Tem estado o Supremo Tribunal Federal
de nosso Brasil no noticiário recorrente, fruto do embate que com essa
Instituição trava o presidente da República Jair Bolsonaro, desde que assumiu o
governo.
Analisemos esse quadro.
Como estabeleci acima, e isso se
constitui em fato notório, desde os momentos iniciais do governo, e por todo
esse período, o presidente Jair Bolsonaro não cessa de atacar a Instituição
Supremo Tribunal Federal e magistrados dessa Corte.
Não o faz, em absoluto, fundamentado
em postura equilibrada, necessariamente fundamentada no que veicula, e em
divergência respeitosa.
Seu comportamento é belicoso e
arbitrário.
Prega, então, o fechamento do Supremo
Tribunal Federal; destrata, grosseiramente, magistrados que o compõem;
proclama, em tom de ameaça explícita, que não cumprirá decisões da Corte,
quando assim o entender.
O Estado Democrático de Direito assim
o é não só porque no elenco de direitos e deveres, assentados individual e
coletivamente, disso faz-se garantidor; também por estabelecer, na separação
dos poderes republicanos de governar, legislar e julgar, o antídoto eficaz
contra qualquer tentativa de autocracia ditatorial; e, mais ainda, por
constituir o Poder Judiciário, na presença de seu órgão máximo – o Supremo
Tribunal Federal – o guardião da
Constituição como está claramente posto no artigo 102 da Constituição
Federal de nosso País.
Pôr-se, autoritária e
desmotivadamente, contra esse ordenamento jurídico é atentar contra o Estado
Democrático de Direito.
E por que digo: “autoritária e
desmotivadamente”?
Porque se as decisões judiciais
proclamadas hão de ser por todos cumpridas, todavia, e justo porque o regime
democrático é o caminho único e perene para a permanente discussão do que se
faz e porque se faz, as decisões judiciais abrem-se como tudo, insisto, na
Democracia, ao juízo crítico.
O juízo crítico, contudo, e repetindo
o que afirmei linhas atrás, manifesta-se “em postura equilibrada,
necessariamente fundamentada no que veicula e em divergência respeitosa”.
Ora, o presidente Jair Bolsonaro
centra-se em comportamento “belicoso e autoritário” porque “prega o fechamento
do Supremo Tribunal Federal; destrata, grosseiramente, magistrados que o
compõem; proclama, em tom de ameaça explícita, que não cumprirá decisões da
Corte, quando assim o entender”.
É certo que de par com esse quadro,
notório, que traço, o presidente Jair Bolsonaro escora-se no que diz ser: “sua
liberdade de manifestação do pensamento”.
O inciso IV, do artigo 5º, da
Constituição Federal preceitua:
“IV – é livre a manifestação do
pensamento sendo vedado o anonimato”.
De plano, tenha-se por bem presente
que o inciso IV veda o anonimato no exercício da manifestação do pensamento.
Assim o faz porque a manifestação da liberdade de pensamento não se absolutiza a ponto de legitimar o
falar o que eu quero; como eu quero; quando eu quero.
Nesse sentido, textual o inciso
seguinte, o inciso V, do mesmo artigo 5º a estabelecer que:
“V – é assegurado o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem”.
Portanto, o abuso, por parte de quem quer que seja, no exercitar a livre manifestação do pensamento perfaz-se em
comportamento ilícito e, no caso do Presidente da República, a teor do que
está cristalino nos incisos do artigo 85 da Constituição Federal, o abuso configura crime de responsabilidade
porque significa “atentar, especialmente, contra o livre exercício do Poder
Judiciário” (artigo 85, II) e “o não
cumprimento de decisões judicias” (artigo
85, VII).
Outro ponto, avivado nos dias
recentes pelo presidente Jair Bolsonaro e seguidores e direcionado ao Ministro
Alexandre de Moraes, acoima de ilegal o comportamento do Ministro Alexandre de
Moraes por violar o sistema acusatório na persecução penal.
O sistema acusatório na persecução
penal está consagrado, efetivamente, no artigo 129, inciso I, da Constituição
Federal e erige, exclusivamente, o Ministério Público brasileiro – Instituição
da sociedade brasileira – a legitimar-se para acusar alguém ante o Poder
Judiciário pela prática de conduta criminosa.
