar a fazer viver a solidariedade como o espaço sem preconceitos, sem hostilidade, sem violência por qualquer forma, espaço, como bem disse o Papa Francisco em encontro preparatório de “fé e ciência para a COP 26”, “do olhar da interdependência e partilha; do motor do amor e da vocação ao respeito”.(grifei)

A truculência é a expressão mais degradante do ser humano.

Urge reconhecer o pôr-se à mesa para dialogar no saber ouvir, no saber pausar, no deixar-se impelir pelo propósito de construir juntos em meio às especificidades de cada qual.

Somos “Fratelli Tutti”.

E, na trilha do Papa Francisco:

“Este é um desafio que surge perante a necessidade de contrariar aquela cultura do descartável, que parece prevalecer na nossa sociedade e que se instala no que o nosso Apelo Conjunto chama de “sementes de conflitos: ganância, indiferença, ignorância, medo, injustiça, insegurança e violência”. São essas mesmas sementes de conflito que causam graves feridas que infligimos ao meio ambiente, como mudanças climáticas, desertificação, poluição, perda da biodiversidade, levando ao rompimento “daquela aliança entre o ser humano e o meio ambiente que deve ser espelho do amor criativo de Deus, do qual viemos e para o qual caminhamos”. (Texto para o encontro preparatório fé e ciência para a COP 26).

A elite de legislar, outrossim, deixa tanto a desejar.

Prevalecem as posturas de ganho desenfreado e contínuo, simbolizadas no reeleger-se infindável e disseminadas no compadrio até mesmo de índole familiar: filhos e filhas; pais e mães em sucessão, ou simultaneamente, reproduzem-se nas várias casas legislativas, assim loteadas.

Tais comportamentos desnaturam a representação política, já comprometida por posturas dos que a exercem como meros instrumentos do poder econômico-financeiro.

Mais uma vez, o Papa Francisco no tópico alusivo à “Política Necessária”, na sua Carta Encíclica “Fratelli Tutti”:

177. “Gostaria de insistir que “a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia” (LS, n. 189). Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito às leis e a ineficiência, “não se pode justificar uma economia sem política porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise atual” (LS, n. 196). Pelo contrário, “precisamos de uma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo em um diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise” (LS, n. 197). Penso em uma “política salutar capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas” (LS, n. 181). Não se pode pedir isso à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado.

178. Perante tantas formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que “a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever em um projeto de nação” (LS, n 178) e, mais ainda, em um projeto comum para a humanidade presente e futura. Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra “é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”. (Fratelli Tutti nº 177/178 – pg. 94/95, grifos do original).

Eis trecho tão lúcido.

Vital que seja posto em prática nos mais variados âmbitos do nosso viver.

A elite de julgar não escapa, também, do juízo crítico.

Aliás, tanto a crítica como a crise são momentos que nos motivam ao cair em si, ao rompermos com a indiferença, com a arrogância, com o fechamento, então nos abrindo ao “tudo ponderar para reter o que é bom”, como São Paulo escreve na Primeira Carta aos Tessalonicenses (1Ts 4, 21).

Julgar não é se por acima.

Julgar é ombrear-se para, mais do que impor, ensinar.

Julgar é conduzir-se com equidistância, mas fazer-se presente, sem agrados, sem recompensas, sem vaidades. Simplesmente, fazendo-se obediente a sua consciência e a sua ciência, empenhar-se como servidor da Justiça.

Encerro com as palavras do Papa Francisco:

115. “Nestes momentos em que tudo parece diluir-se e perder consistência, faz-nos bem invocar a solidez, que deriva do fato de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros na procura de um destino comum. A solidariedade manifesta-se no serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. Nesta tarefa, cada um é capaz de por de lado as suas exigências, expectativas, desejos de onipotência, à vista concreta dos mais frágeis (...) O serviço fixa sempre o rosto do irmão, toca sua carne, sente sua proximidade e, em alguns casos, até padece com ela e procura a promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 115 – pg.63 – grifos do original e meus).

 

                                                 Paz e Bem.

 

 

 


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terça-feira, 17 de agosto de 2021

O SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 


 

                                                           

 

Preceitua o artigo 129 e seu inciso I de nossa Constituição Federal:

Artigo 129 – “São funções institucionais do Ministério Público:

                  I – Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.

Isso significa que somente os membros do Ministério Público – “promover privativamente -  podem acusar alguém ante o Poder Judiciário pelo cometimento de crime que ofenda não só a pessoa, mas a coletividade, para isso promovendo a ação penal pública.

Separadas e autônomas são, portanto, no processo criminal brasileiro as funções de acusar – tarefa exclusiva dos membros do Ministério Público, repito – e de julgar, essas entregues aos juízes, desde o 1º grau de jurisdição até aos ministros de nossa Corte maior de Justiça: o Supremo Tribunal Federal. É o chamado sistema processual acusatório, garantia da cidadania, expressão da democracia porque países há em que as funções de investigar, acusar e julgar concentram-se em pessoa única: o juiz, no denominado sistema processual inquisitório.

