Olho para o Brasil. Meu olhar traz-me
sentimento de desaprovação no que suas elites de governo, de legislar e de
julgar nos proporcionam.
De governo porque o despreparo para o
exercício de tão relevante missão é notório.
Estamos a ouvir linguajar grotesco,
chulo mesmo, a revelar a completa carência no estimular e promover,
concretamente, o exercício da cidadania participativa, inspirada no realizar
incansavelmente o bem comum; no motivar a fazer viver a solidariedade como o
espaço sem preconceitos, sem hostilidade, sem violência por qualquer forma,
espaço, como bem disse o Papa Francisco em encontro preparatório de “fé e
ciência para a COP 26”, “do olhar da
interdependência e partilha; do motor do amor e da vocação ao respeito”.(grifei)
A truculência é a expressão mais
degradante do ser humano.
Urge reconhecer o pôr-se à mesa para
dialogar no saber ouvir, no saber pausar, no deixar-se impelir pelo propósito
de construir juntos em meio às especificidades de cada qual.
Somos “Fratelli Tutti”.
E, na trilha do Papa Francisco:
“Este é um desafio que surge perante
a necessidade de contrariar aquela cultura do descartável, que parece
prevalecer na nossa sociedade e que se instala no que o nosso Apelo Conjunto
chama de “sementes de conflitos:
ganância, indiferença, ignorância, medo, injustiça, insegurança e violência”.
São essas mesmas sementes de conflito que causam graves feridas que infligimos
ao meio ambiente, como mudanças climáticas, desertificação, poluição, perda da
biodiversidade, levando ao rompimento “daquela aliança entre o ser humano e o
meio ambiente que deve ser espelho do amor criativo de Deus, do qual viemos e
para o qual caminhamos”. (Texto para o encontro preparatório fé e ciência para
a COP 26).
A elite de legislar,
outrossim, deixa tanto a desejar.
Prevalecem as posturas
de ganho desenfreado e contínuo, simbolizadas no reeleger-se infindável e
disseminadas no compadrio até mesmo de índole familiar: filhos e filhas; pais e
mães em sucessão, ou simultaneamente, reproduzem-se nas várias casas
legislativas, assim loteadas.
Tais comportamentos
desnaturam a representação política, já comprometida por posturas dos que a
exercem como meros instrumentos do poder econômico-financeiro.
Mais uma vez, o Papa
Francisco no tópico alusivo à “Política
Necessária”, na sua Carta Encíclica “Fratelli
Tutti”:
177. “Gostaria de insistir que “a política não deve submeter-se à
economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista
da tecnocracia” (LS, n. 189). Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a
corrupção, a falta de respeito às leis e a ineficiência, “não se pode justificar uma economia sem política porque seria incapaz
de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise atual” (LS,
n. 196). Pelo contrário, “precisamos
de uma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação
integral, abrangendo em um diálogo interdisciplinar os vários aspectos da
crise” (LS, n. 197). Penso em uma “política
salutar capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons
procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas” (LS, n. 181).
Não se pode pedir isso à economia,
nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado.
178. Perante tantas formas de política
mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que “a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se
trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo.
O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever em um projeto de
nação” (LS, n 178) e, mais ainda, em um projeto comum para a humanidade
presente e futura. Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins
eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica porque, como ensinaram os
bispos de Portugal, a terra “é um
empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”. (Fratelli
Tutti nº 177/178 – pg. 94/95, grifos do original).
Eis trecho tão lúcido.
Vital que seja posto em
prática nos mais variados âmbitos do nosso viver.
A elite de julgar não
escapa, também, do juízo crítico.
Aliás, tanto a crítica
como a crise são momentos que nos motivam ao cair em si, ao rompermos com a
indiferença, com a arrogância, com o fechamento, então nos abrindo ao “tudo ponderar para reter o que é bom”,
como São Paulo escreve na Primeira Carta aos Tessalonicenses (1Ts 4, 21).
Julgar não é se por acima.
Julgar é ombrear-se
para, mais do que impor, ensinar.
Julgar é conduzir-se com
equidistância, mas fazer-se presente, sem agrados, sem recompensas, sem
vaidades. Simplesmente, fazendo-se obediente a sua consciência e a sua ciência,
empenhar-se como servidor da Justiça.
Encerro com as palavras
do Papa Francisco:
115. “Nestes
momentos em que tudo parece diluir-se e perder consistência, faz-nos bem
invocar a solidez, que deriva do fato de nos sabermos responsáveis pela
fragilidade dos outros na procura de um destino comum. A solidariedade manifesta-se no serviço, que pode assumir formas muito
variadas de cuidar dos outros. O serviço é, em grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos
frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. Nesta
tarefa, cada um é capaz de por de lado
as suas exigências, expectativas, desejos de onipotência, à vista concreta dos
mais frágeis (...) O serviço fixa sempre o rosto do irmão, toca sua carne,
sente sua proximidade e, em alguns casos, até padece com ela e procura a
promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é ideológico, dado que não
servimos ideias, mas pessoas”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 115 –
pg.63 – grifos do original e meus).
Paz e Bem.
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