Por esse sistema não se confundem,
mantendo-se independentes entre si, as atividades de acusar, como dito acima
atribuída exclusivamente aos membros do Ministério Público, e de julgar, estas
conferidas, exclusivamente, aos magistrados.
Eis porque, e para bem cumprir com
tão relevantes funções, aos membros do Ministério Público garante-se-lhes a independência funcional - § 1º do artigo
127 da Constituição Federal – e aos magistrados o dever de imparcialidade.
Na medida, então, que se imiscui o
magistrado em tarefas investigatórias, que precedem a conclusão por acusar-se,
ou não, alguém, ao arrepio do membro do Ministério Público, o magistrado, então,
desnatura o sistema acusatório.
Em tese, efetivamente, assim o é.
Mas, vamos aos fatos.
Indagação imprescindível deve ser
colocada: por que não só o Ministro Alexandre de Moraes, mas magistrados outros
do Supremo Tribunal Federal têm determinado a realização de atos no curso de investigação criminal e
mesmo exercido juízo de controle sobre o modo de atuar do procurador-geral da
República Augusto Aras, nas investigações que lhe são afetas, especialmente
quando recaem sobre condutas funcionais do presidente Jair Bolsonaro?
De plano, é de se ressaltar que o
Juiz das Garantias, instituído pela Lei nº 13.964 de 2019, ampliou, e por modo
largo, a conduta do magistrado no âmbito da investigação criminal,
expressamente marcando-o como “responsável pelo controle da legalidade da
investigação” e, portanto, autorizando-o a:
X – requisitar documentos, laudos e
informações do delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI – decidir sobre os requerimentos
de:
a) – interceptação telefônica, do fluxo
de comunicações em sistemas de informática e de outras formas de comunicação;
b) – afastamento dos sigilos fiscal,
bancário, de dados e telefônico;
c) – busca e apreensão domiciliar;
d) – acesso a informações sigilosas;
(incisos presentes na nova redação do artigo 3º, do Código de Processo Penal).
Por outra linha de argumentação, é fato notório, disseminado pela mídia
brasileira e também, exaustivamente, presente nas redes de comunicação social que o procurador-geral da República,
Augusto Aras, por si, ou pela vice-procuradora-geral da República de sua
eleição, Lindora Araújo, atuando por designação sua, ambos vêm,
sistematicamente, pronunciando-se pelo arquivamento de qualquer pretensão
investigatória no quadro da pergunta que acima me formulei, pronunciamentos vazados
em plano de generalidade, que se revela na utilização de frases abstratas,
totalmente divorciadas de mínima fundamentação sobre os fatos que lhes são
apresentados.
Presente esse quadro, estampado na
cobertura jornalística e no conhecimento público, avanço na minha linha de
argumentação e considero juridicamente possível, invocando a aplicação
analógica, de plena incidência nas questões atinentes ao processo penal –
artigo 3º, caput, do CPP -, do quanto dispõe o artigo 28 do
mesmo Código de Processo Penal, que estabelece juízo de controle mitigado do magistrado sobre o pronunciamento
conclusivo de membro do Ministério Público pelo arquivamento de investigação
criminal aos casos de competência originária do Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, em situações que tais – o
Procurador-Geral da República concluindo pelo arquivamento de investigação
criminal originária no Supremo Tribunal Federal – a composição plenária do
Supremo Tribunal Federal, discordando desse pedido, encaminha o procedimento
investigatório para exame e decisão final do Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão colegiado máximo
do Ministério Público Federal, até porque esse Conselho Superior detém a atribuição de processar e julgar condutas
funcionais do próprio Procurador-Geral da República, a teor cristalino do
artigo 57, inciso X, da Lei Complementar nº 75/93:
Artigo 57: Compete ao Conselho
Superior do Ministério Público Federal:
X – designar Subprocurador-Geral da
República para conhecer de inquérito, peças de informação ou representação
sobre crime comum atribuído ao Procurador-Geral da República e, sendo o caso,
promover a ação penal.
Tendo o órgão máximo do Ministério
Público Federal a decisão final sobre o destino da investigação criminal nos
casos de competência originária do Supremo Tribunal Federal preservado está,
integralmente, o princípio acusatório.
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