Portanto, no sistema processual acusatório o membro do Ministério Público não pode ser espectador, não pode ser procrastinador.

Tem o inafastável dever de se definir por acusar – age positivamente -; de se definir por propor o arquivamento do que investigou, por considerar que crime não há, ou porque a pessoa investigada não é a autora do crime acontecido – age negativamente –; ou se conduz pela necessidade de se continuar com a investigação, apontando, objetivamente, que diligências devem ser realizadas.

Justo a que sempre se posicione, e jamais abdique de fazê-lo, ou o faça acanhadamente, a própria Constituição Federal estatui, expressamente, como princípio institucional: a independência funcional (artigo 127 § 1º da Constituição Federal).

Em nosso sistema constitucional pessoas há, não por si, mas pelo cargo que ocupam, e enquanto o ocupam, que devem ter suas condutas avaliadas não pelo juiz de 1º grau, mas pelos colegiados superiores.

Tal se dá, por exemplo, no exame de condutas do presidente da República, de ministros de Estado, de senadores da República, de deputados da Federação.

Nesses casos exemplificados, o processo criminal tramita e é definido, originariamente, no Supremo Tribunal Federal e o Promotor natural para se posicionar ante tais fatos, imputados a ditas pessoas, é o procurador-geral da República.

Mas, e se o procurador-geral da República se omite no desempenho de tão relevante atribuição?

Antes de se responder a essa indagação, importa perquirir: como caracterizar a omissão?

Indicativo inicial do quadro omissivo está no delegar essa atribuição, que lhe é própria, a pessoa de sua mais estrita confiança: o vice-procurador geral da República, porque pessoa por ele escolhido em ato pessoal e monocrático.

Depois, aquiescer com manifestações processuais do vice-procurador geral da República que traduzem se comportar, funcionalmente, como mero espectador ao invés de assumir o protagonismo investigatório; postura essa de mero espectador que enseja deliberações judiciais no sentido de que só se abra vista do caderno investigatório ao procurador-geral da República após cumpridas todas as diligências deferidas judicialmente; ou no sentido de se fixar prazo para que o procurador-geral da República se pronuncie; ou, ainda, no sentido de que seja questionado o procurador-geral da República sobre o porquê de não ter proposto a investigação sobre pessoas, cujo posicionamento no desenrolar dos fatos não autoriza sejam excluídas da apuração.

Formado esse quadro, que bem caracteriza a omissão funcional, necessário, agora, que tornemos à pergunta: “Mas, e se o procurador-geral da República se omite no desempenho de tão relevante atribuição”, mormente se os fatos se constituem em condutas antidemocráticas a envolver a segurança e independência do Supremo Tribunal Federal e de seus ministros, e também conduta funcional do presidente da República, passível de exame sob a ótica do delito de prevaricação?

Incide, plenamente, à espécie o disposto no artigo 57, inciso X, da Lei Complementar nº 75/93:

Artigo 57 – “Compete ao Conselho Superior do Ministério Público Federal:

               X – Designar Subprocurador-Geral da República para conhecer de inquérito, peças de informação, ou representação sobre crime comum atribuível ao Procurador-Geral da República e, se for o caso, promover a ação penal”.

Por óbvio: para essa deliberação impedidos estão de nela participarem, por qualquer modo, o próprio procurador-geral da República e seu vice-procurador geral da República.

Eis palavras, para mim tão apropriadas, do Papa Francisco, proferidas no Palácio Presidencial de Bagdá, no dia 5 de março do ano em curso, por ocasião de Reunião com as Autoridades, a Sociedade Civil e Corpos Diplomáticos ao ensejo de sua Jornada Apostólica ao Iraque:

“É necessário enfrentar o flagelo da corrupção, do abuso de poder, e da ilegalidade, mas não basta. Ao mesmo tempo, é preciso construir justiça, aumentar a honestidade, a transparência e fortalecer as instituições responsáveis por isso”.

Encerro com o trecho final da “Nota da CNBB diante do atual momento brasileiro” dada a público em 9 de julho do ano em curso:

“Apoiamos e conclamamos às instituições da República para que, sob o olhar da sociedade civil, sem se esquivar, efetivem procedimentos em favor da apuração, irrestrita e imparcial, de todas as denúncias, com consequências para quem quer que seja, em vista de imediata correção política e social dos descompassos. ”

 

                                                 Paz e Bem.

 

 

sexta-feira, 23 de julho de 2021

LOUVADO SEJA DEUS

 

                                     

 

Está na Constituição Pastoral Gaudium et Spes a tratar das relações Igreja-Mundo, como enfatizadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, essa definição de família:

“A família – na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social – constitui assim o fundamento da sociedade”. (GS nº 52 - §2º - edições paulinas – 8ª edição – pg. 73).

