Essas são palavras de
Santa Clara, escritas na 2ª Carta que enviou para Santa Inês de Praga, ambas
filhas da nobreza europeia, ambas rompendo com esse estado de vida para, em
clausura, dedicarem-se ao viver na extrema pobreza.
Esclareçamos, de pronto,
a expressão de que me utilizei acima: “em clausura”.
Não quer significar, de
forma alguma, fuga do mundo, ou qualquer tipo de solidão alienada. Muito pelo
contrário, a consciente opção pela vida “em clausura” significa envolver-se com
o mundo, todavia em perspectiva de não se deixar atordoar pelas coisas do
mundo, então a elas sucumbindo. Antes, é oferecer-se, integral e
comunitariamente, a Jesus Cristo para ser “exemplo e espelho” de pobreza,
simplicidade e alegria para o mundo, posto que, como ainda escreve Santa Clara
a Santa Inês de Praga na 3ª Carta, a propósito do mundo em que ambas viveram,
no passado:
“É nisso que se enganam alguns reis e rainhas do mundo, cuja
soberba, embora possa chegar até o céu e tocar, com a cabeça, nas nuvens,
perder-se-á, no fim, como um monte de esterco”. (Fontes Franciscanas – pg.
1364).
Eis palavras concretas,
firmes, objetivas de quem, bem conhecendo o mundo, propõe caminho diverso a
tantas e tantos quantos circunscrevem-se ao mundo, ao mundano material, como a
única razão de existir.
Por isso, a plena
coerência da expressão: “nunca perca de vista seu ponto de partida”.
Sim, porque nunca perder
de vista seu ponto de partida significa, antes de tudo, definir-se, sem
rodeios, por determinado objetivo.
Recordo-me de meu ponto
de partida profissional.
Lá pelo meio dos estudos
na Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília, três vias tinha diante de
mim: ser membro do Ministério Público; ser juiz; ser advogado.
Juiz não desejei ser
porque não sou imparcial e a imparcialidade é a pedra de toque da magistratura
para bem e corretamente julgar os pleitos que lhe são submetidos.
Advogar em nome de
alguém também nisso não me reconheci porque sou motivado à visão do
comunitário, do coletivo, do social sob o enfoque da contínua promoção do bem
comum nos valores de afirmação à perene construção da cidadania participativa.
Então, ser Ministério
Público inspirou-me como ponto de partida que, justo por constituir-se em ponto
de partida, necessariamente alcança ponto de chegada e, assim, a vida é
itinerário valioso porque se revela, verdadeiramente, em missão coerente.
Hoje, pululam arrivistas
calcados na mentira, na desfaçatez, na grosseria, incapazes de dar vida às
expressões tão consentâneas à sociedade humanista que, na pluralidade, encontra
a unidade, as expressões: “por favor”; “com licença”; agradecido”.
Tempos obscuros,
pesados; de olhares vidrados, friamente inexpressivos; de palavreado chulo,
expressões agressivas; de atitudes intempestivas, comportamentos mesquinhos.
Eles, os arrivistas,
assim o são porque não têm ponto de partida.
Ter ponto de partida é
saber sonhar, com esperança, porque o sonho de esperança é a possibilidade real
do fazer acontecer o que é bom. Assim, o sonho é o caminho para a
transcendência, para o encontro com o Deus-Amor ou, como afirma Santa Clara na
3ª Carta a Inês de Praga:
“...põe tua mente no espelho da eternidade, a tua alma no
esplendor da glória e teu coração na figura da substância divina e
transforma-te toda pela contemplação na imagem da própria divindade, a fim de
sentires, tu mesma, o que sentem os amigos, degustando a doçura escondida que o
próprio Deus reservou, desde o início, para os que Ele ama. E tendo preterido
totalmente todos aqueles que, neste mundo falaz e perturbador, enganam seus
cegos servidores, ama inteiramente só Aquele que se entregou todo por teu amor,
cuja beleza o sol e a lua admiram e cuja recompensa não tem fim nem em valor
nem em tamanho. (Fontes Franciscanas – pg. 1363/1364).
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