sexta-feira, 23 de setembro de 2011

PASSEATAS

         Pessoas indignadas vão às ruas. Protestam em passeatas alvejando a leniência, para não dizer cumplicidade, do aparato estatal para com a corrupção e a impunidade.

         Na verdade, esgarçaram-se os valores que sustentam a correta convivência humana.

         Hoje as pessoas, sanduíche em uma das mãos, ou copo de café; celular na outra; e sempre indo de um lado para outro não cessam de locomover-se.

         Refugiam-se em bandos, deixam-se hipnotizar pelo fascínio da era tecnológica, instrumentalizam-se para celebrar o vazio travestido em slogans vários do politicamente correto.

         Pessoas indignadas vão às ruas. Protestam em passeatas contra as mortes em sequência no trânsito, e pedem paz.

         Na verdade, sucumbimos nós também à voracidade da economia de mercado, que não cessa de produzir e ganhar, e produzir e ganhar, sem freios, e, ainda, aprovamos, com a nossa cotidiana adesão aos noticiários e filmes, exibidos no circuito comercial ou em nossos televisores, que propagam e enaltecem a violência, aprovamos todos a cultura do mais forte, do vencedor a qualquer preço.

         Que pessoas indignadas vão às ruas, e protestem, é salutar exercício da democracia, mas o protesto se esgota em si mesmo, e de nada adianta, se tomado como finalidade única.

         O desafio maior consiste no viver a coerência do que se crê com o que se faz.

         Passo importante é dado quando o próximo, o outro, deixa de ser para mim aquele, o que é, ou está, fora de mim, para ser o meu outro eu, a quem com todo o meu ser, e sem nada esperar, ou cobrar, me ofereço: a verdadeira alteridade só acontece na total doação de si.

         E isso não é nada de extraordinário.

         Acontece, normalmente, no dia a dia, em pequenos, mas profundos, gestos, desde que, em nós, deixemos aflorar a sensibilidade, que nos propicia o crescimento do sentir com ( = simpatia ) para o sentir dentro ( = empatia ). Explico, com fato real, que protagonizei: enquanto em ambiente de espaço médico aguardava atendimento, vi a cena de mulher muito humilde, pessoa dedicada a varrer chão, tendo aferida, por enfermeira, a sua pressão arterial. “Alta”, disse a enfermeira. “Aguarde ali fora, que volto a chamá-la para nova aferição da pressão”. Antes que a mulher saísse, levantei-me, minhas mãos foram para seus braços, amparei-a, e disse-lhe: “Sabe o que é muito bom para baixar a pressão?”. E emendei: “Sorrir. Há quanto tempo você não sorri?”. E ela, creio que agradavelmente surpresa por ver um estranho importar-se com ela, me disse: “Olhe, com a boca, de vez em quando, mas com o coração, faz muito tempo”. Brincando, repliquei: “Sorria, então, porque daqui a um mês eu a consultarei, e quero senti-la feliz.” Nos abraçamos, e sorrimos, com simpatia e empatia.

         Atualmente, na minha vida, tenho valorizado e, por isso, multiplicado esse instantes, quiçá como passeata pessoal, mas se todos nós, dia a dia, também nos envolvêssemos com essa modalidade de passeata, algo me diz que os valores esgarçados paulatinamente se recompõem e, em primícias, conhecemos e construímos “a civilização do amor”.

   

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