Definição que a tenho por primorosa.

Apresenta a família como lugar de encontro intergeracional: bisavó-bisavô; avó-avô; mãe-pai; filha-filho; neta-neto; bisneta-bisneto. Encontro intergeracional caracterizado por ajuda mútua em aprendizado de vida.

Sim, se é certo que a experiência se aprimora no decurso do tempo, todavia cada geração, pela peculiaridade que necessariamente apresenta, ainda que se esteja em tenra idade, mas desde que possa exprimir seus sentimentos em gestos ou em palavras, contribui à formação do conjunto de relações.

Somos seres relacionais.

Não somos vocacionados à solidão, mas à comunhão.

A Trindade Santa é a expressão evidente de que o Deus-Amor é comunhão, jamais solidão.

A sabedoria é alcançada, plenamente, no encontro que nos propicia o saber ouvir e o saber falar, enfim o saber dialogar.

Em tempos obscuros, como o que estamos a presenciar, as vozes são vozes solitárias, isoladas, arrogantes, grosseiras, vulgares.

A mulher e o homem sábios vocacionam-se ao encontro.

 Ângela e eu nos casamos. Flavia, Fernanda, Claudia e Gabriel iluminam o nosso amor. Maria Clara, Rafael, André, Lucas, Heitor e Artur mantém o brilho da Luz. Gilmar e Martim agregam mais luz à luz.

A sabedoria concilia.

Conciliar é fruto do encontro e do diálogo.

Conciliar impede a exaltação do ego. Domestica o egocentrismo, marca forte dos dias de hoje, centrado no incessante fazer e fazer o que eu quero; quando eu quero; como eu quero e com quem eu quero.

Conciliar abre-nos ao outro, “às outras exigências da vida social”.

Assim, o eu se encontra com o nós. O outro é o meu “outro eu”. Com ele me envolvo, concretamente. Fazemos parte um do outro. Não nos dissociamos. Atingimos patamar mais amplo na dimensão familiar por ir além dos laços de sangue e de afinidade. Atingimos a família comunitária. Alcançamos a inteira família humana e, então, nossa visão de mundo, em compreensão necessariamente alargada, transcende fronteiras, ultrapassa nacionalismos histéricos, experimentamos as primícias do totus tuus no aconchego de nossa Mãe Maria, ou seja, a humanidade integralmente reconciliada com o Deus-Amor.

Sonhador?

Sim porque o sonho é o alimento da vida.

Sonhei casar; sonhei casar com Ângela; sonhei constituir família.

Com Ângela casei-me e a família aconteceu.

Percalços, angústias, dores, perdas sobrevieram?

Sim.

Tudo, porém, superado porque como ensina São Paulo a partir da Carta aos Coríntios:

“O amor jamais passará”.

Celebramos, Ângela e eu e a família nossos 50 anos de vida conjugal.

O que dizer?

Louvado seja Deus.

 

                                                               Paz e Bem.

 

 

                                                       

 

domingo, 4 de julho de 2021

O CRIME DE EPIDEMIA

 

                                

 

                                                                 Claudio Fonteles

 

 

O artigo 267 do Código Penal assim tipifica o crime de epidemia:

Artigo 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena – reclusão de 10 ( dez ) a 15  ( quinze ) anos;

§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º - No caso de culpa, a pena é de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, ou, se resulta morte, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

A palavra epidemia é de origem grega: epi = sobre; demos = povo.

A lição de Cezar Roberto Bittencourt:

“Refere-se, nesses termos, de maneira descritiva, à afetação da saúde de um número significativo de pessoas pertencentes a uma coletividade, numa determinada localidade ou em determinado evento. Aspecto característico de uma epidemia é o elevado número de uma mesma enfermidade, por exemplo, como coronavírus, durante certo período de tempo, com relação ao número de casos normalmente esperados ou previsíveis”. (https://static.poder360.com.br/2020/04/epidemia-cezar-bittencourt.pdf).

Prossegue o citado autor e pontua que à caracterização desse ilícito criminal:

- indispensável serem os fatos provocados por ação humana;

- a identificação dos meios utilizados para a propagação dos germes patogênicos; e

- a idoneidade dos meios para a propagação da epidemia.

Há pensamento no sentido de que o crime de epidemia não se configura porque:

“9. A doutrina manifestada após a irrupção da emergência sanitária decorrente da covid-19 se une na convicção de que os tipos presentes no capítulo do Código Penal que trata dos crimes contra a saúde pública têm pouca ou nenhuma importância no que diz respeito às consequências jurídico-penais da pandemia do novo coronavírus. Um deles, tido como improvável e irrelevante, o do art. 267 daquele diploma legal.

