quinta-feira, 21 de julho de 2022

A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL: GARANTIA CONSTITUCIONAL DA MISSÃO DEFINIDA AO MINISTÉRIO PÚBLICO

 


 

                                                                           

 

A “Constituição Coragem”, assim o Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, definiu a Carta Constitucional de 1988.

Sim, “Constituição Coragem” porque disposta a sepultar o ciclo ditatorial que massacrou o Brasil. Ciclo, como todo ciclo ditatorial, caracterizado pelo constante desprezo da pessoa humana subjugada, humilhada, torturada, morta.

Carta Constitucional destinada a promover “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, nos termos próprios de seu Preâmbulo.

Comprometida, portanto, com a diuturna construção da Sociedade brasileira calcada nos valores absolutos, por isso que inegociáveis e inextinguíveis, acima relevados.

No particular aspecto das “funções essenciais à justiça”, por coerência com os propósitos avivados, definiu o Ministério Público.

Eis a definição:

“Artigo 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

O Ministério Público não é órgão absorvido e dependente de um todo.

Ele é o próprio todo institucional. Vale dizer: tem definida missão constitucional, posta em termos perenes. Portanto, não se sujeita às vicissitudes temporais. Permanece sempre.

E por que assim?

Porque sua missão constitucional, que é a sua própria razão de existir, radica na defesa intransigente:

- da ordem jurídica;

- do regime democrático; e

- dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A democracia, assentada na observância irrestrita da ordem jurídica, é o regime político que estimula e preserva o convívio diuturno “dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A democracia acontece e é vivida na efetiva participação cidadã pessoal e comunitária, manifestação real “dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A democracia, por tal modo, impede que o aparato governamental do Estado se torne o provedor absoluto “dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Cunhei a expressão: “o Ministério Público é a voz da Sociedade brasileira diante do Poder Judiciário”.

Portanto, não se confundem os interesses governamentais com “os interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Totalmente equivocada a ideia segundo a qual o que é bom para o Estado-Administração é necessariamente bom para a Sociedade.

A instituição Ministério Público faz-se presente para garantir e propiciar a autonomia da cidadania ante a estrutura estatal de governo.

Coerente com esse tratamento constitucional conferido ao Ministério Público, a Carta Magna preceitua em seu §1º, do artigo 127:

§1º - “São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.

A unidade e a indivisibilidade marcam o componente formal da instituição Ministério Público, ou seja, não há hierarquia, não há fraccionamentos no desempenho funcional dos membros do Ministério Público. Costuma-se dizer que quando o membro do Ministério Público se pronuncia em caso que lhe está afeto, assim o faz “presentando” o Ministério Público, e não o representando. É a própria voz da instituição e não a voz que faz as vezes dela.

A independência funcional marca o componente substancial do Ministério Público.

Com efeito, despido de independência funcional, impossível para o membro do Ministério Público pautar-se em seu agir de modo a corresponder à missão constitucional que lhe é conferida.

A democracia expressa-se na transparência na condução dos assuntos de ordem pública.

A transparência revela-se no por às claras o que se há de fazer e o que se fez à consecução do bem comum.

O por às claras é imprescindível a que se fiscalize, com plena autonomia e responsabilidade, os atos e condutas de quem quer que exerça cargo, ou função pública.

Como afirmar-se a independência funcional se aparato de conceitos normativos genéricos, amplos, abstratos, imprecisos são colocados como medidores do desempenho funcional dos membros do Ministério Público?

Na democracia todos os atos e comportamentos funcionais são sindicáveis, mas sempre à luz de prévia tipificação, marcada por descrição de condutas concretas, objetivas, precisas, claras.

Por outra perspectiva, a independência funcional conduz-nos ao processo de escolha da chefia do Ministério Público da União: o Procurador-Geral da República.

Nos termos atuais, o texto constitucional é acanhado, comprometendo, seriamente, a independência funcional.

Assim o § 1º, do artigo 128, da Constituição Federal:

§ 1º - “O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”.

Como se vê, o Presidente da República tem ampla influência na escolha sobre quem há de ser a/o Procuradora/r-Geral da República. Pinça, a seu bel prazer, alguém integrante da carreira do Ministério Público da União; tem o juízo exclusivo e autocrático sobre reconduzir quem, por ele escolhido, quantas vezes ele, Presidente da República, o desejar; e, ainda, pode oferecer ao Procurador-Geral da República cargo outro a seu completo alvedrio.

Importa mudar esse quadro.

Mudar para que se afirme e garanta a independência funcional, pedra de toque, como aqui demonstrado, fundamental à afirmação da razão de ser do Ministério Público.

Proponho nova redação para o §1º, do artigo 128, posta nesses termos:

§1º - “O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira do Ministério Público federal, maiores de trinta e cinco anos, constantes de lista tríplice elaborada pelos membros do Ministério Público federal, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de três anos, vedada a recondução e vedado o exercício de qualquer outro cargo público após findo o mandato, ou durante o seu curso”.

As alterações, que proponho, estão:

- na adoção da lista tríplice;

- na sua elaboração a cargo dos membros do Ministério Público federal;

- no mandato trienal;

- na vedação da recondução; e

- no impedimento ao exercício de qualquer ouro cargo público durante o desempenho do mandato trienal, ou após a conclusão do mandato.

A formação da lista tríplice propicia o amplo debate não só interna corporis – o que é fundamental no sentido de que os postulantes, concretamente, mostrem-se às claras para a classe – como também suas posições se abrem ao conhecimento público, via cobertura midiática do processo eletivo.

Não se exalta o corporativismo.

Promove-se o confronto de ideias; instaura-se o pleno debate.

Portanto, o nome da/o Procuradora/r-Geral da República não é mais pinçado pelo reduzido círculo do gabinete palaciano. O Presidente da República está adstrito à escolha de um, dentre os três nomes que lhe são apresentados pelos membros do Ministério Público federal.

O fato da elaboração da lista tríplice ser cometida aos membros do Ministério Público federal não trai qualquer exclusivismo.

Percorre-se linha de pertinência temática.

Com efeito, o Ministério Público da União contempla o Ministério Público federal, no âmbito de suas atribuições funcionais, em espaço de não especificidade.

Os demais ramos são reconhecidos por especificidade própria e restrita. Assim, o Ministério Público do trabalho afeto está às questões de natureza trabalhista; o Ministério Público militar às controvérsias de índole castrense e o Ministério Púbico do Distrito Federal tem o âmbito de sua atuação circunscrito aos assuntos atinentes ao Distrito Federal.

A vedação, tanto à recondução, quanto ao impedimento de exercer outro cargo público, durante ou após o exercício do mandato trienal, é vital para a independência funcional.

Por esse modo, evita-se, certamente, o barganhar no desempenho desse cargo de tão elevada responsabilidade social.

Nos dias de hoje, é deplorável a conduta funcional do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, notoriamente marcado por quadro, ampla e fundamentadamente divulgado, nos mais variados segmentos do convívio social, notadamente no âmbito da imprensa escrita e falada, de completa omissão, quando não de retardo, no desempenhar suas atribuições constitucionais, mormente quando em jogo está a pessoa do presidente da República na condução dos assuntos públicos, que lhe digam respeito.

É tempo propício à correção dessa situação.

Porque se proceda à imediata modificação do texto constitucional, que trata da escolha do Procurador-Geral da República, nos termos aqui propostos, e justificados.      

 

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