No recente quinto
domingo do Tempo Comum, a primeira leitura posta sobre a Mesa da Palavra,
extraída dos ditos do profeta Isaías, aguçou-me.
Disse Isaías:
“Se, pois, tirares
do teu meio toda espécie de opressão, o dedo
que acusa e a conversa maligna; se
entregares ao faminto o que mais gostarias de comer,
matando a fome de um humilhado, então a luz
brilhará nas trevas; o teu escuro será igual ao
meio-dia” (Is. 58, 9b-10 -Bíblia Sagrada – tradução
da CNBB – 2001 – pg. 1020).
Estamos em tempos
de muita escuridão.
Escuridão porque
nos conformamos, e assim nos confortamos, no imediatismo do que se diz,
acelerada e superficialmente, como o absoluto verdadeiro.
Tão útil é saber
ouvir, que pede o silenciar, dispor-se, portanto, ao meditar, que tudo pondera
para então expressar posicionamento fundamentado
porque fruto, também,
do desejo de conhecer profundamente e não se deixar ludibriai por gestos e
palavras de mero efeito porque ausentes de conteúdo.
Escuridão porque o
que se diz, acelerada e impositivamente, assim é dito na expressão do ser
autoritário, mascarado na linguagem ardilosa e em chavões destituídos de
seriedade.
Tão útil é
dispor-se a apresentar-se como se é, fazendo face, sem truques ou rodeios.
Apresentar-se ao diálogo aberto, franco e respeitoso, abdicando de assumir
posturas preconceituosas, deseducadas e truculentas.
Escuridão porque
tudo se faz relativo, transitório, manifestação clara do sabor hedonista, fruto
do comportar-se egocêntrico e desestruturado, traduzido no: faço o que eu
quero; com quem eu quero; quando eu quero; como eu quero. Total ausência de
fraternidade: o outro, próximo ou distante, uso-o e o descarto.
Tão útil fazer do
cotidiano o contínuo aprendizado de aproximação das verdades absolutas. Por
princípios a nos guiar na senda de
valores compatíveis com a sociedade humanista, cujo primado está na defesa da
vida, que não deve ser privada do existir em abundância; que não deve ser
impedida de se desenvolver cultural, social e politicamente; que não deve ser
censurada por interagir com a natureza numa relação de cuidado e encanto.
Vida, presente
inestimável do Deus-Amor a todas e a todos nós, suas criaturas.
Sim, criaturas
alçadas à dignidade de ser porque dotadas da liberdade no decidir como a vida
há de ser vivida. Porque o Deus-Amor,
justo porque é o Amor, nada nos impõe, mas sempre nos propõe.
Encerro com as palavras do Professor Juan
Biosca González:
“Leonardo Polo
explicou com clareza didática que no ser humano termina a evolução das espécies
e começa o desenvolvimento cultural. A hominização mostra a evolução do corpo
que levou à aparição do homo sapiens sapiens. A humanização vai
mostrando que, cada vez mais que o ser humano se serve de melhores
instrumentos, as mudanças mais significativas não são tanto morfológicas mais
culturais.
Mas revela também um dado inquietante: os hominídeos
anteriores desapareceram por falta de destreza técnica. Mas o sapiens
sapiens pode desaparecer por excesso ou descontrole da mesma. Se o trabalho
perde o seu sentido humano porque se desconecta do sentido transcendente da
natureza e o ser humano se sente seu dono e não apenas o seu administrador; se
a procriação humana não leva ao crescimento no respeito mútuo entre o homem e a
mulher na sua missão de fazer crescer, nutrir e educar os filhos, nada garante
que se desenvolva um trabalho leal à natureza, isto é, que a posição superior
do ser humano diante a criação não derive em abuso da mesma, pervertendo,
assim, o mandato bíblico de crescer, multiplicar-se e dominar a terra por
consumir, empobrecer-se e destruir a terra.
O que está em jogo em todas as mudanças sociais é o conceito
de pessoa. Para o atual sistema econômico, o ser humano é reduzido a capital
humano. Nesse sentido, está subordinado ao cálculo de utilidade. O ser
humano tem valor enquanto for produtivo. Quando deixa de sê-lo é um obstáculo,
já não interessa mais. Por isso, hoje se fala de população sobrante. As leis do
mercado determinam quem são os sobrantes ou descartados: os desempregados, os
excluídos, as crianças submetidas à exploração laboral, os imigrantes, o
terceiro mundo, os países empobrecidos.
Por tudo isso, mesmo com as limitações que possuímos, é
preciso mais do que nunca revalorizar o patrimônio humanizador da Doutrina
Social da Igreja. Na sua origem está uma antropologia que salva a nossa
humanidade do ecocídio ao qual estamos condenados pelo sistema
hegemônico do mercado global”. (leia-se: González, Juan no artigo: A violação
dos direitos humanos no trabalho – livro Doutrina Social da Igreja e o cuidado
com os mais fracos – Ronaldo Zacharias e Rosana Manzini, organizadores – pg. 95
– Edições Paulinas).
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