terça-feira, 15 de setembro de 2015

LAUDATO SI ( II )

                                           
Prosseguindo em nossas reflexões sobre essa fundamental Carta Encíclica do Papa Francisco, seu Capítulo I aborda: “o que está acontecendo com nossa casa”.
Marcando que nosso tempo é tempo acelerado – rapidación é o termo em espanhol de que se vale  Francisco – diz, com propriedade, o Papa:
“... os objetivos desta mudança rápida e constante não estão necessariamente orientados para o bem comum e para um desenvolvimento humano sustentável e integral. A mudança é algo desejável, mas torna-se preocupante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade”. (LS nº 19 – pg. 17/18).
A exasperação tecnológico-financeira arvora-se na solução única dos problemas.
Ledo engano porque esse comportar-se reducionista e unilateral menospreza a compreensão da pluralidade, da interação das múltiplas e variadas relações, que só no encontro do que é diverso propicia o sentir e conhecer a harmonia a que a nossa casa, verdadeiramente, se faça a casa comum.
Diz bem Francisco:
“Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrônicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo”. (LS nº 21 – pg. 19).
A ótica da quantidade desproporcional, pretensamente justificada pela acessibilidade para tantas e tantos, efetivamente mascara o desejo voraz de produzir e consumir incessantemente de modo que tudo conflua para essa espiral de troca contínua de coisas, e assim também todos nós nos coisificamos, naturalmente.
Elucidativa passagem do Papa Francisco, a propósito:
“Mas, contemplando o mundo, damo-nos conta de que este nível de intervenção humana, muitas vezes a serviço do sistema financeiro e do consumismo, faz com que essa terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem limite. Assim, parece que nos iludimos de poder substituir uma beleza irreparável e irrecuperável por outra criada por nós.” (LS nº 34 – pg. 30).
A intensa massificação não pode significar o aniquilamento do eu; não pode significar a perda da identidade pessoal, cultural, religiosa.
O discurso de São Paulo, no Areópago ateniense, manifestando o Deus-Amor como princípio e fim de todos e de tudo – “tendo estabelecido o ritmo dos tempos e os limites de sua (= da espécie humana) habitação (Atos dos Apóstolos 17, 26) – enfatiza a plena comunhão na formação do nós a partir e como fruto do existir de cada qual. Diz, então, São Paulo:
“Assim se fez para que buscassem a Deus e, talvez às apalpadelas, o encontrassem a ele que, na realidade, não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como disseram alguns dentre vossos poetas”. (Atos dos Apóstolos 17, 27-28).
Francisco, também:
“Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros. (LS nº 42 – pg. 34).
Sou, para que todos sejamos.
Não podemos aceitar que nos considerem como números, que nos manipulem, que nos tenham como massa de manobra.
O Papa Francisco ensina-nos em trecho tão marcante e perfeito da “Laudato Si”:
“A isto vem juntar-se as dinâmicas dos mass media e do mundo digital, que, quando se tornam onipresentes, não favorecem o desenvolvimento de uma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade. Neste contexto, os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade, e não em uma deterioração da sua riqueza mais profunda. A verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, em uma espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir. (EG nº 47 – pg. 36/37).
O arremate, como o ponto central desse Capítulo I da Carta Encíclica “Laudato Si”, está  em que não se pode dissociar da abordagem ecológica a abordagem social.
“Mas, hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres. (LS nº 49 – pg. 39).
E o Papa Francisco apresenta o testemunho dos bispos da Patagônia-Comahue, testemunho veraz e concreto, que retrata cenário eloquente nas áreas subdesenvolvidas, ou em desenvolvimento, no mundo inteiro:
“Constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são  multinacionais, que fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo. Geralmente, quando cessam suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento de algumas reservas naturais, desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos e algumas poucas obras sociais que já não se podem sustentar”. (LS nº 51 – pg. 42)
Está saturado esse modelo centrado no exclusivismo do mercado financeiro, que tem como primado o economicismo tecnocrata e tecnológico.
Encerro com palavras exatas do Papa Francisco:

“Há regiões que já se encontram particularmente em risco e, prescindindo de qualquer previsão catastrófica, o certo é que o atual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas finalidades da ação humana. Se o olhar percorre as regiões do nosso planeta, percebemos depressa que a humanidade frustrou a expectativa divina”. (LS nº 61 – pg. 49/50).   

3 comentários:

Unknown disse...

Sábias palavras que entremeiam o pensamento do Papa Francisco I e nos ajudam a organizar idéias e intuições que despontam à vista de tanta modernidade.
Informações em excesso, desconexas, supérfluas que se multiplicam pela facilidade da divulgação. Instrumentos lúdicos que atraem e tomam o tempo, substituindo a reflexão.
Foi muito bom ler esse texto.
Parabéns, Cláudio e Obrigada.
Ieda Maria A. Lima

Claudio Fonteles disse...

Muito agradecido, Ieda. Gostei muito dessas suas expressões: "Informações em excesso, desconexas, supérfluas que se multiplicam pela facilidade da divulgação. Instrumentos lúdicos que atraem e tomam o tempo, substituindo a reflexão". Valeu compartilharmos. Paz e Bem, Claudio.

Anônimo disse...

Qual a agenda do mundo?
O que vai acontecer com o aumento da população e consequentemente,uma sociedade consumista,onde a felicidade
parte do pressuposto de adquirir mais..
O que vai acontecer com as cidades?
Cenários sem esperança...
E os lixos radioativos,quanto tempo?
Eu penso comigo, as pessoas querem seguir uma vida verdadeira ou nem tão verdadeira assim...
Hipócritas buscam em Deus força para conseguir lugar de status social, burocrático,econômico talvez por pura ignorância...de nada entender sobre o divino!
Ninguém quer uma vida simples e de luz
Faz parte do mundo moderno surfar sobre
As ondas,e faz parte do mundo antigo ou
pós moderno entender que o oceano é profundo e tudo que temos é nosso barco
num mar revolto infestado de tubarões.