quinta-feira, 21 de outubro de 2021

SOMOS "FRATELLI TUTTI"

 

                                           

 

Olho para o Brasil. Meu olhar traz-me sentimento de desaprovação no que suas elites de governo, de legislar e de julgar nos proporcionam.

De governo porque o despreparo para o exercício de tão relevante missão é notório.

Estamos a ouvir linguajar grotesco, chulo mesmo, a revelar a completa carência no estimular e promover, concretamente, o exercício da cidadania participativa, inspirada no realizar incansavelmente o bem comum; no motivar a fazer viver a solidariedade como o espaço sem preconceitos, sem hostilidade, sem violência por qualquer forma, espaço, como bem disse o Papa Francisco em encontro preparatório de “fé e ciência para a COP 26”, “do olhar da interdependência e partilha; do motor do amor e da vocação ao respeito”.(grifei)

A truculência é a expressão mais degradante do ser humano.

Urge reconhecer o pôr-se à mesa para dialogar no saber ouvir, no saber pausar, no deixar-se impelir pelo propósito de construir juntos em meio às especificidades de cada qual.

Somos “Fratelli Tutti”.

E, na trilha do Papa Francisco:

“Este é um desafio que surge perante a necessidade de contrariar aquela cultura do descartável, que parece prevalecer na nossa sociedade e que se instala no que o nosso Apelo Conjunto chama de “sementes de conflitos: ganância, indiferença, ignorância, medo, injustiça, insegurança e violência”. São essas mesmas sementes de conflito que causam graves feridas que infligimos ao meio ambiente, como mudanças climáticas, desertificação, poluição, perda da biodiversidade, levando ao rompimento “daquela aliança entre o ser humano e o meio ambiente que deve ser espelho do amor criativo de Deus, do qual viemos e para o qual caminhamos”. (Texto para o encontro preparatório fé e ciência para a COP 26).

A elite de legislar, outrossim, deixa tanto a desejar.

Prevalecem as posturas de ganho desenfreado e contínuo, simbolizadas no reeleger-se infindável e disseminadas no compadrio até mesmo de índole familiar: filhos e filhas; pais e mães em sucessão, ou simultaneamente, reproduzem-se nas várias casas legislativas, assim loteadas.

Tais comportamentos desnaturam a representação política, já comprometida por posturas dos que a exercem como meros instrumentos do poder econômico-financeiro.

Mais uma vez, o Papa Francisco no tópico alusivo à “Política Necessária”, na sua Carta Encíclica “Fratelli Tutti”:

177. “Gostaria de insistir que “a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia” (LS, n. 189). Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito às leis e a ineficiência, “não se pode justificar uma economia sem política porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise atual” (LS, n. 196). Pelo contrário, “precisamos de uma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo em um diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise” (LS, n. 197). Penso em uma “política salutar capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas” (LS, n. 181). Não se pode pedir isso à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado.

178. Perante tantas formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que “a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever em um projeto de nação” (LS, n 178) e, mais ainda, em um projeto comum para a humanidade presente e futura. Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra “é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”. (Fratelli Tutti nº 177/178 – pg. 94/95, grifos do original).

Eis trecho tão lúcido.

Vital que seja posto em prática nos mais variados âmbitos do nosso viver.

A elite de julgar não escapa, também, do juízo crítico.

Aliás, tanto a crítica como a crise são momentos que nos motivam ao cair em si, ao rompermos com a indiferença, com a arrogância, com o fechamento, então nos abrindo ao “tudo ponderar para reter o que é bom”, como São Paulo escreve na Primeira Carta aos Tessalonicenses (1Ts 4, 21).

Julgar não é se por acima.

Julgar é ombrear-se para, mais do que impor, ensinar.

Julgar é conduzir-se com equidistância, mas fazer-se presente, sem agrados, sem recompensas, sem vaidades. Simplesmente, fazendo-se obediente a sua consciência e a sua ciência, empenhar-se como servidor da Justiça.

Encerro com as palavras do Papa Francisco:

115. “Nestes momentos em que tudo parece diluir-se e perder consistência, faz-nos bem invocar a solidez, que deriva do fato de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros na procura de um destino comum. A solidariedade manifesta-se no serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. Nesta tarefa, cada um é capaz de por de lado as suas exigências, expectativas, desejos de onipotência, à vista concreta dos mais frágeis (...) O serviço fixa sempre o rosto do irmão, toca sua carne, sente sua proximidade e, em alguns casos, até padece com ela e procura a promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 115 – pg.63 – grifos do original e meus).

 

                                                 Paz e Bem.

 

 

 


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