“Sentei ao lado dele para bater papo, estava morrendo de
saudades – recorda Isabell -. Agora penso que, talvez por viver um inferno na
própria casa, o Coutinho procurasse a história de outras pessoas, sofridas ou
não, para conseguir lidar com os problemas, para aliviar a dor que sentia
dentro do coração.”
São
palavras de Isabell Erdmann (Revista O Globo – 9/2/2014 – pag. 34, na matéria:
“Retrato falado por quem foi ouvido”), alemã, radicada no Rio de Janeiro, sobre
seu amigo, o cineasta Eduardo Coutinho, assassinado pelo próprio filho.
Cinegrafista,
documentando manifestação pública, sobretudo de jovens, é atingido letalmente
por artefato de ataque posto em sua direção.
Pessoas
jovens assumem atos gravíssimos.
Recordo-me
das palavras do Papa Francisco, ditas aos jornalistas, no vôo de vinda ao
Brasil para a Jornada Mundial da Juventude:
“Esta primeira viagem tem em vista
encontrar os jovens, mas não isolados da sua vida; eu quereria encontrá-los
precisamente no tecido social, em sociedade. Porque, quando isolamos os jovens,
praticamos uma injustiça: despojamo-los da sua pertença. Os jovens têm uma
pertença: pertença a uma família, a uma pátria, a uma cultura, a uma fé... Eles
têm uma pertença e não devemos isolá-los! Sobretudo não devemos isolá-los
inteiramente da sociedade! Eles são verdadeiramente o futuro de um povo!”
(leia-se: Papa Francisco: mensagens e homilias – JMJ Rio 2013 – pag. 9).
Os
tempos atuais trazem a marca do isolamento, da solidão.
Os dedos
nervosos, incessantemente digitando, comprometem o convívio. Mães e pais
ocupados demais, tão preocupados e ocupados que já não se sentam mais à mesa,
com seus filhos, e confraternizam, educam; não mais vivenciam a pertença comum
à família. Todos, centrados em si, todavia esvaziam-se no consumo digital e
televisivo.
O que
nos impede de, sem repudiar as características do instrumental tecnológico,
reconhecer o caráter unicamente instrumental da tecnologia e, assim, abrirmos
espaços ao bom-dia afetuoso; ao contar estórias e deixar que a fantasia nos
surpreenda, alegremente; aos passeios, quando juntos aprendemos uns com os
outros a conhecer a nós mesmos e ao que nos rodeia; ao boa-noite que,
encerrando o dia de trabalho, de estudo, ou o dia de só ser cuidado, tão
próprio dos bebês, em todos da família – a mãe, o pai, a filha, o filho – faça
acontecer o sentimento vivo de união, ou seja, de pertença porque pertencer é
unir-se para ser: o que nos impede?
Retorno
ao Papa Francisco a propósito da reflexão sobre o segundo evento: a morte do
cinegrafista Santiago Andrade.
“Porém, a pátria é o patrimônio dos
pais, o que recebemos daqueles que a fundaram. São os valores que nos
entregaram em custódia, mas não para que os guardemos em uma lata de conserva,
e sim para que, com o desafio do presente, os façamos crescer e os lancemos à
utopia do futuro. Se perdermos a pátria, não a recuperaremos: esse é nosso
patrimônio.”( leia-se: Sobre o Céu e a Terra – Jorge Bergoglio e Abraham Skorka
– pag. 118 ).
Aí
está: nosso Brasil é nosso porque de nossos ancestrais o recebemos em valores
fundantes, que não se cristalizam, mas impulsionados pelo suceder das gerações,
cresçam na perspectiva concreta da superação e mudança do que precisa ser
superado e mudado.
Por tal
razão, manifestações públicas são necessárias, alimentam a Democracia.
Manifestações
públicas hão de expressar, concretamente, por vozes, faixas e cantos o que se
quer mudar.
Manifestações
públicas são protagonizadas: os que, livre e conscientemente, optem por nelas
participarem, afirmem sua identidade, rostos a descoberto, cidadania ativa
presente.
Membros
do Ministério Público e advogados, guardiães da Democracia, devem fazer-se
presentes às manifestações públicas e os serviços de segurança do Estado devem
acompanhá-las, não predispostos a reprimi-las, mas para que não sejam elas
desvirtuadas de seus propósitos, o que supõe o equilíbrio e a capacitação
profissional desses servidores.
Manifestações
públicas exigem que as lideranças políticas respondam de maneira pronta, objetiva
e clara, sem subterfúgios ou manobras protelatórias, aos pleitos apresentados.
De todo útil e impostergável que a liderança maior de nosso País, a Presidência
da República, de imediato tivesse convocado a radiodifusão e a televisão,
posicionando-se.
Para
encerrar, valho-me de ensinamento do Papa Francisco, que atinge o coração de
tantas e tantos, crentes ou não, simplesmente porque é, com atitudes firmes e
serenas, o que diz:
“Para completar esta reflexão, além do humanismo integral,
que respeite a cultura original, e da responsabilidade solidária, considero
fundamental, para enfrentar o presente, o diálogo construtivo. Entre a
indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o
diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo no povo – porque todos somos
povo -, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país
cresce quando dialogam, de modo construtivo, as suas diversas riquezas
culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a
cultura artística, e a cultura tecnológica, a cultura econômica e a cultura da
família, e a cultura da mídia. Quando dialogam... É impossível imaginar um
futuro para a sociedade sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa
democracia que permaneça fechada na pura lógica ou no mero equilíbrio de
representação de interesses constituídos.” (leia-se: Papa Francisco: mensagens
e homilias – JMJ Rio 2013 – pag. 56-57 ).
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