10. Uma das razões que explicam esse fenômeno tem a ver com a impossibilidade material do surto do novo coronavírus ser imputado a uma pessoa. É que resultando a propagação da covid-19 de uma transmissão difusa e, alguns casos, já sustentada, a reconstrução de sua cadeia de propagação acaba sendo, na prática, inviável. Assim, para que a aplicação do mencionado tipo penal pudesse ser exequível no atual contexto epidemiológico, seria necessário admitir-se a possibilidade de se encontrar e punir a pessoa que deu origem à pandemia, algo que, naturalmente, não se pode cogitar”. (Despacho do vice-procurador geral da República Humberto Jacques de Medeiros no PGR nº 00041180/2021 – pg. 3/4 - datado de 11/02/2021).

Acanhadíssima e, portanto, injurídica e falha é tal compreensão.

Causar epidemia não se reduz à exigência de ser imputado a uma pessoa a origem na disseminação do surto do novo coronavírus.

O tipo penal – causar epidemia – fica plenamente reconhecido em condutas de quem, presente o quadro epidêmico, dissemina-as.

Vamos, então, aos fatos do mundo real.

Presidente da República, no exercício desse cargo, sistemática e iterativamente, menosprezando a difusão generalizada do novo coronavírus a gerar crescente e alarmante número de óbitos, valendo-se, frequentemente, dos meios de comunicação pública, conduz-se, consciente e deliberadamente, por modo que:

- Menospreza e satiriza os procedimentos apregoados pela ciência como fundamentais para que não se difunda a epidemia, tais: a utilização de máscaras e o impedir-se aglomerações públicas. Ostensiva e continuadamente Jair Bolsonaro promove aglomerações e desafia o uso de máscaras;

- Ridiculariza e óbices cria à implementação de vacinas, posicionando-se na defesa, até mesmo assumindo patéticas atitudes – correr atrás de uma ema mostrando o remédio cloroquina – do uso desse medicamento, cientificamente comprovado como inútil no tratamento da Covid-19;

- Demagogicamente enfatiza oposição entre o direito de ir e vir para a própria subsistência das pessoas e as medidas de isolamento comunitário quando, e por óbvio, não existe tal contradição porque restrições ao direito de ir e vir são perfeitamente legais e legítimas para a salvaguarda de bem maior, que é o bem comum, estampado na defesa da vida da coletividade. Por outra perspectiva, restrições que aconteçam, porque temporárias, não afetam a economia, antes ensejam que sua retomada seja gradativa e segura.

Eis fatos bastantes, incontestes, notórios, reiterados que autorizam a incidência do crime de epidemia propiciando a formalização da pretensão punitiva.

Insubsistente, portanto, a afirmação do subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros no sentido de que:

“14. Ora, a compreensão da norma não pressupõe perspectiva nela mesma, e sim nos fatos” (Despacho mencionado – item 14 – pg. 5).

Os fatos aí estão “bastantes, incontestes, notórios”, reiterados” reafirmo. Como arquivá-los em singela canetada?

Diga-se mais: o subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros centra-se em manifestação sua anterior, referendada pelo ministro Marco Aurélio (fls. 6/10) e outra do próprio ministro Marco Aurélio (fls. 10) na trilha do arquivamento de dois pleitos.

Ocorre que essas ventiladas situações não guardam qualquer similitude com os fatos retro expostos.

Com efeito, a notitia criminis examinada pelo subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros, referendada pelo ministro Marco Aurélio, cuidou de manifestação do advogado André Magalhães de Barros focando uma única atitude do presidente da República Jair Bolsonaro, cumprimentando e abraçando pessoas no dia 15 de março de 2020 (Despacho mencionado na transcrição feita no item 17 – pg. 6).

Aqueloutra, que se traduziu no arquivamento do quanto se continha na Petição nº 8759/DF, por decisão monocrática do ministro Marco Aurélio, também se cingiu a contemplar evento isolado e datado de março de 2020.

Ora, dois fatos isolados e nos instantes iniciais de situação ainda não caracterizada como epidemia, por manifesto em nada se assemelham aos fatos aqui articulados “bastantes, incontestes, notórios, reiterados”, consumados por Jair Bolsonaro, fatos tantos e todos, que não cessam de acontecer.

Faz-se imperativa, concluo, a formalização da pretensão punitiva.

 

domingo, 25 de abril de 2021

O CASO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

 

                                 

 

Sempre disse, e mantenho o que disse, que decisões judiciais devem ser cumpridas, delas gostemos, ou não, o que não nos impede, todavia, de as analisarmos e discutirmos.

Portanto, indevido é o aforismo: “decisão judicial não se discute, cumpre-se”.

Indevido porque um dos pilares da democracia radica no fazer transparecer, jogar luzes para dialogar e debater sobre o que acontece.

