segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

É FUNDAMENTAL CONSTRUIR NOVO TEMPO

  


 

Ano que se finda, ano que se inaugura.

Tudo o que se encerra deve ser meditado, deve ser analisado. É ato de prudência, virtude de que tanto necessitamos.

“Importa tudo ponderar para reter o que é bom”, exortava São Paulo aos tessalonicenses em sua primeira epístola a essa comunidade (1Ts 5, 21).

Há os que assim não se conduzem.

Optam pela irracionalidade porque desprezam o diálogo.

Conclamam à violência porque destituídos de fraternidade.

De pensamento limitado e vocabulário restrito porque não estudam.

Lideranças há que assim se apresentam.

O que nos aconteceu?

Porque aceitamos, mas não só aceitamos, porque até colaboramos para que tal situação se apresentasse?

Considero que sentimentos de solidão doentia, decepção profunda, desesperança contínua, preconceitos variados alimentam a dor pungente da frustação e o vazio, que então se experimenta, fácil é de ser preenchido em bem elaborada atmosfera, que propicia a manipulação das consciências, arrastadas pelos slogans midiáticos, emaranhadas nas bombásticas e superficiais informações das redes sociais de que não se podem libertar.

Esvai-se a capacidade impostergável de discernir, isto é, de atingir o cerne, a essência da questão para bem situá-la e solucioná-la.

“Eu quero que o povo brasileiro todo se arme porque a vagabundagem já está armada” é a frase alardeada por Jair Bolsonaro, presidente da República, na pretensão de revogar o Estatuto do Desarmamento, como noticiada pela imprensa (jornal Correio Braziiense de 26 de dezembro de 2020 – pg. 3).

Refletindo sobre o perdão, diz o Papa Francisco em sua recente Carta Encíclica “Fratelli Tutti”:

“Se um delinquente cometeu um delito contra mim ou a um ente querido, nada me impede de exigir justiça e garantir que essa pessoa – ou qualquer outra – não volte a lesar-me nem cause a outros o mesmo dano. Cabe a mim fazer isso, e o perdão não só não anula essa necessidade, mas reclama-a.

242. O importante é não o fazer para alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do nosso povo, ou por uma necessidade doentia de destruir o outro, desencadeando uma série de vinganças. Ninguém alcança a paz interior nem se reconcilia com a vida dessa maneira. A verdade é que “nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos concordar e nos unir para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez, para planejarmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais”. Assim não se ganha nada e, a longo prazo, perde-se tudo”.(Fratelli Tutti – nº 241/242, pg. 125 – edições CNBB – grifos meus).

Claríssimo está o completo despautério dos que incitam, dos que, presencial e reiteradamente, instigam à violência; sabotam, clara ou ardilosamente, comportamentos solidários em favor da saúde pública; gracejam, quando não se omitem, ante o quadro de sofrimento pandêmico, presentemente ultrapassando 200.000 mortes de irmãs brasileiras e de irmãos brasileiros.

Ao tratar de “Uma Nova Cultura” convida-nos, a tanto, o Papa Francisco, iniciando o texto com palavras do poeta e letrista Vinicius de Moraes, e diz:

“215. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. Já várias vezes convidei uma cultura de encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes porque “o todo é superior à parte” (EG. nº 237). O poliedro representa uma sociedade em que as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. Isso implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspectos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 215, pg. 112 – edições CNBB – grifos meus).

Ainda o Papa Francisco em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz, celebrado no dia 1º de janeiro deste ano de 2021, interroga-se e nos responde:

“As causas de conflitos são muitas, mas o resultado é sempre o mesmo: destruição e crise humanitária. Temos de parar e interrogar-nos: O que foi que levou a sentir o conflito como algo normal no mundo? E, sobretudo, como converter o nosso coração e mudar a nossa mentalidade para procurar verdadeiramente a paz na solidariedade e na fraternidade?

Quanta dispersão de recursos para armas, em particular para as armas nucleares, recursos que poderiam ser utilizados para prioridades mais significativas a fim de garantir a segurança das pessoas, como a promoção da paz e do desenvolvimento humano integral, o combate à pobreza, o remédio das carências sanitárias! Aliás, também isto é evidenciado por problemas globais como a atual pandemia Covid-19 e as mudanças climáticas. Como seria corajosa a decisão de criar um “Fundo Mundial” com o dinheiro que se gasta em armas e outras despesas militares, para poder eliminar a fome e contribuir para o desenvolvimento dos países mais pobres”! [21]. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 1º de janeiro de 2021 – nº7 – grifos meus).

Urge a construção de um novo tempo.

Não se pode mais abrir espaço à incompetência, à fanfarronice e à brutalidade.

Não se pode mais abrir espaço à complacência e à omissão. Aqui deploro, sem a menor dúvida, o comportamento do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, engavetando dezenas de pedidos de impeachment apresentados contra o presidente da República Jair Bolsonaro. Que se pronuncie, fundamentadamente, pelo sim, ou pelo não, mas que se pronuncie. A Democracia não se compraz com o silêncio.

O novo tempo deve se assentar no protagonismo das organizações sociais sérias e sólidas cujo único compromisso radica na concretização de atitudes e obras para a finalidade única que reside no realizar o bem comum.

O novo tempo não há de tolerar o profissionalismo da política: seja dado fim ao instituto da reeleição em todos os níveis; e também a familiaridade da política: o eleito impede que familiares se candidatem por até 20 anos após o término do cumprimento de seu mandato.

O novo tempo estimula o amplo debate, objetivo e motivado, encorajando, estimulando, o exercício da cidadania ativa.

O novo tempo constitui-se na vivência diária dos valores inegociáveis da paz, da justiça e da solidariedade.

Para mim, perfeitas essas palavras do Papa Francisco:

“223. São Paulo designa um fruto do Espírito Santo com a palavra grega chrestotes (Gl. 5, 22), que expressa um estado de ânimo não áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que sustenta e conforta. A pessoa que possui essa qualidade ajuda os outros, para que a sua existência seja mais suportável, sobretudo quando sobrecarregados com o peso dos seus problemas, urgências e angústias. É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, como tentativa de aliviar o peso dos outros Supõe “dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem, consolam, estimulam”; em vez de “palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (AL. nº 100).

224. A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes”. (Carta Encíclica Fratelli Tutti – nº 223/224 – pg. 115/116, grifos meus).

 

 

                                                          Paz e Bem.

  

      

  

 

3 comentários:

Jaci Caetano disse...

Como sempre, muito bom texto para a nossa reflexão. Penso inclusive que se deixar concluir simplesmente o atual mandato presidencial é validar o que ali se faz. É normalizar o absurdo. E um novo tempo não pode partir disso!

Jaci Caetano disse...

Como sempre, muito bom texto para a nossa reflexão. Penso inclusive que se deixar concluir simplesmente o atual mandato presidencial é validar o que ali se faz. É normalizar o absurdo. E um novo tempo não pode partir disso!

Anônimo solidário disse...

É sempre importante dialogar...