Pessoas diversas têm me solicitado
assumir posicionamento sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular,
denominado: “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Esse Projeto vem patrocinado por inúmeras
entidades da sociedade civil, inclusive pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil – CNBB -, do que desponta, e de plano para os que me indagaram, prévia
questão: deve a Igreja envolver-se em tal assunto? ou, em linguagem mais
direta, deve a Igreja envolver-se com a política?
O Papa Francisco, na sua Exortação
Apostólica “A Alegria do Evangelho”, com muita clareza, afirma, no Capítulo I,
desse seu escrito, justamente chamado “A Transformação Missionária da Igreja”,
e no tópico I, sintomaticamente intitulado:
“Uma Igreja em saída”:
“Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o
caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta
chamada: sair da própria comodidade e
ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do
Evangelho.” ( leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 20 – pg. 20 ).
E, tornando à fonte
primacial – o Concílio Vaticano II – perfeitamente coloca o Papa Francisco:
“O Concílio Vaticano II
apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si
mesma por fidelidade a Jesus Cristo: Toda
a renovação da Igreja consiste numa maior fidelidade à própria vocação... A
Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição
humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma.” (leia-se: A Alegria do Evangelho – nº 26 –
pg. 25).
A
referência, como feita ao Concílio Vaticano II, é exata.
A Gaudium et Spes – Alegria e Esperança
-, “constituição pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo de
hoje”, que condensa as diretrizes para o impostergável e perene diálogo Igreja
– Mundo, no seu proêmio deixa por bem assente que o homem todo, em sua
realidade integral, ocupa o centro da missão cristã. Diz o proêmio:
“1. As alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos
aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos discípulos de Cristo; e
não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu
coração.” ( leia-se: Gaudium et Spes
– proêmio – nº 1 – pg. 6 ).
Eis porque, esse mesmo documento, em
sua Introdução, afirma:
“4. Para levar a cabo esta missão, é
dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e
interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo
adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da
vida presente e da futura e da relação entre ambas.” (leia-se: Gaudium et Spes – introdução – nº 4 –
pg. 9 ).
E
a Gaudium et Spes abre todo um
capítulo – o Capítulo IV – dedicado à “Vida da Comunidade Política”, e dele
destaco, porque muito pertinente, o seguinte trecho:
“Os que são ou podem tornar-se aptos
para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem pensar no
interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com inteireza e
prudência contra a injustiça e a opressão, contra
o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido e contra a intolerância.
E dediquem-se com sinceridade e equidade, e mais ainda com caridade e fortaleza
políticas ao bem de todos.” ( leia-se: Gaudium
et Spes - nº 75 – pg. 107/108 ).
Considero,
até como culminância de toda essa linha de pensamento, que desenvolvo, precisos
esses ensinamentos do padre Mario de França Miranda, presente no seu livro
Igreja e Sociedade:
“Hoje já se reconhece que as
religiões têm algo a oferecer à sociedade civil. São elas que denunciam a marginalização a que são condenados os mais
pobres, bem como as injustiças de políticas econômicas. São elas que
oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza os mais fracos. São elas que,
livres de um dogmatismo doutrinário e impositivo, oferecem motivações e
intuições substantivas ( e não apenas funcionais ) para as questões sujeitas ao debate público. São elas que, numa sociedade neoliberal e prisioneira de
uma racionalidade funcional, em busca de resultados, desmascaram a frieza
burocrática e tecnocrática apontando os efeitos devastadores de certas
decisões. São elas que, para além das macrossoluções milagrosas, apontam
para a responsabilidade de cada um e para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo, sem as quais a
ética na vida pública ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui
a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos discursos dos
tecnocratas.” ( leia-se: Igreja e Sociedade – pg. 139/140 ).
Em
conclusão: não vivem o ensinamento evangélico, antes o contrariam, cristãos
católicos que tomam como guia a expressão: “A Igreja não deve se envolver com
política”.
Portanto,
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – muito bem se conduz
quando, na equilibrada ponderação dos temas fundamentais à construção da
sociedade brasileira justa e solidária, por si mesma, ou se aliando a entidades
diversas, ainda que, dentre essas, algumas em questões outras se distanciem de
sua compreensão, propõe e incentiva os cristãos católicos do Brasil a,
concretamente, engajarem-se na coleta de assinaturas à formulação de projetos
de lei de iniciativa popular.
Passo,
agora, ao Projeto “Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”.
Ele
trata do sistema das eleições proporcionais; do financiamento das campanhas
eleitorais e da forma de subscrição de eleitores a proposições de lei de
iniciativa popular.
As
eleições proporcionais passam a ocorrer em dois turnos. No primeiro, não se
vota em pessoas, mas nos partidos, que obrigados estão a apresentar o conteúdo
de seu programa e a lista fechada de candidatos. Isso, a meu juízo, é salutar,
na medida em que promove a adesão do eleitor, não em função do protagonismo do candidato, mas da agremiação
partidária e suas propostas, daí porque o Projeto, com coerência, deixa por bem
assente que “o mandato pertence ao partido político”, e não ao eleito, deste
modo extinguindo-se com o nefasto “troca-troca
de partidos por parte de políticos inescrupulosos, perdendo o mandato “aquele que se desfiliar do partido político para o qual foi eleito”.
No segundo
turno, o partido então apresenta a relação dos candidatos, que constavam da
lista preordenada, apresentada no primeiro turno, mas agora nela constando só
os nomes dos que tenham se posicionado na numeração correspondente ao dobro das
vagas conquistadas pelo partido no primeiro turno.
O
Projeto torna obrigatória, na formação da lista preordenada, a observância “da alternância de sexo”, com o que,
validamente, consagra-se a paridade de oportunidade mulher-homem nas
candidaturas e, nas eleições primárias internas à formação da lista
preordenada, é marcada a obrigatoriedade de acompanhamento de todo esse
procedimento por servidor estável da
Justiça Eleitoral, designado pelo Juiz
eleitoral, abrindo-se o evento à presença do Ministério Público.
Este
artigo já se faz longo para os meus padrões e estilo – busco ser conciso e
objetivo no que escrevo – de modo que, e desejando a compreensão dos que o
leem, desenvolvo-o e o concluo na próxima semana.
Sempre disposto a propiciar aos seus leitores uma visão ampla e bem embasada no Direito e na Teologia Cristã, Vossa Senhoria é um exemplo pra mim e para muitos que seguem os difíceis trilhos jurídicos sem olvidar o Caminho da Verdade.
ResponderExcluirQue Deus continue a lhe abençoar com sabedoria e paz.
Caro Claudio,
ResponderExcluirLi com muito interesse seu artigo. Concordo com vc. Acho que falta nos politicos o espirito publico. Faço oposiçao à alternancia dirigida de sexos. Na nossa sociedade, que evolui naturalmente e dentro do tempo necessario, a mulher vem se afirmando paulatinamente, sem necessidade de pressao do Estado. Aliás, o preconceito de uma forma geral parece estar voltando justamente por causa dessa interferencia estatal. Vamos torcer pela Educaçao do nosso povo, que lhe dará condiçoes de discernir e escolher seu caminho. Abraço grande, Vania Serra