DEMOCRACIA
Votei em proposta, no 1º turno da
eleição presidencial em curso, que de par com propor-se a acabar com o
deturpado “presidencialismo de coalizão”, que há duas décadas vivemos, na alternância
PSDB-PT, ostensivamente marcada pelo mercadejar de cargos e funções públicas,
criadouro irresistível da corrupção sistemática, definia-se essa proposta no
alterar a relação Estado-Sociedade e posicionava-se contra a reeleição aos
cargos eletivos.
Assim, sairíamos, paulatinamente, da
presença do Estado-provedor que, em
si, tudo concentra, absolutiza-se, hipertrofia-se em todos os campos, para o Estado-motivador que, se tem por missão
garantir a organicidade do corpo social, à Sociedade, por seus mais variados
segmentos de representação, incentiva e estimula ao protagonismo de ações
afirmativas na vivência cotidiana da democracia participativa e cidadania
ativa.
Esse o grito inicial das ruas em
junho de 2013, convenientemente deturpado no que se sucedeu, pela omissão
interesseira de todos os grupos político-partidários representados no
legislativo federal que, calados e ausentes, não se encorajaram a apresentar
medidas reais, concretas, em resposta à movimentação popular acontecida.
Optaram por, simplesmente, e em quadro de vazia retórica, mencionar, aqui e
acolá, “o clamor das ruas”, que se desfez no extremismo inconsequente de vozes
cada vez mais diminutas. Repito: tudo muito conveniente a todas essas
agremiações partidárias, porque mantido a todas o adequado cenário do Estado-provedor, razão única de suas
disputas político-partidárias: conquistar o Estado-provedor e exercer o poder pelo poder.
Ocorre-me, então, reproduzir argutas
observações do Papa Francisco, no seu frutuoso diálogo com o igualmente
preparado rabino Abraham Skorka, condensado no livro: “Sobre o Céu e a Terra”.
Ei-las:
“O desprestígio do trabalho político precisa ser revertido,
porque a política é uma forma mais
elevada de caridade social. O amor social se expressa no trabalho político para
o bem comum. Nasci em 1936, tinha dez anos no surgimento de Perón, mas
minha família materna é de raízes radicais. Meu avô materno era carpinteiro, e
uma vez por semana um homem de barba ia lhe vender as anilinas. Ficavam um bom
tempo conversando no quintal enquanto minha avó lhes servia uma caneca de chá
com vinho. Um dia, minha avó me perguntou se eu sabia quem era seu Elpídio, o
vendedor de anilinas. Tratava-se de Elpidio González, que havia sido
vice-presidente da nação. A imagem desse ex-vice-presidente que ganhava a vida
como vendedor ficou gravada em mim. É
uma imagem de honestidade. Algo aconteceu com nossa política, ficou defasada em relação às idéias, às
propostas. As idéias saíram das plataformas políticas para a estética. Hoje
importa mais a imagem que o que se propõe. Já dizia Platão em “A República”: a
retórica – que viria ser a estética – é para a política o que a cosmética é
para a saúde. Saímos do essencial para o
estético, endeusamos a estatística e o marketing.” ( leia-se: Sobre o Céu e
a Terra – pg. 115-116, grifei ).
Certamente, quem se
dispuser a ler este artigo, agora sorri, e me tem por ingênuo, sonhador...
Mas se não nos
dispusermos a fazer valer, a buscar realizar em palavras, atitudes e ações o
que em nós há de mais profundo, descermos às nossas raízes para vivenciarmos
coerentemente o ser fraterno e justo,
não temos autoridade alguma para o posicionamento crítico das viciadas
estruturas.
Retorno ao Papa
Francisco e ao episódio posto no livro aqui já citado, e transcrevo, porque
oportuníssimo, o seguinte trecho:
“Quando recebo políticos, alguns vêm bem, com boa intenção,
compartilhando a visão da doutrina social da Igreja. Mas outros chegam
interessados só em alianças políticas. Minha resposta é sempre a mesma: a
segunda obrigação que eles têm é
dialogar entre si. A primeira é serem os guardiões da soberania da nação, da
pátria. O país é a dimensão geográfica e a nação, a constitucionalidade, ou
o aspecto jurídico-legal que faz com que a sociabilidade seja viável. Um país
ou uma nação podem decair em uma guerra ou ser mutilados e ser refeitos. Porém, a pátria é patrimônio dos pais, o
que recebemos daqueles que a fundaram. São os valores que nos entregaram em
custódia, mas não para que os guardemos em uma lata de conservas, e sim para
que, com o desafio do presente, os façamos crescer e os lancemos à utopia do
futuro. Se perdermos a pátria, não a recuperaremos: esse é o nosso
patrimônio. Há duas imagens que me dizem muito sobre a pátria. Uma é bíblica
quando Abrãao sai de sua terra, seguindo a caminho de Deus e leva o seu pai,
que é um fabricante de imagens de culto. A outra imagem, mais ocidental, é
quando Enéias, já queimada Tróia, sai para fundar Roma carregando seu pai nas
costas. A pátria é por os pais nas
costas.” ( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – pg. 117-118, grifei ).
O sentido da
ancestralidade, digo eu, o movimento contínuo das gerações nutre-se, e
revigorada faz-se a pátria, dos valores maiores que a perpassam, envolvendo-a,
definindo-a no momento histórico presente.
E se se quer a definição
do momento presente, ainda que, para mim, os que permaneceram no pleito não
testemunham os propósitos que me conduziram à opção do 1º turno, devo
comparecer ao 2º turno e, dentre eles, considerar não “pelas
estatísticas e marketing”, para reavivar o pensamento do Papa Francisco, mas
pela vida pessoal e comunitária, pregressa e presente, de cada qual, quem tem a
coragem de, rompendo os esquemas dessas duas décadas, migrar para “o amor
social”.
Não me custa tentar.
A decepção, já
experimentada, pela não escolha da opção que fiz, que se fez minoritária; e
nova decepção pela não escolha, de novo minoritária; ou pela não coerência
sobre quem recaiu a escolha, agora majoritária, essa decepção trato-a
naturalmente, porque o que não se pode,
jamais, permitir é que não se tenha escolha.
Muito interessante.
ResponderExcluirTudo isso pra dizer que votará na Dilma?
ResponderExcluirValeu, Elizeta.
ResponderExcluirTiago temos de perder a mania de nos centralizarmos em nomes. Por isso os partidos nossos são o que são: balcão de negócios das famosas coalizões. Trabalho com ideias concretas postas em propostas objetivas. Provavelmente não me fiz entender por você. Falha minha, mas viva a Democracia.
"(...) porque o que não se pode, jamais, permitir é que não se tenha escolha."
ResponderExcluirMuitíssimo bem colocado. Excelente texto!
Abraços carinhosos,
Marina
Valeu, Marina: suas observações são gentis.
ResponderExcluirPaz e Bem
Claudio.
A pátria nos foi entregue em custódia limpa, pura, incorrupta e nós temos o dever de mantê-la assim .Um fraterno abraço Dr. Cláudio.
ResponderExcluir