A “Constituição Coragem”, assim o
Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, definiu a
Carta Constitucional de 1988.
Sim, “Constituição Coragem” porque
disposta a sepultar o ciclo ditatorial que massacrou o Brasil. Ciclo, como todo
ciclo ditatorial, caracterizado pelo constante desprezo da pessoa humana
subjugada, humilhada, torturada, morta.
Carta Constitucional destinada a
promover “sociedade fraterna, pluralista
e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna
e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, nos termos
próprios de seu Preâmbulo.
Comprometida, portanto, com a
diuturna construção da Sociedade brasileira calcada nos valores absolutos, por
isso que inegociáveis e inextinguíveis, acima relevados.
No particular aspecto das “funções essenciais à justiça”, por
coerência com os propósitos avivados, definiu o Ministério Público.
Eis a definição:
“Artigo 127 – O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.
O Ministério Público
não é órgão absorvido e dependente de um todo.
Ele é o próprio todo
institucional. Vale dizer: tem definida missão constitucional, posta em termos
perenes. Portanto, não se sujeita às vicissitudes temporais. Permanece sempre.
E por que assim?
Porque sua missão
constitucional, que é a sua própria razão de existir, radica na defesa
intransigente:
- da ordem jurídica;
- do regime
democrático; e
- dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
A democracia, assentada
na observância irrestrita da ordem jurídica, é o regime político que estimula e
preserva o convívio diuturno “dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”.
A democracia acontece e
é vivida na efetiva participação cidadã pessoal e comunitária, manifestação
real “dos interesses sociais e
individuais indisponíveis”.
A democracia, por tal
modo, impede que o aparato governamental do Estado se torne o provedor absoluto
“dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.
Cunhei a expressão: “o Ministério Público é a voz da Sociedade
brasileira diante do Poder Judiciário”.
Portanto, não se
confundem os interesses governamentais com “os
interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Totalmente equivocada a
ideia segundo a qual o que é bom para o Estado-Administração é necessariamente
bom para a Sociedade.
A instituição
Ministério Público faz-se presente para garantir e propiciar a autonomia da
cidadania ante a estrutura estatal de governo.
Coerente com esse
tratamento constitucional conferido ao Ministério Público, a Carta Magna
preceitua em seu §1º, do artigo 127:
§1º - “São princípios institucionais do Ministério Público a
unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.
A unidade e a
indivisibilidade marcam o componente formal da instituição Ministério Público,
ou seja, não há hierarquia, não há fraccionamentos no desempenho funcional dos
membros do Ministério Público. Costuma-se dizer que quando o membro do
Ministério Público se pronuncia em caso que lhe está afeto, assim o faz “presentando” o Ministério Público, e
não o representando. É a própria voz da instituição e não a voz que faz as
vezes dela.
A independência funcional marca o componente substancial do
Ministério Público.
Com efeito, despido de
independência funcional, impossível para o membro do Ministério Público
pautar-se em seu agir de modo a corresponder à missão constitucional que lhe é
conferida.
A democracia
expressa-se na transparência na condução dos assuntos de ordem pública.
A transparência
revela-se no por às claras o que se há de fazer e o que se fez à consecução do
bem comum.
O por às claras é
imprescindível a que se fiscalize, com plena autonomia e responsabilidade, os
atos e condutas de quem quer que exerça cargo, ou função pública.
Como afirmar-se a
independência funcional se aparato de conceitos normativos genéricos, amplos,
abstratos, imprecisos são colocados como medidores do desempenho funcional dos
membros do Ministério Público?
Na democracia todos os
atos e comportamentos funcionais são sindicáveis, mas sempre à luz de prévia
tipificação, marcada por descrição de condutas concretas, objetivas, precisas,
claras.
Por outra perspectiva,
a independência funcional conduz-nos ao processo de escolha da chefia do
Ministério Público da União: o Procurador-Geral da República.
Nos termos atuais, o
texto constitucional é acanhado, comprometendo, seriamente, a independência
funcional.
