quinta-feira, 30 de julho de 2020

O PAPA FRANCISCO E AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS ( III )

O terceiro tópico da Mensagem toca no drama pungente do tempo presente. 

Vamos ler, portanto, o que nos diz o Papa Francisco: 

“Se comeres, tornar-te-ás como Deus” (cf. Gn 3, 4): essa tentação da serpente introduz, na trama da história, um nó difícil de desfazer. “Se possuíres..., tornar-te-ás..., conseguirás...”, sussurra ainda hoje a quem se utiliza do chamado storytelling para fins instrumentais. Quantas histórias nos narcotizam, convencendo-nos de que, para ser felizes, precisamos continuamente ter, possuir, consumir. 

Quase não nos damos conta de quão ávidos nos tornamos de bisbilhotices e intrigas, de quanta violência e falsidade consumimos. Frequentemente, nos teares da comunicação em vez de narrações construtivas, que solidificam os laços sociais e o tecido cultural, produzem-se histórias devastadoras e provocatórias, que corroem e rompem os fios frágeis da convivência. Quando se misturam informações não verificadas, se repetem discursos banais e falsamente persuasivos, percutem com proclamações de ódio, está-se não a tecer a história humana, mas a despojar o homem de sua dignidade.” (grifos do original e nossos). 

Ser como Deus, ou eliminar-se Deus, para ser por si só no esplendor do que se pode possuir, conseguir, alcançar, consumir, incessantemente. 

Aí está a pandemia que nos força ao isolamento, ao recolhimento, ao mergulho em si para que nos descubramos como necessitados, e não seres que se bastam a si mesmos, e por si mesmos. 

Isso, nós não queremos reconhecer. 

Mergulhar em si para conhecer-se, verdadeiramente, para tantos, é total descalabro. 

Importa mantermo-nos girando, girando, numa roda alienante, alucinada, entorpecida por informações superficiais e aos borbotões, todas manipuladoras e tantas mentirosas. Muito a propósito, sublinhemos trecho da transcrição retro: 

“Quantas histórias nos narcotizam, convencendo-nos de que para ser felizes precisamos continuamente de ter, possuir, consumir. Quase não nos damos conta de quão ávidos nos tornamos de bisbilhotices e intrigas, de quanta violência e falsidade consumimos”. (grifos nossos). 

Eis o tempo das fake news. 

A invasão tecnológica que nos a abarrota. 

Distanciamo-nos uns dos outros. Não há mais convívio. E, se acontece, faz-se em rito de conveniência e superficialidade. 

Debruçados e fixados no que não para de surgir pela ação dos dedos nervosos sobre as teclas dos smartphones e dos computadores, tragamos, embebedados, a avalanche de notícias. Peões girando em torno de si mesmos. 

Esse estado das coisas, em outra passagem, agora haurida na Exortação Apostólica Christus Vivit, “endereçada aos jovens e a todo o povo de Deus, bem o analisa o Papa Francisco: 

“89. Não se deveria esquecer que no mundo digital estão em jogo enormes interesses econômicos, capazes de realizar formas de controle tão sutis como invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático. O funcionamento de muitas plataformas frequentemente acaba favorecendo o encontro entre as pessoas que pensam da mesma maneira, dificultando a confrontação entre as diferenças. Esses circuitos fechados facilitam a divulgação de informações e notícias falsas, fomentando preconceito e ódio. A proliferação das fake news é expressão de uma cultura que perdeu o sentido da verdade e submete os fatos a interesses particulares. A reputação das pessoas está em perigo diante de julgamentos sumários em série. O fenômeno também afeta a Igreja e seus pastores. ( Christus Vivit - nº 86 – pg. 50, grifos nossos). 

Claro que não se está a lançar anátema à tecnologia. 

Há, sem dúvida, descobertas de valia nesse âmbito. 

Ocorre que a tecnologia assim como a economia são realidades humanas instrumentais, jamais finalísticas. 

Apresentam-se como meios que tanto mais serão eficazes quanto mais promovem a acolhida, a afirmação e o crescimento pessoal e comunitário dos excluídos. 

É imperativo que estabeleçamos formas inclusivas de viver. 

Todas e todos temos o pleno direito de participar do banquete da vida, desde que a todas e a todos se garanta o desenvolvimento das aptidões com que o Deus-Amor nos agracia. Para isso, vital que o binômio educação-saúde seja priorizado. O mais vem por natural acréscimo em sociedade que, por esse modo, se apresenta como de oportunidades sempre abertas a todas e a todos. 

