A Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – propõe-nos o tema “Fraternidade e Tráfico Humano” ao
ensejo da Campanha da Fraternidade para este ano de 2014.
Diz o Papa
Francisco: “O tráfico de pessoas é uma atividade ignóbil, uma vergonha para as
nossas sociedades que se dizem civilizadas.” (Texto-Base da Campanha nº 7 – pg.
11 ).
Certamente
assim o é porque o tráfico humano
dilacera a dignidade da pessoa.
Instrumentalizada, faz-se em objeto da ganância da atividade econômica
erigida em objetivo supremo da razão de viver, e crianças são lançadas em carvoarias a trabalhar por forma
inclemente; jovens mutilam-se nos canaviais
ao corte da cana, ou padecem sob condições degradantes de trabalho, reduzidos que estão à condição análoga à de
escravos; famílias inteiras amontoam-se em cortiços, que são as próprias
oficinas do trabalho manual de costura e tecelagem a que se submetem.
Diz bem o
Texto-Base da Campanha, avivando-nos os ensinamentos das Cartas Encíclicas “Sollicitudo Rei Socialis” e “Centesimus Annus”, ambas do Papa João
Paulo II:
“O mundo
contemporâneo vive sob o domínio da injustiça e de um sistema cimentado nas
estruturas de pecado. Tais estruturas estão ainda mais fortalecidas, agudizando a dramática situação dos mais
pobres.” (Texto-Base: nº 158 – pg. 56).
Como
permanecer, quem quer que seja, insensível a essa realidade?
Presente em
mim, aqui e agora, a eloquente afirmação de S. Paulo, dirigida aos gálatas, na
ocasião, e a todos nós, para sempre: “É
para a liberdade que Cristo nos libertou.”
Com efeito, a liberdade não é, como tanto se
apregoa nos dias em curso, a absolutização da autonomia do eu, alimentando-se
de encontros casuais, fortuitos, ou ditados pelo pragmatismo interesseiro; não é o eu centrado em si mesmo,
medindo o outro na frieza da relação custo-benefício a que subjaz a fria
pergunta: o quanto eu ganho com você?
Somos livres para que, libertos de
nossas egoísticas amarras, nos
entreguemos ao outro, que não está fora
de nós, ou nos é alheio, mas que pelo amor-doação faz-se em nosso “outro eu”; e, por tal maneira de ser, com o outro
nos envolvemos, realmente, em verdade e justiça. Ou como está muito bem posto
no Texto-Base:
“138. Jesus
ensina que a compaixão implica em sofrer a dor do outro, com o outro... Deus, em Jesus, se expõe à dor das
criaturas, se deixa afetar.” ( pg. 51 ).
Por óbvio,
não se está, aqui, a fazer o apanágio do sofrimento. Se é certo que o
sofrimento é inescapável da condição humana, é igualmente certo que o ser livre
supera esse acontecimento próprio da condição humana, tornando-o, como mesmo
disse, mero acontecimento, porque a
vivência evangélica da liberdade ultrapassa os limites da condição humana.
Nesse sentido, compreendo as palavras tão verdadeiras
do Papa Francisco, ditas no dia 8 de julho do ano passado, em Lampedusa, local
de tantas mortes, por afogamento, de desesperados emigrantes africanos,
manipulados pelos “senhores” do tráfico humano:
“Somos uma
sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de padecer com; a globalização da indiferença tirou-nos a
capacidade de chorar.” ( Texto-Base – pg. 102).
E
definitivas, para mim, são também, no mesmo contexto, essas expressões do Papa
Francisco:
“... perdemos
o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do
sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do Bom Samaritano: ao
vermos o irmão quase morto na beira da estrada, talvez pensemos “coitado” e
prosseguimos o nosso caminho, não é dever nosso; e isto basta para nos
tranqüilizarmos, para sentirmos a consciência em ordem. A cultura do bem-estar,
que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos
outros, faz-nos viver como se fôssemos
bolas de sabão: estas são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil,
do provisório. Esta cultura do bem-star leva à indiferença a respeito dos
outros; antes, leva à globalização da
indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença.
Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa,
não é responsabilidade nossa.” ( Texto-Base – pg. 103/104 ).
Possamos
todos com atos concretos, responsáveis e firmes, no espaço pessoal, familiar,
profissional e comunitário não deixar que a Campanha da Fraternidade seja mero
assunto de conversa, ou de teóricas digressões, mas nos impulsione em motivação
bastante e eficaz para a ação livre.
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