domingo, 29 de janeiro de 2012

CORRUPÇÃO


         A reflexão, que procedo, insere-se em espaço destinado à cidadania.

         É de muito relevo à Doutrina Social da Igreja o chamado princípio da subsidiariedade, que significa posicionar as instituições oficialmente engendradas pela razão humana, ou seja, o Estado e todo o aparato de serviços públicos executivos, legislativos e judiciais postos à satisfação das necessidades da pessoa humana, na vida em sociedade, em plano secundário. Vale dizer: toda essa estrutura executiva, legislativa e judicial não pode chamar a si a definição absoluta das questões sociais, subjugando, alienando, excluindo a pessoa humana do exercício de sua subjetividade criadora, manifestada singular ou comunitariamente.

         É que a pessoa humana, única e irrepetível justamente a que descubra o que lhe é próprio, para que não se reduza a grão de areia na extensão amorfa do deserto, o que lhe é próprio partilhe com os demais que, por sua vez, a ela lhe ofertam o seu peculiar e, então, o eu do indivíduo case-se com o nós do social.

         Somos, portanto, seres relacionais no dinamismo da criatividade de cada qual.

         Mas, de tempos para cá, o que se tem?

         Esses “corpos” executivos, legislativos e judiciais encorparam-se e encorpam-se cada vez mais e, em total menosprezo às verdadeiras necessidades da pessoa humana, fecham-se em sistema de barganhas, expressão nítida do exercício do poder pelo poder.

         Muito longe se está do magistério da Doutrina Social da Igreja a ensinar:

“410. Aqueles que têm responsabilidades políticas não devem esquecer ou subestimar a dimensão moral da representação, que consiste no empenho de compartilhar a sorte do povo e em buscar a solução dos problemas sociais. Nesta perspectiva, autoridade responsável significa também autoridade exercida mediante o recurso às virtudes que favorecem o exercício do poder com espírito de serviço ( paciência, caridade, modéstia, moderação, esforço de partilha ); uma autoridade exercida por pessoas capazes de assumir autenticamente, como finalidade do próprio agir, o bem comum e não o prestígio ou a aquisição de vantagens pessoais.”
( Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg. 231/2 – grifos do original e meu ).

         O componente moral da atividade política não pode ser extirpado.

         Se o extirparmos, incidimos na vaidade vazia dos títulos de tratamento – excelências e quejandos -; mercadejamos inescrupulosamente – e aqui me lembro de expressão de um político que a beneplacitar ato de governo arbitrário, candidamente, disse: “às favas com os escrúpulos”; e de outro que, deslavadamente conspurcando máxima tão cara a nós, franciscanas e franciscanos, disse: “é dando que se recebe” – com a função pública.

         O ensinamento da Doutrina Social da Igreja adverte-nos para que:

A administração pública em qualquer nível – nacional, regional, municipal -, como instrumento do Estado tem por finalidade servir aos cidadãos. Posto ao serviço dos cidadãos, o Estado é gestor dos bens do povo que deve administrar tendo em vista o bem comum. Contrasta com esta perspectiva o excesso de burocratização, que se verifica quando as instituições ao tornarem-se complexas na organização e pretendendo gerir todos os espaços disponíveis, acabam por se esvaziar, devido ao funcionalismo impessoal, à burocracia exagerada, aos interesses privados injustos e ao desinteresse fácil e generalizado. O papel de quem trabalha na administração pública não se deve conceber como algo de impessoal e burocrático, mas como uma ajuda pressurosa para os cidadãos, desempenhado com espírito de serviço.
( Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg. 232 – grifos do original e meu ).

         A burocratização está na razão direta do encobrimento da verdade.

         Quanto mais papel, quanto mais morosidade, quanto mais indefinição, mais as situações não se põem às claras, e tudo permanece inconcluso, impune.

         Para arrematar, mais uma vez a sabedoria da Doutrina Social da Igreja:

Entre as deformações do sistema democrático, a corrupção política é uma das mais graves porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da justiça social; compromete o correto funcionamento do Estado, influindo negativamente na relação entre governantes e governados; introduzindo uma crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes, com o conseqüente enfraquecimento das instituições. A corrupção política destorce na raiz a função das instituições representativas, porque as usa como terreno de barganha política entre solicitações clientelares e favores dos governantes. Deste modo, as opções políticas favorecem os objetivos restritos de quantos possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos.”
(Compêndio da Doutrina Social da Igreja – pg. 232- grifos do original e meu ).

         Não é à toa que vozes da cidadania gritam.

         Ainda incipientes, mas presentes.

         Temos bandeiras porque lutar, até que se consolidem: o fim das deliberações secretas nos corpos legislativos; a imediata incidência da “Lei da Ficha Limpa”, lídimo anseio da vontade popular porque posta em iniciativa legislativa e, portanto, inequívoca concretude da democracia direta; o fim do sigilo do processamento criminal de pessoas que gozam de prerrogativa de função nos corpos judiciais, como primeiro passo ao fim da prerrogativa de função em si; o fim do aparelhamento da administração pública, motivado por troca espúria de favores políticos, nos corpos executivos.

         Encerro com as palavras de João Paulo II:

“Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra.”
( Carta Encíclica Centesimus Annus – nº 46 ).

3 comentários:

RW - Roberto Wagner L. Nogueira disse...

Que benção ter descoberto seu blog, e nele, vestígios de sua bela trajetória de vida e exemplo para todos nós. Roberto Wagner - Três Rios-RJ

Fernanda disse...

Pai,
Estou gostando muito dos ensinamentos da Doutrina Social da Igreja. Bjs!
Fernanda

Sua Mãe disse...

São lamentáveis para toda a comunidade cristã os indícios de que Jean Havelange, esse paradigma de cristão emblemático tenha se envolvido em suspeitas de recebimento ilícito de recursos.