É assim, com o estudo de caso real,
que tantas vezes com minhas e meus alunos analisávamos as questões jurídicas.
O caso Jair Messias Bolsonaro, que
surge a partir de comportamento de Sergio Moro ao exonerar-se do cargo de
Ministro da Justiça, e ante as razões que a tanto sublinhou, está em se saber
se Jair Messias Bolsonaro interferiu ilegalmente no âmbito da Polícia
Federal, ou não.
Na investigação em curso – e ao que
tudo indica prestes está a findar-se – tem-se que:
1º- Jair Messias Bolsonaro, em
mensagem encaminhada a Sergio Moro, via celular, diz: “Moro: você tem 27
superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.
2º- Em nova mensagem, mandada a 23 de
abril, passado, e ante publicação no site “O Antagonista” estampando que a
Polícia Federal estava no encalço de deputados bolsonaristas, disse Jair
Messias Bolsonaro a Sergio Moro: “Mais um motivo para troca”.
3º- O delegado federal Maurício
Valeixo, então Diretor-Geral da Polícia Federal, em seu depoimento afirmou que
Jair Messias Bolsonaro desde agosto de 2019 desejava trocar a chefia da Polícia
Federal no Rio de Janeiro. Disse mais: que nunca pediu, formalmente, exoneração
do cargo que exercia, fazendo-o Jair Messias Bolsonaro por ato próprio.
4º- Os generais Augusto Heleno, Chefe
do Gabinete de Segurança Institucional, e Luiz Eduardo Ramos, Chefe da
Secretaria de Governo, testemunharam que Jair Messias Bolsonaro, na reunião
ministerial do passado dia 22 de março, mencionou expressamente a Polícia
Federal, além de outros órgãos de inteligência, em tom crítico.
5º- O delegado federal Carlos
Henrique de Oliveira, depondo por uma segunda vez, disse ter se encontrado com
Jair Messias Bolsonaro, no ano passado, provavelmente em outubro ou novembro,
no Palácio do Planalto, em reunião intermediada pelo delegado federal Alexandre
Ramagem.
No vídeo da reunião ministerial do
dia 22 de março, Jair Messias Bolsonaro diz, textual e agressivamente:
“Eu não vou esperar f. a minha família toda, de sacanagem, ou
amigos meus porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha
que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe
dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não
estamos aqui prá brincadeira”. (transcrição como reproduzida pelo jornal
Correio Braziliense de 23.05 – pg. 04).
Esses fatos já são
bastantes a que se tenha por bem caracterizada “a fumaça do bom direito” – fumus
boni iuris – que é o que se exige ao ajuizamento de toda e qualquer
acusação pública – denúncia – ante o Poder Judiciário.
Com efeito,
inquestionável as invectivas que culminaram, por parte de Jair Messias
Bolsonaro, na consolidação de ato de sua lavra, que sacramentou a demissão de
Maurício Valeixo da Direção-Geral da Polícia Federal.
Qual é a argumentação de
Jair Messias Bolsonaro para pugnar pelo arquivamento da investigação e o
consequente não oferecimento da denúncia?
Simplesmente, asseverar
que na reunião do dia 22 de março não mencionara a Polícia Federal e que
tratava, usando unicamente a palavra “segurança”, de sua segurança e de seus
familiares.
Ora, os depoimentos,
inclusive de seus Ministros militares, que lhe são mais chegados, desmentem
objetivamente essa sua afirmação.
Aliás, na edição do dia
14 de maio, na página 03, o jornal Correio Braziliense estampa frase lacônica
de Jair Messias Bolsonaro a dizer: “Ramos se equivocou”.
Referia-se, sem qualquer
base, eis que apresenta mera e solta frase, ao depoimento do general Luiz
Eduardo Ramos como antes aqui se realçou.
Também, e por óbvio, sua
ira não se voltava ao general Augusto Heleno – inclusive há passagem no vídeo
em que justifica a crítica à ABIN por carência de pessoal – dada a notória
amizade e ligação estreita entre ambos.
A sobrar, na área da
segurança, o Ministro Sergio Moro a quem, inclusive, dirige ostensivo olhar
quando fala de: “Trocar o ministro”.
Assim apresentado o
caso, juridicamente impossível assuma o Procurador-Geral da República
diretriz de arquivamento.
Insisto: os dados
fáticos, incontroversos, são exuberantes à caracterização do fumus boni iuris a
validar a acusação pública ante o Supremo Tribunal Federal.
Inequívoca a presença do
crime de prevaricação, assim tipificado no artigo 319 do Código Penal
brasileiro:
Artigo 319: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente,
ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. (grifei).
Portanto, Jair Messias
Bolsonaro ao demitir Maurício Valeixo do cargo de Diretor-Geral da Polícia
Federal fê-lo em ato ilegal, porque despido de qualquer motivação
válida, antes para atender sentimento pessoal: escudar familiares
e amigos, como está, cristalino, na transcrição de sua fala na reunião
ministerial.
E o ato é ilegal porque,
na dicção constitucional, a Polícia Federal não é Polícia do Poder
Executivo, mas, e exclusivamente, polícia judiciária, assim constituindo-se
em órgão do Estado. Eis a redação do artigo 144 - §1º - inciso IV, da
Constituição Federal:
Artigo 144: “A segurança pública,
dever do Estado...
§1º A polícia federal, instituída
por lei como órgão permanente, estruturada em carreira, destina-se
IV- exercer, com exclusividade, a
função de polícia judiciária, da União”. (grifei).
Não cabe – como tenho
ouvido aqui e acolá – tipificar-se criminalmente a conduta de Jair Messias
Bolsonaro como advocacia administrativa.
O crime de advocacia
administrativa, posto no artigo 321 do Código Penal brasileiro, define-se no:
“Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado
perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário
público”.
Ora, o Presidente da
República exerce “a direção superior da administração federal” nos termos do
inciso II, do artigo 84, da Constituição Federal.
Portanto, o Presidente
da República não necessita patrocinar interesse privado de ninguém ante a
administração pública. Ele preside a administração pública federal.
E mais: aqui cogita-se
da edição de ato administrativo concreto: a demissão ilegal do Diretor-Geral da
Polícia Federal.
A incidência é,
portanto, plena do crime de prevaricação, e não de advocacia administrativa.
Que o Procurador-Geral
da República, presente o princípio reitor da atividade do Ministério Público,
que é o princípio constitucional da independência funcional - §1º do
artigo 122, da Constituição Federal – cumpra com o seu dever funcional e, no
caso Jair Messias Bolsonaro, acuse-o ante o Supremo Tribunal Federal pelo crime
de prevaricação.
Análise simples e objetiva. Parabéns!!! É com tristeza que eu digo que duvido muito que o PGR vá fazer o indicado. Mas... tomara que ele me surpreenda.
ResponderExcluirAbraço!
Brilhante abordagem do caso. Brinda-nos com sua explanação!
ResponderExcluirAnálise feita pela lei e não por emoção, é isso que espero dá pra frente
ResponderExcluirExcelente análise. Técnica. Verdadeira.
ResponderExcluirAlerta ao STF e possivelmente ao Bulldog Fonteneles: https://youtu.be/TZCofkPhrm0
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