Nada, no regime democrático, pode ser silenciado, oculto, engavetado, esquecido.

Decisões judiciais acontecidas propiciam o debate.

Proclamadas, cumprem-se a todos obrigando sua observância.

Por que assim?

Porque o Poder Judiciário, poder não seria se, por sua razão de ser – decidir os litígios que lhe são apresentados -, o que decidisse nada significasse porque destituído de força vinculativa e cogente.

Em conclusão: decisões judiciais cumprem-se, mas devem ser discutidas por quem queira fazê-lo.

Detenhamo-nos, então, no recente julgamento de nosso Supremo Tribunal que concluiu ser o ex-juiz federal Sergio Moro suspeito no processo criminal ajuizado por procuradores da República contra o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.

Decisão correta.

Primeiro ponto que abordo: o fato de se ter declarado a incompetência do Juízo de Vara Criminal de Curitiba não torna prejudicada a decisão sobre a suspeição do então juiz federal Sergio Moro, titular da aludida Vara por onde tramitou o processo.

É que o exame da arguição de suspeição da pessoa do juiz precede, necessariamente, o exame de qualquer outra exceção processual.

E por que assim?

Porque o atributo essencial da magistratura é a imparcialidade.

Não se pode admitir que um juiz decida algo, se for parcial.

A primeira e indispensável indagação que todo e qualquer juiz há de se propor, quando lhe chega às mãos pedido judicial, é: posso conhecer e julgar essa causa porque sou imparcial?

Depois disso, e em passo seguinte, é que deve analisar se o juízo em que atua é competente.

Em conclusão: a suspeição é do juiz; de sua pessoa específica, questionando-se se é, ou não, parcial. A competência, em sentido jurídico-processual, não tem nada a ver com a pessoa do juiz. A competência diz com o Juízo, ou seja, se o Juízo em que o juiz atua – seu local de atuação, portanto – fixa a competência dele para o caso, ou se o juízo competente é outro porque outro o local onde tudo aconteceu.

Eis porque o artigo 95, inciso I, do Código de Processo Penal prescreve que a primeira exceção a ser oposta é a de suspeição:

Artigo 95 – Poderão ser opostas as exceções de:

               I – suspeição. (grifei)

E o artigo 254, também do Código de Processo Penal, é textual no determinar ao juiz que, de plano, avalie se é, ou não, suspeito para qualquer causa que lhe chegue:

Artigo 254O juiz dar-se-á por suspeito e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes. (grifei).

Passo ao segundo ponto: ouço, mormente em comentários televisivos, que a decisão assentando a suspeição de Sergio Moro em relação aos processos envolvendo a pessoa de Luiz Inácio Lula da Silva pode propiciar a extensão do reconhecimento da suspeição para todos os demais acusados e condenados no chamado “escândalo da Petrobrás”.

Tais comentários são inexatos.

De plano, não é dito o porquê da possibilidade.

Não há o porquê, porque não há essa possibilidade.

E essa possibilidade não existe porque os diálogos, que bem retratam a suspeição, e que são travados basicamente entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, e entre este e colegas outros, todos envolvidos na chamada “operação Lava Jato”, circunscrevem-se à pessoa de Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos diálogos nenhuma alusão se faz a qualquer outra pessoa por modo que se permita estabelecer qualquer realidade indicativa de suspeição do ex-juiz Sergio Moro em relação a essa outra pessoa.

O terceiro ponto diz com a imprestabilidade como meio de prova judicial de dados obtidos por interceptação telefônica criminosa.

Peço licença a todas e a todos para reproduzir o que disse, em artigo escrito com outros colegas, e publicado sob o título: “Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais”:

“Não há de prosperar o argumento de que em se tratando de conversa privada sua interceptação e publicização invalidaria essa prova, assim apresentada. As circunstâncias mostram, ao contrário, que as revelações têm caráter político e as conversas são sobre temas públicos.

Fatos gravíssimos revelados, se se vive em sociedade autenticamente democrática, não podem ser escondidos, colocados sob o manto do silêncio para que sejam esquecidos. Tais fatos são certos. Os diálogos existiram. O teor das conversas não foi negado.

A transparência é o melhor instrumento da verdade, assim posta ao conhecimento de todos. O esquecimento sobre o conduzir-se de quem quer que seja agente público não se compraz com o necessário controle da cidadania participativa.

O membro do Ministério Público, portanto, não pode, por qualquer meio, mancomunar-se com o julgador; aceitar qualquer tipo de instrução ou orientação advinda do juiz da causa, porque o membro do Ministério Público tem a missão constitucional relevante “de defesa da ordem jurídica e do regime democrático” – artigo 127 da Constituição Federal – pelo que é fiscal da correta aplicação da lei, mostrando-se intolerável sua ostensiva participação em privilegiar-se de comportamento judicial, que o favoreça unilateralmente.