Assim o § 1º, do artigo
128, da Constituição Federal:
§ 1º - “O Ministério Público da União tem por chefe o
Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre
integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após aprovação de seu
nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois
anos, permitida a recondução”.
Como se vê, o
Presidente da República tem ampla influência na escolha sobre quem há de ser
a/o Procuradora/r-Geral da República. Pinça, a seu bel prazer, alguém
integrante da carreira do Ministério Público da União; tem o juízo exclusivo e
autocrático sobre reconduzir quem, por ele escolhido, quantas vezes ele,
Presidente da República, o desejar; e, ainda, pode oferecer ao Procurador-Geral
da República cargo outro a seu completo alvedrio.
Importa mudar esse
quadro.
Mudar para que se
afirme e garanta a independência funcional, pedra de toque, como aqui
demonstrado, fundamental à afirmação da razão de ser do Ministério Público.
Proponho nova redação
para o §1º, do artigo 128, posta nesses termos:
§1º - “O Ministério Público da União tem por chefe o
Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre
integrantes da carreira do Ministério Público federal, maiores de trinta e
cinco anos, constantes de lista tríplice elaborada pelos membros do Ministério
Público federal, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta do Senado
Federal, para mandato de três anos, vedada a recondução e vedado o exercício de
qualquer outro cargo público após findo o mandato, ou durante o seu curso”.
As alterações, que
proponho, estão:
- na adoção da lista
tríplice;
- na sua elaboração a
cargo dos membros do Ministério Público federal;
- no mandato trienal;
- na vedação da
recondução; e
- no impedimento ao
exercício de qualquer ouro cargo público durante o desempenho do mandato
trienal, ou após a conclusão do mandato.
A formação da lista
tríplice propicia o amplo debate não só interna
corporis – o que é fundamental no sentido de que os postulantes,
concretamente, mostrem-se às claras para a classe – como também suas posições
se abrem ao conhecimento público, via cobertura midiática do processo eletivo.
Não se exalta o
corporativismo.
Promove-se o confronto
de ideias; instaura-se o pleno debate.
Portanto, o nome da/o
Procuradora/r-Geral da República não é mais pinçado pelo reduzido círculo do
gabinete palaciano. O Presidente da República está adstrito à escolha de um,
dentre os três nomes que lhe são apresentados pelos membros do Ministério
Público federal.
O fato da elaboração da
lista tríplice ser cometida aos membros do Ministério Público federal não trai
qualquer exclusivismo.
Percorre-se linha de
pertinência temática.
Com efeito, o
Ministério Público da União contempla o Ministério Público federal, no âmbito
de suas atribuições funcionais, em espaço de não especificidade.
Os demais ramos são
reconhecidos por especificidade própria e restrita. Assim, o Ministério Público
do trabalho afeto está às questões de natureza trabalhista; o Ministério
Público militar às controvérsias de índole castrense e o Ministério Púbico do
Distrito Federal tem o âmbito de sua atuação circunscrito aos assuntos
atinentes ao Distrito Federal.
A vedação, tanto à
recondução, quanto ao impedimento de exercer outro cargo público, durante ou
após o exercício do mandato trienal, é vital para a independência funcional.
Por esse modo,
evita-se, certamente, o barganhar no desempenho desse cargo de tão elevada
responsabilidade social.
Nos dias de hoje, é
deplorável a conduta funcional do Procurador-Geral da República, Augusto Aras,
notoriamente marcado por quadro, ampla e fundamentadamente divulgado, nos mais
variados segmentos do convívio social, notadamente no âmbito da imprensa
escrita e falada, de completa omissão, quando não de retardo, no desempenhar
suas atribuições constitucionais, mormente quando em jogo está a pessoa do
presidente da República na condução dos assuntos públicos, que lhe digam
respeito.
É tempo propício à
correção dessa situação.
Porque se proceda à
imediata modificação do texto constitucional, que trata da escolha do
Procurador-Geral da República, nos termos aqui propostos, e justificados.
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