Ainda, uma vez mais as lúcidas palavras do Papa Francisco no derradeiro parágrafo do terceiro tópico, que estamos a analisar. 

“Numa época em que se revela cada vez mais sofisticada a falsificação, atingindo níveis exponenciais (o deepfake), precisamos de sapiência para patrocinar e criar narrações belas, verdadeiras e boas. Necessitamos de coragem para rejeitar as falsas e depravadas. Precisamos de paciência e discernimento para descobrirmos histórias que nos ajudem a não perder o fio, no meio das lacerações de hoje; histórias que tragam à luz a verdade daquilo que somos, mesmo na heroicidade do dia a dia”.  

O sadio confronto de posições políticas claras e objetivas nutre substancialmente a Democracia. 

 Não podemos nos deixar arrastar, nas posições políticas que assumimos, por preconceitos, por ódios, por beligerância. 

O ser político não é o ser guerreiro. 

O ser político é o ser do diálogo e da construção plural. 

Não deve haver lugar para arrivistas na política. 

Não deve haver lugar para medíocres e aventureiros, que se motivam à ação política unicamente para se locupletarem materialmente. 

A ação política há de expressar o empenho pelo bem comum. 

Que a advertência do Papa Francisco, aqui já transcrita, como posta na Exortação Apostólica Christus Vivit, seja perenizada em nossos corações para que não percamos o protagonismo, sempre consciente, na real edificação da Democracia. 

89. Não se deveria esquecer que no mundo digital estão em jogo enormes interesses econômicos, capazes de realizar formas de controle tão sutis como invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático”. 

quarta-feira, 15 de julho de 2020

O PAPA FRANCISCO E AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS ( II )




Continuando nossa reflexão sobre essa Mensagem, o tópico 1, apresentado em 3 parágrafos, tem por título: “Tecer histórias”. São palavras do Papa Francisco, a propósito:
“O homem é um ente narrador. Desde pequenos, temos fome de histórias, como temos de alimento. Sejam elas em forma de fábula, romance, filme, canção ou simples notícia influenciam a nossa vida, mesmo sem termos consciência disso. Muitas vezes decidimos aquilo que é justo ou errado com base nos personagens e histórias assimiladas. As narrativas marcam-nos, plasmam as nossas convicções e comportamentos, podem ajudar-nos a compreender e dizer quem somos
O homem não só é o único ser que precisa de vestuário para cobrir a própria vulnerabilidade ( cf. Gn 3, 21 ), mas também o único que tem necessidade de narrar-se a si mesmo, revestir-se de histórias para guardar a própria vida... Mergulhando dentro das histórias, podemos voltar a encontrar razões heróicas para enfrentar os desafios da vida.
O homem é um ente narrador porque em devir: descobre-se e enriquece-se com as tramas dos seus dias...”
Somos o “ente narrador”.
Ser o “ente narrador” tem por subjacente que o aprendizado-conhecimento faz-se vital para nós. Não estamos predestinados a coisa alguma. Nosso destino não está traçado desde quando concebidos.
O acontecer na sucessão dos dias, previsível ou imprevisível, abre-nos sempre o espaço para a decisão que, e na medida do grau de nosso aprendizado-conhecimento, revela-nos como construtores, ou mero espectadores, de nossa história. Ou bem nos compreendemos e nos identificamos, sem estereótipos, ou deixamo-nos arrastar por modelos e nos massificamos, sem convicções.
Há que se “tecer histórias” – retratos do passado; expressões do presente; imagens do futuro – que, assim, significam, de modo claro e real, o contínuo empenho no não se deixar estagnar, e desistir, mas propor-se sempre, apesar das adversidades, dos cansaços, dos erros, “ao revestir-se” da força inquebrantável do amor, que é a força da superação porque o amor é sempre êxtase, ou seja, impele-nos para fora de nós, para a doação-encontro do eu com o nós, para o comprometimento incansável na paulatina edificação do bem comum.
Eis porque somos seres em movimento.
Tudo o que se movimenta, necessariamente percorreu o que foi; percorre o que é; e percorrerá o que será.
Assim, precisa a afirmação do Papa Francisco:
“O homem é um ente narrador, porque em devir: descobre-se e enriquece-se com as tramas dos seus dias”.
Encerrando, proponho esta pergunta: o que nos impede de, e então tornando às palavras do Papa Francisco: “mergulhando dentro de nossas histórias, podermos voltar a encontrar razões heróicas para enfrentar os desafios da vida?”.