terça-feira, 23 de outubro de 2018

"Sê íntegro"


                                               

O Papa Francisco, na sua recente Exortação Apostólica “Gaudete et Exsultate” – “Alegrai-vos e Exultai”-, rememora expressão de que Jesus Cristo se vale ao abrir o Sermão da Montanha, para indicar aos seus discípulos e a todos nós ensinar, que a simplicidade – “os pobres no espírito...”-; que o sofrimento – “os que choram...”-; que a mansidão – “os mansos...”-; que a justiça –“os justos”-; que a misericórdia – “os misericordiosos”-; que a autenticidade - “os puros de coração”- e a paz – “os que promovem a paz”- (leia-se: Mt 5, 3-9) são valores fundamentais para o testemunho real do verdadeiro encontro da mulher e do homem, consigo mesma, consigo mesmo e de ambos com Deus.
Mas o que nos propõe, hoje, o mundo e, em nosso País, o momento político, que atravessamos?
O ódio.
O ódio que, no pano internacional, dilacera multidões de emigrantes e refugiados, enxotados porque ameaçam o status econômico de países que atingiram dito status econômico na razão direta de praticarem, e continuarem a praticar, a exploração, real ou dissimuladamente, exatamente desses mais fracos: suprema desfaçatez.
O ódio que, no plano nacional, acometeu todas e todos quantos, num primeiro momento, foram tomados de profunda decepção ao ruir do projeto político que chegou a acalentar medidas reais de distribuição de riqueza, de acesso dos mais desafortunados a patamar acima na escala social, mas que se deixou seduzir e sucumbiu ao jogo do poder pelo poder; da ambição pela ambição.
O ódio que, ainda no pano nacional, expressou, pondo às claras, preconceitos e ressentimentos abafados porque o diferente de mim eis que mais pobre do que eu; eis que homossexual, e não hétero, como eu, passaram a conviver no meu espaço.
Ora, a democracia é, justamente, o melhor de todos os regimes políticos porque não promove espaços privatistas, de usufruto condominial segregador, mas impulsiona a convivência dos múltiplos espaços, estimula o respeito a todos os espaços nas diferenças peculiares de cada qual. Se se enfatizou, desmesuradamente, o grito dos discriminados, o caminho não está em deslegitimá-los, mas mostrar-lhes que o grito desmesurado é, também, preconceito embutido a incidir em igual viés de ódio discriminatório.
O ódio é o alimento dos medíocres e dos superficiais.
Porque medíocres e superficiais são levados – caniços ao vento – para aqui, para lá, para acolá, na dança das fake news (= notícias falsas).
Medíocres e superficiais não têm raízes porque não intuem; não consideram; não contemplam; não se põem a agir, ou seja, não intuem porque não se abrem ao que surge; abrindo-se, necessariamente analisam e, então, consideram; considerando, contemplam porque se sintonizam com o que surge e sintonizados, então assim conscientes, agem responsavelmente.
Recordo, aqui, expressiva passagem do Gênesis:
“Abrão tinha noventa e nove anos, quando o Senhor lhe apareceu e lhe disse: Anda na minha presença e sê íntegro”. (Gn 17, 1)
Aí está: que sejamos íntegros.
Ser íntegro é não dividir-se; não se deixar levar pelo detalhe, pelo superficial, pelo secundário.
Ser íntegro é conhecer-se, sabendo que esse conhecimento só se alcança na relação com todas e com todos os demais, sem distinção, e com Deus.
O nosso tempo é de desintegração.
Quem quer que queira isso incentivar, como mote para vitória política, ou qualquer outro mote, está fadado à desintegração.

3 comentários:

  1. Excelente texto! Muito apropriado para o momento atual.

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  2. Parabéns Claudio pelo excelente texto! Realmente,muito apropriado para o momento atual.

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