Sempre disse, e mantenho o que disse,
que decisões judiciais devem ser cumpridas, delas gostemos, ou não, o que não
nos impede, todavia, de as analisarmos e discutirmos.
Portanto, indevido é o aforismo:
“decisão judicial não se discute, cumpre-se”.
Indevido porque um dos pilares da
democracia radica no fazer transparecer, jogar luzes para dialogar e debater
sobre o que acontece.
Nada, no regime democrático, pode ser
silenciado, oculto, engavetado, esquecido.
Decisões judiciais acontecidas
propiciam o debate.
Proclamadas, cumprem-se a todos
obrigando sua observância.
Por que assim?
Porque o Poder Judiciário, poder não
seria se, por sua razão de ser – decidir os litígios que lhe são apresentados
-, o que decidisse nada significasse porque destituído de força vinculativa e
cogente.
Em conclusão: decisões judiciais
cumprem-se, mas devem ser discutidas por quem queira fazê-lo.
Detenhamo-nos, então, no recente
julgamento de nosso Supremo Tribunal que concluiu ser o ex-juiz federal Sergio
Moro suspeito no processo criminal ajuizado por procuradores da República
contra o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.
Decisão correta.
Primeiro ponto que abordo: o fato de
se ter declarado a incompetência do Juízo de Vara Criminal de Curitiba não torna prejudicada a decisão sobre a
suspeição do então juiz federal Sergio Moro, titular da aludida Vara por onde
tramitou o processo.
É que o exame da arguição de
suspeição da pessoa do juiz precede,
necessariamente, o exame de qualquer outra exceção processual.
E por que assim?
Porque o atributo essencial da
magistratura é a imparcialidade.
Não se pode admitir que um juiz
decida algo, se for parcial.
A primeira e indispensável indagação
que todo e qualquer juiz há de se propor, quando lhe chega às mãos pedido
judicial, é: posso conhecer e julgar
essa causa porque sou imparcial?
Depois disso, e em passo seguinte, é
que deve analisar se o juízo em que atua é competente.
Em conclusão: a suspeição é do juiz; de sua pessoa específica, questionando-se se
é, ou não, parcial. A competência, em sentido jurídico-processual, não tem nada
a ver com a pessoa do juiz. A competência diz com o Juízo, ou seja, se o Juízo em que o juiz atua – seu local de
atuação, portanto – fixa a competência dele para o caso, ou se o juízo
competente é outro porque outro o local onde tudo aconteceu.
Eis porque o artigo 95, inciso I, do
Código de Processo Penal prescreve que a primeira exceção a ser oposta é a de suspeição:
Artigo 95 – Poderão ser opostas as
exceções de:
I – suspeição. (grifei)
E o artigo 254, também do Código de
Processo Penal, é textual no determinar ao juiz que, de plano, avalie se é, ou
não, suspeito para qualquer causa que lhe chegue:
Artigo 254 – O juiz dar-se-á por suspeito e, se não o
fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes. (grifei).
Passo ao segundo ponto: ouço,
mormente em comentários televisivos, que a decisão assentando a suspeição de
Sergio Moro em relação aos processos envolvendo a pessoa de Luiz Inácio Lula da
Silva pode propiciar a extensão do reconhecimento da suspeição para todos os
demais acusados e condenados no chamado “escândalo da Petrobrás”.
Tais comentários são inexatos.
De plano, não é dito o porquê da
possibilidade.
Não há o porquê, porque não há essa
possibilidade.
E essa possibilidade não existe
porque os diálogos, que bem retratam a suspeição, e que são travados
basicamente entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, e entre este e
colegas outros, todos envolvidos na chamada “operação Lava Jato”, circunscrevem-se à pessoa de Luiz Inácio
Lula da Silva.
Nos diálogos nenhuma alusão se faz a
qualquer outra pessoa por modo que se permita estabelecer qualquer realidade
indicativa de suspeição do ex-juiz Sergio Moro em relação a essa outra pessoa.
O terceiro ponto diz com a
imprestabilidade como meio de prova judicial de dados obtidos por interceptação
telefônica criminosa.
Peço licença a todas e a todos para
reproduzir o que disse, em artigo escrito com outros colegas, e publicado sob o
título: “Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais”:
“Não há de prosperar o argumento de que em se tratando de
conversa privada sua interceptação e publicização invalidaria essa prova, assim
apresentada. As circunstâncias mostram, ao contrário, que as revelações têm
caráter político e as conversas são sobre temas públicos.
Fatos gravíssimos revelados, se se vive em sociedade
autenticamente democrática, não podem ser escondidos, colocados sob o manto do
silêncio para que sejam esquecidos. Tais fatos são certos. Os diálogos
existiram. O teor das conversas não foi negado.
A transparência é o melhor instrumento da verdade, assim
posta ao conhecimento de todos. O esquecimento sobre o conduzir-se de quem quer
que seja agente público não se compraz com o necessário controle da cidadania
participativa.
O membro do Ministério Público, portanto, não pode, por
qualquer meio, mancomunar-se com o julgador; aceitar qualquer tipo de instrução
ou orientação advinda do juiz da causa, porque o membro do Ministério Público
tem a missão constitucional relevante “de defesa da ordem jurídica e do regime
democrático” – artigo 127 da Constituição Federal – pelo que é fiscal da
correta aplicação da lei, mostrando-se intolerável sua ostensiva participação em
privilegiar-se de comportamento judicial, que o favoreça unilateralmente.
Os personagens dos diálogos acima, na dimensão dos fatos
postos, não representam a magistratura federal nem o ministério público federal
Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais”.
(consulte-se: www.claudiofonteles.blogspot.com).
Paz e Bem.
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