Os personagens dos diálogos acima, na dimensão dos fatos postos, não representam a magistratura federal nem o ministério público federal

Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais”.

(consulte-se: www.claudiofonteles.blogspot.com).

 

 

 

 

                                                 Paz e Bem.  

 

 

  

 

 

 

domingo, 11 de abril de 2021

"ESPERANDO CONTRA TODA ESPERANÇA"

 

                 

 

É mensagem fundamental, para mim, advinda do escrito de São Paulo na Carta aos Romanos (Rm 4, 18).

A esperança não é olhar para o futuro e desejar que algo aconteça, adiante.

Também não é a esperança o adotar comportamento passivo de quem, inerte, aguarda que algo surja, de repente.

A esperança é o que nos move, o que nos dinamiza, sem interrupção, apesar dos tempos sombrios estampados na bestialidade, na arrogância, na violência, no menosprezo, na vulgaridade das palavras e dos comportamentos.

“Esperando contra toda esperança” é saber, sentindo em nosso íntimo – e necessitamos tanto de mergulharmos no nosso íntimo para conhecermos o que somos e desfazermo-nos de nossas aparências -, que somos seres da possibilidade perene.

Não estamos predestinados a nada.

Temos a vida, que nos é dada pelo Deus-Amor, para realizarmos, cotidianamente, o bem.

A propósito, palavras tão significativas do Papa Francisco em sua Carta Encíclica “Fratelli Tutti”:

“No Novo Testamento, menciona-se um fruto do Espírito Santo (Gl 5,22), expresso em grego pela palavra agathosyne. Indica o apego ao bem, a busca do bem; mais ainda, é buscar aquilo que vale mais, o melhor para os outros: seu amadurecimento, seu crescimento em uma vida saudável, o cultivo dos valores, e não só o bem-estar material. No latim, há um termo semelhante: bene-volentia, isto é, a atitude de querer o bem do outro. É um forte desejo do bem, uma inclinação para tudo o que seja bom e exímio, que impele a encher a vida dos outros com coisas belas, sublimes, edificantes”. (Fratelli Tutti – nº 112 – pg. 62).

Por isso, a esperança não admite a desistência.

Por isso, a esperança impele-nos para além do que ela própria circunscreve: “Esperando contra toda esperança”.

Linha atrás, disse dos “tempos sombrios”.

Uma das causas está na distorção e, portanto, na falência do que é ser líder.

Precisa, nesse passo, a análise do Papa Francisco na Carta Encíclica “Fratelli Tutti”:

159. Existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir de um povo, sua dinâmica cultural e as grandes tendências de uma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum. Mas degenera em um populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém de atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, a serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas de alguns setores da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou sutis, o servilismo das instituições e da legalidade”. (Fratelli Tutti nº 159 – pg. 85).

Exato.

O verdadeiro líder tem a sensibilidade aguda para “interpretar o sentir de um povo”. O verdadeiro líder é servidor, “congregando e guiando” em vista de “projeto duradouro para transformação e crescimento” da sociedade em que está inserido, por isso que sua meta é “a busca do bem comum”, jamais perpetuar-se na condução dos assuntos públicos, eis porque há de cultivar “a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum”.

O não líder promove o “populismo insano”. O não líder quer, assim, “instrumentalizar politicamente a cultura do povo” porque seu objetivo é a exaltação egocêntrica em que tudo é posto “a serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder”.

O não líder não se contém. Mente, manipula em espaços cativos das redes sociais, “fomentando as inclinações mais baixas e egoístas de alguns setores da população”. Os setores, digo eu, que gravitam em torno do dinheiro e da violência.

O não líder é despótico, ditatorial. Não aceita ser contrariado. Cerca-se de bajuladores submissos porque “pretende, com formas rudes ou sutis, o servilismo das instituições e da legalidade”.

É o que acontece com o nosso Brasil.

Temos um não líder despreparado e, assim, desqualificado.

Irmãs e irmãos brasileiros morrem, avassaladoramente.

Passamos de 350.000 – trezentos e cinquenta mil – mortos!

O não líder nega o valor da ciência. O não líder, até hoje, passados mais de um ano do início da pandemia, é incapaz de agregar e caminhar junto.

“Esperando contra toda esperança” é cruzar os tempos sombrios.

Como cruzar os tempos sombrios?

Respondo com palavras do Papa Francisco:

167. A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir diante das próprias injustiças, das aberrações, dos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e midiáticos”. (Fratelli Tutti nº 167 – pg. 89).

 

                                                         Paz e Bem.

 

 

                                                    

 

domingo, 24 de janeiro de 2021

E O QUE FAZ O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA?

 


 

“Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”.

São palavras de Jair Messias Bolsonaro, ditas na segunda-feira, dia 18 de janeiro do ano em curso. (jornal Correio Braziliense de 19/01/2021 – pg. 4).

