quinta-feira, 13 de junho de 2019

NÃO SE PODE TERGIVERSAR COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS



Em 21 de fevereiro de 2016, o então juiz federal Sergio Moro, em conversa com o procurador da república Deltan Dallagnol, diz:
“Olá. Diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem das duas planejadas”.
Em 27 de fevereiro, em nova conversa com o mesmo interlocutor, pergunta:
“O que acha dessas notas malucas do diretório nacional do PT? Deveríamos rebater oficialmente? Ou pela Ajufe?”
Em 31 de agosto de 2016 reclama com Deltan Dallagnol:
“Não é muito tempo sem operação?”
Em 07 de dezembro de 2015, Sergio Moro comunica a Deltan Dallagnol que:
“Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria”.
Eis trechos – e há outros tantos – publicados no domingo passado pelo site “The Intercept”.
Sem dúvida o atributo essencial da atividade judicial, a imparcialidade é garantia da cidadania e expressão do Estado Democrático de Direito, constitucionalmente consolidada no artigo 5º, inciso XXXV. Posto que o princípio é o da inafastabilidade do Poder Judiciário para a solução dos conflitos, é imperativo constitucional que o magistrado atue com imparcialidade, sob pena de mergulharmos no  arbítrio do juiz. Extravasar sentimentos pessoais a privilegiar, escancaradamente, uma das partes na controvérsia judicial posta a seu exame viola a referida imparcialidade.
Eis porque imperiosa se faz a abertura de plena investigação sobre tais fatos.
Não há de prosperar o argumento de que em se tratando de conversa privada sua interceptação e publicização invalidaria essa prova, assim apresentada. As circunstâncias mostram, ao contrário, que as revelações têm caráter político e as conversas são sobre temas públicos.
Fatos gravíssimos revelados, se se vive em sociedade autenticamente democrática, não podem ser escondidos; colocados sob o manto do silêncio para que sejam esquecidos. Tais fatos são certos. Os diálogos existiram. O teor das conversas não foi negado.
A transparência é o melhor instrumento da verdade, assim posta ao conhecimento de todos. O esquecimento sobre o conduzir-se de quem quer que seja agente público não se compraz com o necessário controle da cidadania participativa.
  O membro do Ministério Público, portanto, não pode, por qualquer meio, mancomunar-se com o julgador; aceitar qualquer tipo de instrução ou orientação advinda de juiz da causa, porque o membro do Ministério Público tem a missão constitucional relevante “de defesa da ordem jurídica e do regime democrático” – artigo 127 da Constituição Federal – pelo que é o fiscal da correta aplicação da lei, mostrando-se intolerável sua ostensiva participação em privilegiar-se de comportamento judicial, que o favoreça unilateralmente.
Os personagens dos diálogos acima, na dimensão dos fatos postos, não representam a magistratura federal nem o ministério público federal.
Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais!


ÁLVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA – ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.
CLAUDIO LEMOS FONTELES – ex-Procurador Geral da República.
MANOEL LAURO WOLKMER DE CASTILHO – Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aposentado.
WAGNER GONÇALVES – ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.


terça-feira, 4 de junho de 2019

PODERIA ESTAR SORRINDO, TAMBÉM


                       

O general chinês Wei Fenghe, ministro da defesa da China, ao tratar do que conhecido ficou como o “Massacre na Praça da Paz Celestial” – quão triste ironia – quando, segundo organizações humanitárias, cerca de 3.000 pessoas, em sua maioria estudantes e trabalhadores foram assassinados no dia 4 de junho de 1989, considerou que:
“Esse incidente foi uma turbulência política e o governo central adotou medidas para deter as turbulências, o que é uma política adequada”. (jornal Correio Braziliense – 3/6/19 – pg. 13).
Outra matéria jornalística, publicada ao lado da que se vem de registrar, tem a foto do Papa Francisco, mães e crianças ciganas à sua frente, seguida de palavras suas endereçadas à comunidade cigana no findar sua visita à Romênia:
“Carrego um fardo: o peso das discriminações, das segregações e dos maus-tratos sofridos por sua comunidade. A história nos diz que até mesmo os cristãos, inclusive os católicos, não são alheios a tanto mal”.
O Papa disse ainda:
“Peço perdão em nome da Igreja ao Senhor e a vocês pelas vezes em que, no curso da história, nós os discriminamos, maltratamos ou olhamos mal”.
É o que se tem hoje.
A autossuficiência dos que não admitem graves erros cometidos no passado; dos que, em deformado espírito de corporação, tentam justificar barbaridades acontecidas, traduzidas em torturas, desaparecimentos, mortes, tudo avalizando em quadro de necessidade da segurança como “política adequada”, para rememorarmos as palavras do general Wei Fenghe.
Essa postura é inaceitável.
A hierarquia e a disciplina jamais podem autorizar a legitimação de toda e qualquer forma de menosprezo pela vida humana.
A vida humana é sagrada porque sopro de Deus que faz o acontecer humano como ápice da criação: “Façamos o ser humano a nossa imagem e segundo nossa semelhança” está no versículo 26, capítulo 1, do Livro do Gênesis.
“Ápice da criação” não para que a mulher e o homem disponham a bel prazer de tudo o mais, criado por Deus, mas “ápice da criação” porque o Deus-Amor, porque não é solidão, necessita comunicar-se; quer amar e ser amado e, assim, oferece à mulher e ao homem esse convite à descoberta e à permanência no amor.
Agora e assim, plenas de sentido as palavras e as atitudes do Papa Francisco.
Pedir perdão.
Pedir perdão é desfazer-se da autossuficiência; abrir o coração e, então, tornar-se humilde.
Humilhar-se é abaixar-se; nivelar-se com a terra (= húmus, que é a raiz da palavra humilde) e não mais exaltar-se; segregar; zombar; violentar; mutilar; eliminar.
Dias recentes marcam, em culminância de estado evidente de desestruturação vivencial, o comportamento de casal homoafetivo feminino a torturar; mutilar, decepando o pênis, e assassinar, esquartejando brutalmente, o menino Rhuan Maycon, filho de uma delas.
Por que tanto desatino?
A ruptura.
A ruptura consigo mesmo que conduz ao desvario, que se expressa em comportamentos pessoais e coletivos de destruição.
Já não sou; já não me possuo; já não me conheço; já não me domino. Entrego-me, com outras e outros, como estou: perdido porque sem raízes.
Lis e Mel, duas gemeazinhas siamesas, unidas pelo crânio, após mais de um mês no Hospital da Criança de Brasília, acabam de ter alta hospitalar e voltam ao seu lar com sua mãe e seu pai.
Disse o Dr. Benício Oton, coordenador de neurologia do Hospital da Criança:
“Conheci a família no ano passado e nós enfrentamos tudo juntos. Na quinta-feira da última semana, quando vimos as crianças sorrindo na enfermaria, nossa equipe também sorriu”. (jornal Correio Braziliense – 4/6/2019 – pg. 22).
Sim, solidarizar-se no “enfrentamos tudo juntos” e olhar as crianças como a fonte dos sorrisos e sorrir, também, torna impossível qualquer ruptura existencial.
Rhuan Maycon, o menino de 9 anos, poderia estar sorrindo, também.