Vivíamos no Brasil ares primeiros de
abertura política. A ditadura militar esvaia-se.
Até por isso, na televisão surgiu
programa de debates, sintomaticamente chamado: “Abertura”.
Assistia-o, com frequência.
Certa feita, no programa expunham
suas ideias o filósofo Alceu de Amoroso Lima e o antropólogo Darcy Ribeiro.
Este, de inopino, como lhe era peculiar, questiona, desafiadoramente, Alceu de
Amoroso Lima:
“Alceu, o que é a paz?”
Alceu de Amoroso Lima, sereno,
responde-lhe:
“Darcy, a paz é o equilíbrio no
movimento”.
Essa definição trago-a sempre porque
dela sempre me alimento ante as angústias, as tristezas, as decepções, quando
me assaltam.
Em inspirado momento a Igreja
Católica celebra no dia 1º de janeiro, a propósito do nascer de um novo ano, o
Dia Mundial da Paz.
Detenho-me na Mensagem do Papa
Francisco para este ano de 2019.
Vale-se do ensinamento de Jesus,
presente no Evangelho de São Lucas, que ao missionário – todas e todos nós, verdadeiramente
vivendo, havemos de estar em missão – diz-lhe da frase primeira a ser dita: “A
paz esteja nesta casa”. (LC 10, 5-6).
Leiamos, a propósito, o Papa
Francisco:
“Oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de
Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e mulheres que, no meio dos
dramas e violências da história humana, esperam a paz. A casa, de que fala
Jesus, é cada família, cada comunidade, cada país, cada continente, na sua
singularidade e história; antes de mais nada, é cada pessoa, sem distinção nem
discriminação alguma. E é também a nossa casa comum: o planeta onde Deus nos
colocou a morar e do qual somos chamados a cuidar com solicitude”. (Mensagem
para o Dia Mundial da Paz/2019 – nº 1).
Sim, a paz é oferta.
Expressão de entrega, atenção e respeito para quem é oferecida, não importa
quem seja. “A todos os homens e mulheres” a paz é oferecida, “sem distinção,
nem discriminação alguma”.
E por quê?
Porque todos habitamos a
casa, que nos é comum, prossegue o Papa, porque Deus nos deu a habitação para
estarmos e, onde estamos, somos e podemos desenvolver nossos dons e nossas
capacidades – outros mimos de Deus para conosco -, daí porque “somos chamados a
cuidar com solicitude” de nossa moradia: o planeta Terra.
Ora, a casa comum implica
na presença da vida comunitária e, assim, a política – a solicitude para com
todos os assuntos pertinentes à cidade (= polis) – apresenta fundamental
importância.
Afirma o Papa Francisco:
“Se alguém quiser ser o primeiro – diz Jesus – há de ser o
último de todos e o servo de todos (Mc 9, 35). Como assinalava o Papa São Paulo
VI tomar a sério a política, nos seus
diversos níveis – local, regional, nacional e mundial – é afirmar o dever do
homem, de todos os homens, de reconhecerem a realidade concreta e o valor da
liberdade de escolha que lhes é proporcionada, para procurarem realizar juntos
o bem da cidade, da nação, da humanidade. Com efeito, a função e a
responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles
que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam
nele e trabalhar para criar as condições de um futuro digno e justo. Se for
implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das
pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de
caridade”. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz/2019 – nº 2 – grifos do
original).
Sim, a política é
serviço eficaz comprometido com a realização do bem comum. E o bem comum jamais
prescindirá do “respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das
pessoas”.
Assim, a política
transcende a acanhada e deturpada concepção de instrumento de conquista do
poder pelo poder para dotar-se de significado profundo e real de “forma
eminente de caridade” (= amor).
Por ser manifestação do
amor, “as virtudes humanas que subjazem a uma boa ação política são: a justiça,
a equidade, o respeito mútuo, a sinceridade, a honestidade, a fidelidade”,
conclui o Papa Francisco. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz/2019 – nº 3).
De outra banda, os vícios
da política, que desestabilizam a paz social, elenca-os o Papa Francisco:
“... a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação
indevida dos bens públicos ou da instrumentalização das pessoas – a negação do
direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento
ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da razão de Estado, a tendência a
perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a
exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o
desprezo daqueles que foram forçados ao exílio”. (Mensagem para o Dia Mundial
da Paz nº 4, grifos do original).
A superação desses
vícios – infelizmente tão disseminados neste contexto histórico que
experimentamos – requer decidida postura de acolhimento, abandono de
preconceitos, disposição para ouvir e, francamente, expor-se, sem subterfúgios.
Ou, como magnificamente
escreve o Papa Francisco:
“Torna-se uma confiança dinâmica, que significa fio-me de ti e creio contigo na
possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum. Por isso, a política é a
favor da paz, se se expressa no reconhecimento dos carismas e capacidades de
cada pessoa. Que há de mais belo que uma
mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis
para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver.
Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um
instrumento de diálogo”. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – nº 5 –
grifos do original e nossos).
E ainda há quem use de
suas mãos, transformando-as em revólveres, para atirar.
Quão em completa
separação estão esses, e os que os aplaudem, da mensagem evangélica que nos
ofereceu o Cristo Jesus.
Termino com as lúcidas
palavras do Papa Francisco ao encerrar a sua Mensagem para o Dia Mundial da
Paz.
“Com efeito, a paz é fruto de um grande projeto político que
se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos.
Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma
conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões
indissociáveis desta paz interior e comunitária:
- a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência e – como
aconselhava São Francisco de Sales - cultivando um pouco de doçura para consigo mesmo a fim de oferecer um pouco de doçura aos outros;
- a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o
pobre, o atribulado..., tendo a ousadia de encontro para ouvir a mensagem que
traz consigo;
- a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus
e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante
deste mundo, cidadão e ator do futuro”.
Paz e Bem!
A paz é o “xalala lala a ô.... xalala lala a ô” .... muitas saudades das suas aulas professor. Forte abraço.
ResponderExcluirVamos pregar isso (PAZ, PAZ, PAZ...) exaustivamente, Cláudio, e tentar contaminar essa atmosfera tão carregada que introduziu o nosso 2019!...
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