Palavras gravíssimas.

Primeiro porque enunciadas por quem preside a República Federativa do Brasil, definida como Estado Democrático de Direito e fundamentada na: soberania; na cidadania; na dignidade da pessoa humana; nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.

Assim somos nós, brasileiras e brasileiros por nosso pacto de convivência social, elaborado por nossos representantes, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, e expresso no artigo 1º e seus cinco (5) incisos da Constituição Federal de 1988.

Segundo porque a missão das Forças Armadas, também definida em nossa Carta Constitucional, não é de julgar coisa alguma; não é de decidir nada de natureza política – tomado o termo política, aqui, como a significar a condução dos assuntos pertinentes ao interesse social e ao bem comum -; não é de imiscuir-se em assuntos que não os que, estrita e textualmente, postos no artigo 142 da Constituição Federal.

“Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Portanto, nas atribuições de “defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, lugar não há para que se tenha as Forças Armadas como juízes a decidir sobre a forma de governo: democracia ou ditadura.

Aliás, apresentando Jair Messias Bolsonaro, como opção a ser considerada, no mesmo patamar da democracia, a ditadura, sem a menor dúvida expõe a lesão o regime representativo e democrático.

Essa sua conduta tipifica-se, criminalmente, no âmbito da Lei nº 7170/1983 que, justamente, foi promulgada para descrever as condutas delituosas “que lesam ou expõe a perigo de lesão o regime representativo e democrático, a Federação, e o Estado de Direito (artigo 1º da Lei nº 7170/83, grifei).

E, dentre as condutas elencadas e definidas como crime está a de: “incitar à subversão da ordem pública e social”. (artigo 23, inciso I, da Lei nº 7170/83.

Ora, Jair Messias Bolsonaro, como presidente da República, em pronunciamento público que faz, propagando o que propaga – as Forças Armadas como juiz único sobre a forma de governo do Brasil: se democracia ou ditadura -, claramente motiva, incita seus correligionários – como aliás já o fez em fatos sob apuração em sede de inquérito judicial em tramitação no Supremo Tribunal Federal sobre comportamentos antidemocráticos – a indisporem-se contra o regime representativo e democrático.

O artigo 127 da Constituição Federal é textual no dizer que o Ministério Público, instituição permanente, tem sua razão de ser, o porquê de sua existência na “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

E o que faz o procurador geral da República, Augusto Aras, ante essa situação gravíssima?

Nada!

Cabe, para finalizar, a transcrição de sábia advertência que o Papa Francisco faz a propósito do “Fim da Consciência Histórica”:

“14. São as novas formas de colonização cultural. Não nos esqueçamos de que “os povos que alienam a sua tradição e – por mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica, econômica e política”. Uma maneira eficaz de dissolver a consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça é esvaziar de sentido ou manipular as “grandes palavras”. Que significado têm hoje palavras como “democracia”, “liberdade”, “justiça”, “unidade”? Foram manipuladas e desfiguradas para serem utilizadas como instrumentos de domínio, como títulos vazios de conteúdo que podem servir para justificar qualquer ação”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 14 – pg. 17/18 – edições CNBB, grifei).

 

                                                      Paz e Bem!

 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

É FUNDAMENTAL CONSTRUIR NOVO TEMPO

  


 

Ano que se finda, ano que se inaugura.

Tudo o que se encerra deve ser meditado, deve ser analisado. É ato de prudência, virtude de que tanto necessitamos.

“Importa tudo ponderar para reter o que é bom”, exortava São Paulo aos tessalonicenses em sua primeira epístola a essa comunidade (1Ts 5, 21).

Há os que assim não se conduzem.

Optam pela irracionalidade porque desprezam o diálogo.

Conclamam à violência porque destituídos de fraternidade.

De pensamento limitado e vocabulário restrito porque não estudam.

Lideranças há que assim se apresentam.

O que nos aconteceu?

Porque aceitamos, mas não só aceitamos, porque até colaboramos para que tal situação se apresentasse?

Considero que sentimentos de solidão doentia, decepção profunda, desesperança contínua, preconceitos variados alimentam a dor pungente da frustação e o vazio, que então se experimenta, fácil é de ser preenchido em bem elaborada atmosfera, que propicia a manipulação das consciências, arrastadas pelos slogans midiáticos, emaranhadas nas bombásticas e superficiais informações das redes sociais de que não se podem libertar.

Esvai-se a capacidade impostergável de discernir, isto é, de atingir o cerne, a essência da questão para bem situá-la e solucioná-la.

“Eu quero que o povo brasileiro todo se arme porque a vagabundagem já está armada” é a frase alardeada por Jair Bolsonaro, presidente da República, na pretensão de revogar o Estatuto do Desarmamento, como noticiada pela imprensa (jornal Correio Braziiense de 26 de dezembro de 2020 – pg. 3).

Refletindo sobre o perdão, diz o Papa Francisco em sua recente Carta Encíclica “Fratelli Tutti”:

“Se um delinquente cometeu um delito contra mim ou a um ente querido, nada me impede de exigir justiça e garantir que essa pessoa – ou qualquer outra – não volte a lesar-me nem cause a outros o mesmo dano. Cabe a mim fazer isso, e o perdão não só não anula essa necessidade, mas reclama-a.

242. O importante é não o fazer para alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do nosso povo, ou por uma necessidade doentia de destruir o outro, desencadeando uma série de vinganças. Ninguém alcança a paz interior nem se reconcilia com a vida dessa maneira. A verdade é que “nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos concordar e nos unir para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez, para planejarmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais”. Assim não se ganha nada e, a longo prazo, perde-se tudo”.(Fratelli Tutti – nº 241/242, pg. 125 – edições CNBB – grifos meus).

Claríssimo está o completo despautério dos que incitam, dos que, presencial e reiteradamente, instigam à violência; sabotam, clara ou ardilosamente, comportamentos solidários em favor da saúde pública; gracejam, quando não se omitem, ante o quadro de sofrimento pandêmico, presentemente ultrapassando 200.000 mortes de irmãs brasileiras e de irmãos brasileiros.

Ao tratar de “Uma Nova Cultura” convida-nos, a tanto, o Papa Francisco, iniciando o texto com palavras do poeta e letrista Vinicius de Moraes, e diz:

“215. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. Já várias vezes convidei uma cultura de encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes porque “o todo é superior à parte” (EG. nº 237). O poliedro representa uma sociedade em que as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. Isso implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspectos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 215, pg. 112 – edições CNBB – grifos meus).

Ainda o Papa Francisco em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz, celebrado no dia 1º de janeiro deste ano de 2021, interroga-se e nos responde:

“As causas de conflitos são muitas, mas o resultado é sempre o mesmo: destruição e crise humanitária. Temos de parar e interrogar-nos: O que foi que levou a sentir o conflito como algo normal no mundo? E, sobretudo, como converter o nosso coração e mudar a nossa mentalidade para procurar verdadeiramente a paz na solidariedade e na fraternidade?

Quanta dispersão de recursos para armas, em particular para as armas nucleares, recursos que poderiam ser utilizados para prioridades mais significativas a fim de garantir a segurança das pessoas, como a promoção da paz e do desenvolvimento humano integral, o combate à pobreza, o remédio das carências sanitárias! Aliás, também isto é evidenciado por problemas globais como a atual pandemia Covid-19 e as mudanças climáticas. Como seria corajosa a decisão de criar um “Fundo Mundial” com o dinheiro que se gasta em armas e outras despesas militares, para poder eliminar a fome e contribuir para o desenvolvimento dos países mais pobres”! [21]. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 1º de janeiro de 2021 – nº7 – grifos meus).

Urge a construção de um novo tempo.

Não se pode mais abrir espaço à incompetência, à fanfarronice e à brutalidade.

Não se pode mais abrir espaço à complacência e à omissão. Aqui deploro, sem a menor dúvida, o comportamento do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, engavetando dezenas de pedidos de impeachment apresentados contra o presidente da República Jair Bolsonaro. Que se pronuncie, fundamentadamente, pelo sim, ou pelo não, mas que se pronuncie. A Democracia não se compraz com o silêncio.

O novo tempo deve se assentar no protagonismo das organizações sociais sérias e sólidas cujo único compromisso radica na concretização de atitudes e obras para a finalidade única que reside no realizar o bem comum.

O novo tempo não há de tolerar o profissionalismo da política: seja dado fim ao instituto da reeleição em todos os níveis; e também a familiaridade da política: o eleito impede que familiares se candidatem por até 20 anos após o término do cumprimento de seu mandato.

O novo tempo estimula o amplo debate, objetivo e motivado, encorajando, estimulando, o exercício da cidadania ativa.

O novo tempo constitui-se na vivência diária dos valores inegociáveis da paz, da justiça e da solidariedade.

Para mim, perfeitas essas palavras do Papa Francisco:

“223. São Paulo designa um fruto do Espírito Santo com a palavra grega chrestotes (Gl. 5, 22), que expressa um estado de ânimo não áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que sustenta e conforta. A pessoa que possui essa qualidade ajuda os outros, para que a sua existência seja mais suportável, sobretudo quando sobrecarregados com o peso dos seus problemas, urgências e angústias. É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, como tentativa de aliviar o peso dos outros Supõe “dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem, consolam, estimulam”; em vez de “palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (AL. nº 100).

224. A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 223/224 – pg. 115/116, grifos meus).

 

 

                                                          Paz e Bem.